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Modernismo nas ruas

Há 90 anos, pintores, músicos, escritores, escultores e arquitetos se reuniam no Teatro Municipal de São Paulo para reivindicar uma renovação artística de caráter genuinamente nacional em oposição à arte acadêmica, predominante no país desde o século 19.

A Semana de Arte Moderna – que apesar do nome durou três dias – promoveu exposições, sessões literárias e musicais com obras de Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Vicente do Rego Monteiro, Victor Brecheret, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Heitor Villa-Lobos, entre outros. Os debates e obras exibidas foram a semente do que veio a se configurar como modernismo brasileiro.

Um passeio atento pelas ruas de São Paulo revela as marcas do modernismo na paisagem da cidade. Primeira obra da arquitetura moderna no Brasil, a casa da Rua Santa Cruz, 325, na Vila Mariana, está aberta à visitação. Idealizado pelo arquiteto russo Gregori Warchavchik e construído em 1928, o projeto era tão fora dos padrões da época que, para conseguir a aprovação junto à prefeitura, Warchavchik apresentou uma fachada ornamentada e, quando concluiu a obra, alegou falta de recursos para completá-la.

O arquiteto também assina outras duas importantes obras modernas da cidade, a casa da Rua Itápolis, 961, no Pacaembu, e a casa na Rua Bahia, 1126, em Higienópolis, ambas da década de 1930. Já no centro da cidade, na praça da República, encontra-se o primeiro prédio moderno, o Edifício Esther, projetado por Vital Brazil e Adhemar Marinho e inaugurado em 1938.

Até aquele momento, não era possível identificar características nacionais nas obras, a arquitetura modernista feita no Brasil seguia exclusivamente os ditames europeus, especialmente os estipulados por Le Corbusier. O arquiteto suíço radicado na França é reconhecido internacionalmente pela formulação dos princípios da nova arquitetura, que tem como conceito-chave a planta livre, que liberta as paredes de sua função estrutural.

De acordo com o arquiteto e professor da Escola da Cidade, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Guilherme Wisnik, o modernismo surgiu como uma proposta de racionalização da arquitetura industrial em oposição à artesanal feita na época. “Os edifícios eram feitos por mestres de obras que aprendiam nas escolas de belas-artes os critérios de bom gosto de acordo com princípios que vinham desde a Grécia”, diz.

“A arquitetura moderna rompe com isso. Ela é cada vez mais pensada como rápida, ágil, barata, multiplicável.”

Apenas na década de 1950 surgiram os primeiros projetos modernistas com adaptações nacionais. O Parque do Ibirapuera e o Copan são marcos desse período. “Os projetos do Niemeyer em São Paulo têm muito dessa linguagem da arquitetura modernista feita no Rio de Janeiro, da herança barroca, uma relação mais plástica, mais escultórica, presente no desenho da marquise, nas formas internas do prédio da Bienal, na Oca e no Copan”, diz Wisnik.

“Já as características da arquitetura moderna paulista aparecem só nos anos de 1960, com o brutalismo e suas grandes estruturas de concreto armado e aparente, com grandes vãos.” O edifício da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), de Vilanova Artigas, o Museu de Arte de São Paulo (Masp), de Lina Bo Bardi, e o Ginásio do Clube Atlético Paulistano, de Paulo Mendes da Rocha, são os principais exemplos dessa estética.

Esculturas públicas

A história de um dos símbolos da cidade, o Monumento às Bandeiras, localizado em frente ao Parque do Ibirapuera, também teve início no ano da Semana de Arte Moderna. Em comemoração ao centenário da Independência, foi feito um concurso para a criação de uma escultura.

Victor Brecheret concorreu com um projeto modernista arrojado, mas quem ganhou foi um monumento com características neoclássicas, que veio a ser conhecido como Monumento ao Ipiranga, do italiano Ettore Ximenes. Nos anos de 1950, o projeto de Brecheret foi reformulado e construído.

De acordo com o historiador e crítico de arte, João Spinelli, o Monumento às Bandeiras tem traços modernos marcantes, como o conceito de deformação, presente na proporção desigual dos homens e dos cavalos, e a simplificação das formas. “A obra rompe com a verticalidade tradicional da escultura para permitir uma aproximação maior do público. Isso a torna revolucionária”, diz.

Assim como outros grandes escultores, Brecheret fazia peças para cemitérios; o da Consolação tem três esculturas do artista. Sepultamento, Anjo e Cruz decoram os túmulos da família Guedes Penteado, Botti e Julio Mesquita, respectivamente. “O Brecheret é uma figura central para a escultura moderna brasileira, ele participou da Semana e tem obras fundamentais em São Paulo”, afirma Spinelli.

Outros pontos da capital paulista que abrigam suas esculturas são o Parque Siqueira Campos, onde se encontra Fauno; o Largo do Arouche, onde está Depois do Banho; a Galeria Prestes Maia, que abriga Graça I e Graça II; e a Praça Princesa Isabel, onde está instalada a obra Duque de Caxias.

Outra referência da escultura modernista, Homenagem a Garcia Lorca, de 1968, do artista plástico e arquiteto Flávio de Carvalho, pode ser vista na Praça das Guianas. Por seu caráter político, a peça que reverencia o poeta e dramaturgo morto por forças franquistas foi depredada durante a ditadura militar. “Extremamente arrojada, essa obra está além da escultura, é um tridimensional, característica que aparece com intensidade nos anos de 1940, depois dos grandes movimentos, como o neodadaísmo”, afirma Spinelli.


Movimento revisitado

Programação especial comemora os 90 anos da Semana de Arte Moderna

Até o final de março, o Sesc Vila Mariana promove o Ecos da Semana de 1922, 90 Anos Depois, que revisita o espírito da Semana por meio de shows, atividades literárias, artísticas, oficinas digitais, cursos e passeios de um dia. O roteiro turístico Na Rota do Modernismo explora locais e obras significativas do movimento na cidade de São Paulo.

Ministrado pelo professor de semiótica Ricardo Nogueira de Castro Monteiro, o curso Modernismo: A Literatura e Sua Relação com Outras Linguagens é outro destaque da programação. Segundo Monteiro, o conceito de homem cordial, definido por Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil, e a visão do Brasil como um lugar em que a mistura de raças se dá de forma harmônica, possível leitura de Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, foram usados pelo governo getulista como forma de forjar uma identidade nacional. “Há uma ação coordenada por parte do governo getulista de criação de um Brasil plural e supostamente homogêneo, em que o samba é uma peça fundamental”, afirma.

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