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Entrevista


O cenógrafo e professor conta um pouco de sua trajetória e analisa a cenografia no Brasil e no mundo

Fotos: Fernanda Zaborowsky
 


O caminho trilhado por Cyro Del Nero antes da cenografia é, no mínimo, curioso – ele mesmo o chama de “meu folclore”. Do Colégio Presbiteriano Mackenzie, que frequentou durante um tempo para realizar o sonho da mãe de ter um filho engenheiro, Del Nero chegou a ingressar em um seminário – “Eu sou de formação presbiteriana, e liturgia, sobretudo a musical, era uma coisa que me entusiasmava”, explica – e, por fim, foi parar na polícia.

Melhor dizendo, na escola de polícia. “Eu pensei: essa polícia vai ser maravilhosa, técnica”, conta. “Terminou o ano, veio o Carnaval (...). Tínhamos que conter a violência, o que não tinha nada a ver com o meu sonho de policial. Então, saí da polícia.” Até que o destino, como sempre, deu a última palavra e o resultado não foi nem um engenheiro nem um padre e muito menos um policial. Mas sim um dos mais importantes cenógrafos e diretores de arte do Brasil, com passagens pela TV Globo e pelo Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) e trabalhos feitos lá fora com nomes como o diretor de ópera alemão Wieland Wagner, enquanto atuou na Europa, no início de sua carreira. A seguir, trechos da entrevista que Cyro Del Nero concedeu à Revista E, na qual falou sobre sua trajetória e sobre a importância da cenografia para o teatro.

Como você foi ser professor na USP?
Esse é meu folclore. É o seguinte: eu nasci no Brás, garoto pobre, mas minha mãe fazia questão que eu fosse estudar no Mackenzie [Colégio Presbiteriano Mackenzie], que era uma tradição de família e o sonho dela era que eu fosse um engenheiro. E eu fui para o Mackenzie, só que eu era um garoto pobre do Brás, e ali havia filhos de famílias riquíssimas. Eu era absolutamente desajustado, apesar da minha capacidade de me ajustar. No segundo ginasial não aguentei mais, e falei para o meu pai – poeta, um grande incentivador da minha liberdade pessoal, uma figura fundamental na minha vida – que não iria mais ao Mackenzie. Ele me perguntou o que ia fazer então.

E eu disse: “Quero ir para o seminário.” Eu sou de formação presbiteriana, e liturgia, sobretudo a musical, era uma coisa que me entusiasmava – eu ouvi Bach nove meses antes de nascer, minha mãe era organista da igreja.
Então, sai do colégio e fui para o seminário. Fiquei um ano em um seminário em Jandira [município da Região Metropolitana de São Paulo], um seminário presbiteriano, curso José Manoel da Conceição. Depois de um ano, o reitor, um americano, me chamou, e me pediu, por favor, para eu não voltar. Aí eu cheguei em São Paulo, abri o jornal e estava sendo fundada a Escola de Polícia. Eu pensei: essa polícia vai ser maravilhosa, técnica. Falei com meu pai e fui fazer a Escola de Polícia, durante um ano. Terminou o ano, veio o Carnaval e colocaram os alunos de plantão nos bailes. Tínhamos que conter a violência, o que não tinha nada a ver com o meu sonho de policial.

Então, saí da polícia.

Fale do seu recém-lançado livro Máquina para os Deuses – Anotações de um Cenógrafo (Senac São Paulo e Edições Sesc SP, 2009).
O tom é coloquial. Eu dividi o livro em duas partes: anotações de um cenógrafo, minha experiência original em cenografia, incluindo a Grécia, depois Alemanha, Paris etc., e uma outra parte de ensaios. Há uma cronologia desde o Egito até o século 20. E, depois, ainda algumas informações. O vocabulário do palco. Termos do teatro grego, termos do teatro romano etc., e alguns cenógrafos maravilhosos. Então, no fundo, não é um livro didático, e sim pessoal. Até minha opinião sobre as grandes figuras da cenografia e do teatro é muito pessoal. Eu dedico o livro aos meus alunos. Os de agora e os futuros. É uma interpretação sobre a história da cenografia.

