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Poema claro

Poema claro

Metido num sleeping bag
sobre a grade do respiro do metrô
manhã de sol, motores, passos
o alarme do carro dispara

antenas no topo dos prédios
o semáforo fecha, abre
copos furados de plástico
o cheiro da canela, suave,

destroçada pela chuva de verão
deitado, em si,
sem qualquer assédio
um edifício verde de vidros opacos
se ergue
inerte, sem elo,
uma flor tardia do cedro cai na grade
sol alto, puro ego.

Sem título

Enforcaram um gravatá

Injetaram inseticida numa sanã-cinza

Trucidaram onças-pintadas

Principalmente suas fábulas

Queimaram verbascos

Pelo temor da proliferação de suas palavras

Extirparam as cordas vocais de um tatac

Sugaram todos os sangues-de-dragão

Verniz para as mesas de business

Mataram ingás por vingança

Explodiram uma borboleta em pleno voo

Vararam de balas

Fuzis disfarçados de átropas

Um pseudoescorpião, um rabo-de-palha

E um chupa-dente-de-máscara

Roubaram o copirraite

De uma formiga

Patentearam seu spixii

Para games do second life

Metralhe agora

O conteúdo off-line
 


Este poema

Este poema
não chama a atenção
é igual a milhares –
sequer por um momento
 
ilustra, apático, o passado
caça moscas
paga juros
não tem saco aéreo

víboras, ratos,
ladrões desprezam seu túmulo
uivam lobos de pelúcia
não tem futuro

é abelha cega com sua parelha de óculos
sua língua não é uma esponja
suas antenas farejam Drummond
não enxerga no escuro

não cria inimigos
não morre depois do ataque
não tem farpas
tolera o mundo

Sem título (2)

O urso polar não é personagem de cartum

para fugir do frio de Nova York, o maçarico migra para as represas Guarapiranga e Billings

o falcão peregrino se abriga no topo dos edifícios

pilharam a múmia da juviara

a juraviara passa a viver no Burle Marx
 
a águia pescadora vai para as represas
 
o verde
batuiruçu despenca de Toronto, de Detroit, para o Tietê até março

gaivotas degustam lixo na Avenida Paulista

Advanced Installations Inc.

Músculos à vista
touro de bronze
os irmãos negros passam
turistas
 
tiram fotos, os chifres
o mais velho segura a mão
do mais novo, autista
um cartão-postal do World Trade Center
na gôndola de uma livraria
guindaste, o órgão
Trinity Church
o adorno bifronte

cânticos, flashes
faça cheques para “Disaster releif”
jardins compactos, lírios-verdes
natureza portátil
 
o memorial
de uma das batalhas do Atlântico
gramado opaco
deitado no banco

rosto encoberto pelo gorro
zíper fechado
cabeça numa pilha
de jornais – contraído

o vento gelado do rio
folhas de plátano batem na cara
a estátua, a ilha
o motor do barco

vozes, avião, passos
Ostrak, Ostra, Ostrak, Ostra
as letras se movem no casaco
enquanto respira


Régis Bonvicino é autor, entre outros, de Até Agora (Imprensa Oficial, 2010).