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O tão amado imaginário popular

Talvez o sobrenome seja o que mais bem defina as ambições artísticas de Jorge Amado. Buscando criar uma literatura original e que atendesse aos anseios do povo, o baiano tornou-se o mais querido escritor brasileiro.

Nascido em Itabuna, no ano de 1912, e filho do fazendeiro de cacau João Amado e de Eulália Leal, foi superado em número de vendas e traduções apenas por Paulo Coelho, mas ainda é o artista símbolo do imaginário popular e defensor das massas como fontes criadoras. Autor de livros realistas, embora de forte conteúdo poético e apelo fantástico, conseguiu tocar nos problemas sociais, trazendo sempre a força de superação do homem comum.

Romances como Capitães da Areia; Jubiabá; Gabriela, Cravo e Canela; Mar Morto, entre outros, inserem-se na tradição literária de criação de uma identidade nacional – por mais miscigenada que fosse, segundo a abordagem de Gilberto Freyre, uma das referências de Jorge.

Para o doutor em letras pela Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro Jorge Amado: Romance em Tempo de Utopia (2ª ed., Record, 1996), Eduardo de Assis Duarte, “a maior aspiração dele era escrever para o povo e formar um público para a literatura brasileira. Buscava o romance como um veículo das utopias de seu tempo, a maior delas, a da igualdade”.

A cineasta Cecília Amado, neta de Jorge Amado, ressalta a posição de destaque dos personagens na estrutura das obras do avô. “Acho que meu avô era um cara que adorava as pessoas e isso era o grande forte dele, a paixão pelos seus personagens”, explica Cecília. “Por isso, são personagens tão incríveis, todos são tratados como heróis.” A diretora se prepara para o lançamento, no segundo semestre, de seu primeiro longa-metragem, Capitães da Areia, inspirado na obra homônima.

Entre a literatura e a política

Jorge Amado casa-se, pela primeira vez, em 1933, com Matilde Garcia, com quem tem uma filha, Lila. Perseguido por suas obras, carregadas de denúncias sociais, é obrigado ?a se exilar em 1941. Retorna ao Brasil em 1944, quando se divorcia. No ano seguinte, é eleito deputado federal pelo Partido Comunista Brasileiro e se casa com a escritora Zélia Gattai, com quem tem três filhos e permanece pelo resto da vida. Em 1961, é eleito para a cadeira número 23 da Academia Brasileira de Letras (ABL), que foi primeiramente ocupada por Machado de Assis e tem José de Alencar como patrono.

Simpatizante do candomblé, Jorge Amado foi, junto ao Congresso Nacional, autor da lei que assegura a liberdade de culto religioso. Essa força mítica do povo está sempre presente em seus textos, refletida na criação de um universo que conversava com o seu tempo e trazia personagens retirados de suas vivências. O escritor captou a essência do homem simples, recriando tipos humanos, que ficaram para sempre na memória popular (veja boxe com personagens do autor).

Trouxe ainda para o ambiente literário aquelas figuras nascidas das dificuldades da própria vida: o malandro, o preguiçoso, o mulherengo, o jogador, as mulatas dos terreiros, as prostitutas, as lavadeiras. Em seu romance Os Pastores da Noite (1964), escreve: “Com o povo aprendi tudo quanto sei, dele me alimentei e, se meus são os defeitos da obra realizada, do povo são as qualidades porventura nela existentes”.

De acordo com o cineasta Bruno Barreto – diretor da adaptação de Gabriela, Cravo e Canela e de Dona Flor e Seus Dois Maridos, que permaneceu por mais de ?30 anos como maior bilheteria brasileira, sendo superada apenas recentemente por Tropa de Elite 2 –, não existe nenhum outro escritor brasileiro que tenha captado o inconsciente coletivo tão bem. “É um paradoxo, mas ele conseguiu transformar o regional em universal”, diz.

Mil adaptações

Jorge Amado é um dos autores brasileiros mais adaptados para outras artes e mídias. Transportados para o teatro, cinema, ?televisão, música, artes plásticas, dança, enredos de carnaval, quadrinhos e até mesmo musicais na Broadway, os romances do escritor baiano ganharam o mundo em diversos formatos. Além disso, a obra amadiana é, sem dúvida, a que mais teve versões audiovisuais.

Tanto na televisão, com as incontáveis minisséries e novelas de enorme sucesso (Tieta, Gabriela, Porto dos Milagres, Pastores da Noite, Dona Flor e Seus Dois Maridos, Tereza Batista, entre outras), quanto no cinema, com uma ininterrupta produção de filmes (Tenda dos Milagres; Jubiabá; Gabriela, Cravo e Canela; Tieta do Agreste, entre outros), Jorge Amado povoou também o imaginário coletivo brasileiro.

Após a recente estreia de Quincas Berro D’Água, dirigido pelo cineasta baiano Sérgio Machado, devem ser lançadas, em breve, duas adaptações de livros de Jorge Amado. Além de Capitães da Areia, de Cecília Amado, Os Velhos Marinheiros, baseado em livro homônimo do escritor, de 1961, e dirigido por Marcos Jorge (Estômago), está em fase de finalização.

O sucesso do escritor vem de mãos dadas com as críticas severas. Considerado, principalmente, como populista e de poucos recursos literários, o baiano foi muito criticado durante a vida. Os maiores reconhecimentos viriam após a morte, em 2001. Segundo Eduardo de Assis Duarte, não há dúvidas de que Jorge Amado sofreu uma espécie de preconceito estético, pois “foi discriminado por alguns modernistas e por gerações de críticos centrados nos valores do Modernismo”.