“Fiquei um ano na Grécia, e depois três anos na Alemanha. E aí surge uma figura que convenceu um perfumista do centro de Paris a fechar a perfumaria e abrir uma galeria de arte para brasileiros. Essa figura se chamava Ruth Escobar”

No livro, você fala do diretor de ópera alemão Wieland Wagner, com quem você trabalhou, e fala também do diretor e encenador tcheco Josef Svoboda. Por que esses personagens?
Porque eles são fundamentais para o século 20. Principalmente o Appia [Adolphe Appia, arquiteto e encenador suíço],?no século 19. Ele reinventou o teatro. Hoje tem muito cenógrafo fazendo cenários trabalhando com as referências dele sem conhecê-lo. Tornou-se uma coisa universal. Ele exigiu a tridimensionalidade do cenário em virtude de o corpo humano ser tridimensional. Então, não era mais um cenário pintado, e sim, construído com volumes. Ele deu significado aos volumes. À escada, por exemplo. Se você tem um ator que está no piso, ele tem uma autoridade, se ele subir dois degraus, tem uma autoridade maior. Se ele estiver a sete degraus, ele é rei.

Tudo isso foi estudado por Appia. Tinha cenários maravilhosos. Ele era uma figura muito complicada, com uma homossexualidade enrustida. Realizou pouquíssima coisa. Fez cenografia para o Scala de Milão e não teve coragem de ver. Extremamente tímido. Mas fez uma verdadeira revolução.

E por que você faz um glossário do Svoboda?
A importância dele, que eu sempre digo, é a seguinte: ele fez tudo o que todo artista devia fazer. Digerir bem toda a história de sua arte. Não houve digestão cenográfica como a dele, e essa digestão do Svoboda fez dele o maior cenógrafo do século 20. Pela pluralidade da cenografia e pela invenção de cenografia que ele fez. Tem um cenário dele que é uma espiral que caía do teto em tecido. O tecido ia para o chão e desaparecia por um buraco, virava luz. Uma coisa absolutamente nova. Ele fez cerca de 20 cenários que eram escadarias. Simplesmente o palco era uma escadaria.

Por que essa predileção por escadaria?
A tridimensionalidade para a luz. Para a luz é maravilhoso. A cada degrau, o personagem muda de valor. Alguém que está em cima e fala com alguém que está lá embaixo. Existe uma diferença no poder da voz e autoridade.

Alguém fez uma escadaria no TBC, para o Júlio César, de Shakespeare. Só que por ter feito apenas degraus e não patamares para descanso do ator, tinha que ter massagista nos intervalos, pois os atores não aguentavam.

Além de ter sido um grande fracasso – o Júlio César era o Raul Cortez, que de Júlio César não tinha absolutamente nada. Tinha que usar uma peruca, pois ele era careca. Foi uma desgraça, durou uma ou duas semanas.

Qual o segredo de uma boa cenografia?
Acho que iluminação, costume, sonoplastia etc. Todos os serviços teatrais deveriam estar numa mesma esfera. Tudo deveria ter o mesmo valor em função do ator. O ator é quem nos representa. Portanto, tudo deve colaborar com ele. E ver um espetáculo que tem o maior cantor do mundo, mas o resto não tem nada a ver, não tem vitória nenhuma. Teve uma menina que me apresentou um projeto na USP, quando eu era encarregado de pegar os projetos dos alunos, e eu disse a ela: “Você não é minha aluna de cenografia, não conheço você”. E ela disse que não era mesmo, que era da FAU [Faculdade de Arquitetura e Urbanismo]. Perguntei por que não haviam procurado alguém da cenografia [para fazer o projeto] e ela ficou muito ofendida. Ela respondeu que quem entendia de espaço era o arquiteto. Eu disse a ela que ela tinha razão. Mas, então, do que entende o cenógrafo? O cenógrafo entende de conflito. Não tem nada a ver com algo determinado, físico. Entender do conflito e dar a ele environment [ambiente]. E, às vezes, esse environment é errado. Mas os serviços teatrais não devem ser exaltados em si, não devem roubar o espetáculo, devem servi-lo.


