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Cultura Caipira

Em 45 anos de carreira, o músico e compositor Renato Teixeira gravou mais de 20 álbuns e marcou o cancioneiro nacional cantando histórias que exaltam a cultura caipira. Ele compôs, por exemplo, versos como “Amanheceu, peguei a viola / Botei na sacola e fui viajar”.

Em Romaria, gravada pela cantora Elis Regina em 1977, contou a saga de milhões de romeiros agraciados e agradecidos a Nossa Senhora de Aparecida. “Essa gravação me viabilizou como autor e ainda quebrou o preconceito que havia contra a música caipira. Tornou-se um clássico da MPB”, diz. Nos dias 18 e 19 de fevereiro, Teixeira se apresentou no Sesc Belenzinho. Em depoimento à Revista E, o músico falou sobre a releitura que fez do sertanejo de raiz e relembrou parcerias que ocorreram ao longo de sua trajetória. A seguir, trechos.



Caipirismo vale-paraibano

Sou nascido em Santos, mas passei minha infância em Ubatuba e, com 11 anos, fui para Taubaté. Meus valores são absolutamente interioranos. Sempre convivi com uma cultura muito rica, não só na música, mas também nas artes plásticas, no cinema e no teatro. Não entendia por que quando se falava da cultura caipira as pessoas ficavam com o pé atrás.

Mazzaropi, Monteiro Lobato, Cândido Portinari e Guimarães Rosa são exemplos da cultura caipira! Quando fui de Taubaté para São Paulo, nos anos de 1960, o único músico da MPB de origem interiorana era o Sérgio Ricardo, que fazia aquelas coisas nordestinas geniais. Mas ele era de Marília. A música da cultura caipira – representada por Tonico e Tinoco, Cornélio Pires e Tião Carreiro – estava cumprindo ciclos, encerrando o assunto.

O Brasil vivia ainda os ecos da bossa?nova, chegando com essa geração de Chico [Buarque] e Caetano [Veloso], que é um pouco a minha geração também. Então, a música caipira estava indo para “o saco”. Mas eu achava que o fato de aqueles artistas terem cumprido um ciclo não queria dizer que aquela música iria deixar de existir. Então procurei fazer uma releitura da música caipira. Talvez Romaria, que foi uma nova forma de fazer música caipira, tenha sido a primeira música que estourou. Isso é o caipirismo vale-paraibano.

Clássico da MPB

Não tenho a menor ideia de quantos álbuns gravei, contei até o quinto disco, mas é uma quantidade enorme. Sei que Romaria já passou das 450 regravações. Foi uma surpresa muito agradável quando a Elis [Regina] disse que iria gravá-la. E o mais interessante é que esse prazer não acaba nunca, porque de repente você a ouve cantando novamente. Além disso, ela me lançou como autor. Essa gravação me viabilizou como autor e ainda quebrou o preconceito que havia contra a música caipira. Tornou-se um clássico da MPB. O povo brasileiro perdeu a vergonha de dizer que é “caipira, pirapora, Nossa Senhora de Aparecida”. Essa frase tem uma identidade brasileira muito forte.

Parceiros de viola

Não adianta querer forçar a barra, parceria é uma coisa que surge naturalmente. É como casamento, para dar certo é difícil. E a minha parceria com o Almir [Sater] deu muito certo, a gente se entende perfeitamente bem. Eu faço a letra e ele faz a música. Ele é muito exigente em relação à letra, e sempre acabam saindo coisas muito boas.

Com Pena Branca e Xavantinho foi uma parceria musical, não autoral. Começamos a fazer shows juntos nos anos de 1980, íamos tocar todo domingo em Aparecida do Norte. Surgiu uma amizade muito grande e uma admiração enorme por aqueles caras. Porque além de talentosos, o que fez deles uma das melhores duplas que já existiram, eram duas pessoas extremamente encantadoras. Foi um dos grandes prazeres da minha carreira.

Pai e filho

A música Father and Son, do Cat Stevens, é muito emblemática e foi um grande sucesso da minha geração. Era num momento de Guerra no Vietnã, um momento de ruptura, quando a revolução começava dentro de casa. O que é mais interessante é que essa revolução, que acontecia ao redor do mundo, começou dentro dos lares, com os filhos questionando os pais.

Saiu de dentro das casas, foi para as ruas, tomou conta do mundo e mudou o perfil do planeta. Eu sou a quarta geração de músicos da minha família. O Chico [Teixeira, filho de Renato] é a quinta. Cada um tem a sua veia musical, seus conceitos, suas ideias. Um dia começamos a brincar e fizemos uma versão dessa música [Father and Son]. Ficou muito interessante. O Cat Stevens não autoriza música dele no Brasil, morou aqui e tem uma história meio mal resolvida com o país.

Então, não estava autorizando que gravassem músicas dele por aqui. Mas ele ouviu essa versão, gostou e nos autorizou a gravar. Foi bem legal. E cantar com o Chico é um prazer enorme. Nunca exigi que ele fosse músico, mas ele nasceu numa casa cheia de violão e frequentada por músicos o dia todo. O Almir o levava para o Pantanal para que fizesse base para ele tocar viola. Então a cabeça do menino foi enchendo de música. Inclusive, se você me perguntar quem é hoje o grande autor folk brasileiro da nova geração, digo que é o Chico.

Prazer pelo palco

Como qualquer artista do mundo, não cobro para tocar, cobro para viajar. Estar no palco, com um som bom e ainda recebendo carinho do público é uma maravilha. Palco é arte pura. Agora viajar é difícil. Aeroporto, estrada, hotel, noites sem dormir... Só o ano passado fiz 112 shows e fiquei 224 dias fora de casa. Ainda compus e fiz o disco com o Sérgio Reis. Mas tudo isso por aquela horinha de prazer no palco e por aquela outra horinha que você vai para o camarim receber as pessoas. O show não termina quando acaba no palco, vai para o camarim. Então, isso não está à venda, não tem preço.


“Como qualquer artista do mundo, não cobro para tocar, cobro para viajar. Estar no palco, com um som bom e ainda recebendo carinho do público é uma maravilha”

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