Já Bruno Barreto crê que esse tipo de perseguição é um problema do país. “É como o Tom Jobim dizia, sucesso no Brasil é ofensa pessoal, é pior que xingar a mãe do outro. Quando o artista morre, vira santo, porque é um país católico e as pessoas se sentem culpadas”, garante. Para o cineasta Sérgio Machado, esse tipo de preconceito já foi superado há algum tempo. “É um escritor que tem obras realmente fundamentais. Acho que já ficou pra trás essa bobagem de que, se você é popular, não pode ser bom, como se uma coisa excluísse a outra”, completa.

Por outro lado, tido por Pablo Neruda como o maior romântico do século 20, Jorge Amado foi muito querido por diversos artistas e intelectuais, que reconheciam a sua grandeza. “Ele era um ser humano polêmico, contraditório, mas acima de tudo sincero”, afirma Duarte, que o conheceu pessoalmente durante os seus estudos acadêmicos.
Sérgio Machado narra um episódio, no qual um curta-metragem seu chegou às mãos de Jorge Amado, que gostou do filme e resolveu ajudá-lo, sem ao menos conhecer o cineasta, em início de carreira.

“Acho que essa generosidade se reflete muito nas obras dele. É, antes de mais nada, um escritor que gosta do seu povo”, reitera. Já Bruno Barreto se entusiasma e é enfático ao falar sobre o baiano: “Os dois maiores seres humanos que conheci na minha vida foram Tom Jobim e Jorge Amado. O Jorge era uma pessoa única, acima do bem e do mal, um indivíduo com um intelecto e uma vivência incríveis”.

Logo após a morte de Jorge Amado, em um belo texto publicado originalmente no Jornal O Globo, em 12 de agosto de 2001, o escritor João Ubaldo Ribeiro escreve: “Eu estava na Bahia para sua despedida e vi o povo nas ruas, aplaudindo seu escritor com emoção. Muitos entre eles nem leem, mas todos sabem que perderam algo de muito importante, que felizmente viverá sempre na obra que aí está”.

Para ler e ouvir

Sesc recebe projeto que une literatura e música

No dia 20 de fevereiro, a unidade do Sesc Belenzinho recebeu o espetáculo Jorge Amado, Amor e Mar, que faz parte do projeto Canto Livro, idealizado pelos músicos Jean Garfunkel, Joana Garfunkel e Natan Marques. Na apresentação, textos consagrados do escritor baiano uniram-se a um repertório de canções.

Canto Livro é um projeto de incentivo à leitura, que mescla literatura e música, a partir de autores da língua portuguesa. Ocorrem, em março, mais duas apresentações, inspiradas em outros escritores. Dia 13, às 18h, a homenageada será Clarice Lispector, com Estórias de Mulher; e no dia 27, às 16h, será a vez de O Som dos Meninos Quietos, atividade para o público infantil, inspirada em obra de João Guimarães Rosa. Confira mais informações no Em Cartaz desta edição.

Universo de personagens

Jorge Amado povoou o imaginário brasileiro com seus tipos

Antônio Balduíno (Jubiabá, 1935): Protegido do pai-de-santo Jubiabá, Antônio Balduíno é chefe de um grupo de meninos de rua. Durante a vida, é sambista, lutador de boxe, trabalhador rural, artista de circo, estivador e líder de uma greve no porto.

Guma (Mar Morto, 1936): Órfão de pai e abandonado pela mãe, o pescador Guma é criado por seu tio, com quem aprende as leis do mar. Homem de coragem, ele se acostuma à vida sofrida dos pescadores e torna-se o maior marinheiro do Cais da Bahia.

Pedro Bala (Capitães da Areia, 1937): Rapaz loiro, de 15 anos, é líder do grupo de garotos abandonados, conhecidos como “Capitães da Areia”, em Salvador, na década de 1930. Conhece a cidade baiana muito bem e já vagueia pelas ruas há dez anos.

Gabriela (Gabriela, Cravo e Canela, 1958): Retirante nordestina que chega a Ilhéus, em busca de um emprego como cozinheira ou doméstica. Bela e sensual, com seu perfume de cravo e cor de canela, conquista o sírio Nacib, dono de um bar da cidade.

Quincas Berro d’Água (A Morte e a Morte de Quincas Berro d’Água, 1959): Apelido que ganha Joaquim Soares da Cunha, funcionário público, pai e marido exemplar, após abandonar emprego e família, aos 50 anos, para se entregar a uma vida boêmia.

Dona Flor (Dona Flor e Seus Dois Maridos, 1966): Viúva de Vadinho, por quem era completamente apaixonada, mesmo sendo traída, Dona Flor leva uma vida pacata como professora de culinária. Casa-se com outro, mas não consegue esquecer o antigo marido.

Vadinho (Dona Flor e Seus Dois Maridos, 1966): Típico malandro brasileiro, Vadinho morre, vestido de baiana, em um domingo de folia carnavalesca. Marido de Dona Flor, durante a vida desregrada, foi um esposo infiel, cafajeste, jogador de roleta impulsivo.

Tieta (Tieta do Agreste, 1977): Expulsa de casa pelo pai, aos 17 anos, Tieta retorna a sua cidade natal, Sant’Ana do Agreste, após 26 anos de ausência. Volta rica, poderosa, viúva de um industrial paulista e é recebida com grande alvoroço na cidade.