Você acha que se trata de um erro na interpretação do papel do cenógrafo?
Em geral, é erro da direção geral do espetáculo. Eu fiz muito cenário para a Bibi Ferreira, e gosto muito. Quando ela diz que isso não vai ser necessário ou que aquilo será necessário, eu nem discuto. Ela está certa. Ela sabe. E Bibi, quando dirige, na hora dos aplausos, algumas pessoas cobram a presença dela. Ela não agradece pela direção, o ator é que nos representa. Isso é fundamental. Esses serviços todos estão a serviço do ator, e do público.

O TBC é visto como um dos fundadores do teatro moderno brasileiro. Qual o papel de sua área dentro desse movimento do TBC?
O TBC sofreu paralelos no fim de sua existência, assim como o Oficina, o Teatro de Arena etc. – este último tinha uma postura menos burguesa. Entretanto, o bom texto literário teatral brasileiro foi lançado no TBC. O Pagador de Promessas, do Dias Gomes, A Semente, do Gianfrancesco Guarnieri. Fui convidado para ir como diretor de cenografia do TBC, e quem dirigia era um amigo de juventude, o Flávio Rangel. Gozamos da existência de um dono de teatro que foi o Franco Zampari. Para você ter uma ideia, ele mandava repintar a sala para qualquer estreia. Não importava a distância da anterior, era simbólico para ele. Ele fazia questão de que os costumes estivessem prontos para o ensaio e, no final dos ensaios, ele mandava fazer costumes novos para a estreia, porque ele achava que adaptações deviam ser feitas em todos eles. Era uma figura da Renascença. Gastou toda a fortuna dele e da esposa no teatro e no cinema ?brasileiro. O TBC foi uma experiência extraordinária, sobretudo porque existiam estreias como A Semente, O Pagador de Promessas, A Escada, do Jorge Andrade, que depois se transformou em Ossos do Barão na TV Globo. Aliás, eu que fiz a vinheta de abertura.

A cenografia no TBC como era vista?
A história toda da cenografia no TBC contava com duas colunas no meio do palco. Toda a cenografia tinha que ser adaptada às colunas. Quando eu cheguei, Zampari tinha tomado uma decisão, passaram uma viga e tiraram as duas colunas. Toda minha cenografia foi feita a partir da estreia de um palco sem as duas colunas, e nós encontramos lá uma coisa que não existe mais: um teatro de repertório. Enquanto tínhamos um espetáculo, havia um outro sendo preparado no subsolo do teatro, então havia uma escola. Havia maquinista, cenotécnicos fixos, sempre trabalhando. Hoje é impossível ensinar cenotécnica, porque é necessário que haja um teatro e o ensino durante a produção de espetáculos. Mas as peças hoje dependem de coisas anódinas, como: é necessário que sempre haja um ator da Globo, alguém de nome, em virtude de público. O espetáculo faz sua carreira, ela se encerra e acaba tudo, não tem um repertório que continue. Então, não tem uma escola de teatro. Nossa escola de teatro na USP se refere a aulas teóricas e projeções. Não temos uma oficina para confeccionar cenários, não temos um ensino de cenotécnica.

Quando foi sua primeira cenografia?
Foi em 1948. Tenho 61 anos de cenografia. Tinha um ator grego que estava em São Paulo naquele espetáculo e, numa segunda-feira, ele me disse que ia embora para a Grécia. Eu disse que iria também. Perguntei se ele poderia me dar hospedagem e ele me confirmou. Esse grego morava em Tessalônica. O navio iria partir no sábado. Fiquei louco. ?Eu tinha um amigo pintor, de quem eu frequentava a casa ali na Lins de Vasconcelos, que me recomendou ir falar com o Ciccillo [Ciccillo Matarazzo, industrial e mecenas ítalo-brasileiro], e eu descobri que o Ciccillo tinha uma metalúrgica no Brás. De repente, estava eu na frente do Edifício Matarazzo. O Ciccillo me perguntou o que eu queria. Disse que era pintor e cenógrafo e que gostaria de uma passagem para a Europa, disse que ia para a Grécia. E ele: “Mas quem que te mandou aqui? “Eu disse que foi tinha sido o Volpi. De fato, esse meu amigo pintor era Alfredo Volpi. Aí Ciccillo chamou a secretária. “Qual o navio?”, ele me perguntou. Eu disse qual era e ele virou para a secretária e disse: “Dê uma passagem para esse rapaz ir para a Europa”. No sábado, eu embarquei. 

Entrei nesse navio sem nenhum tostão no bolso. Tinha comprado um terno marrom, pago a primeira prestação e ido embora para a Europa. Entramos no navio e, 11 dias depois, descemos em Portugal. Eu quis ir imediatamente na Livraria Bertrand [tradicional e famosa livraria portuguesa]. Entro na livraria e encontro José Lins do Rego [escritor brasileiro, autor de, entre outros clássicos, Riacho Doce e Fogo Morto]. Eu tinha feito desenhos para a obra dele. Ele também estava indo para a Grécia, mas de avião, porque a filha dele trabalhava na Embaixada em Atenas. Depois de Portugal, passamos pela Espanha e norte da França. Entramos na Itália, paramos em Triesteonde e eu comi um espaguete do qual nunca me esqueço. Descemos a Iugoslávia, fomos até a Albânia e entramos na Macedônia.

O que eu sabia da Grécia só podia agradecer a Monteiro Lobato. No porto de Tessalônica eu perguntei para esse ator grego que ilha era aquela? Ele me respondeu: “Aquele é o Monte Olimpo.” O Monte Olimpo para mim era uma coisa mitológica. Foram muitas as surpresas e as vivências de uma realidade minha com o mito grego, e a conjunção dos dois. Na Grécia mito e história são uma coisa só. Para gregos o mito tem uma realidade tão grande. E no teatro grego encontrei uma moça, que conheci no navio, e nos casamos debaixo da Acrópole. E ela era alemã. Daí, fui para a Alemanha e trabalhei no Teatro Stuttgart.

E quando começa sua temporada na Europa?
Fiquei um ano na Grécia, e depois três anos na Alemanha. E aí surge uma figura que convenceu um perfumista do centro de Paris a fechar a perfumaria e abrir uma galeria de arte para brasileiros. Essa figura se chamava Ruth Escobar. A Ruth se casou com um amigo meu, o Carlos Henrique Escobar. Ele pediu para ir em casa, em Stuttgart e aparece uma louca com casaco de pele – era a Ruth.

Agora eu queria que você falasse da televisão.
Eu volto para o Brasil. Eu e o Manoel Carlos, amigo meu quase de infância, que estava preparando uma série chamada O Segredo Está nos Pés, porque o patrocinador era uma marca de sapatos. Ele me pede que eu faça a apresentação. Fiz um álbum e ele levou para o diretor da TV, que ainda ia começar a funcionar. E esse diretor era o Álvaro de Moya. O Álvaro viu o trabalho e perguntou: “Esse cara é o diretor de arte?” E o Maneco disse: “Ele é cenógrafo, então, também é diretor de cenografia”. Daí o Álvaro me contratou na hora. Depois eu estive na TV Tupi do Rio, e uma vez o Boni convidou a mim e ao Maneco, que já estava na Globo, para ir beber vinho na casa dele. E ele me chamou para trabalhar na Globo. Ele me deu a direção de arte, eu fazia todas as aberturas. Fiz novelas, shows.

E a questão da identidade da Globo, que depois ficou conhecida como a Vênus Platinada? Onde você foi buscar essa referência?
Eu fiz logotipias, signos. E nos avisaram que a cor ia chegar. E ficamos assustados. Achamos que seria difícil. Mas quando chegou a câmera, parecia que alguém tinha inventado a facilidade, não a cor. Era mais fácil. Os cinza, os azuis não precisavam ser simbólicos, eram os próprios. A primeira abertura que fiz foi para [a novela] O Semideus, da Janete Clair. Mas não havia movimento, e eu queria uns bonecos em movimento, só que não tinha, não existia isso. Pedi uma vitrola, coloquei um disco para girar, pus as figuras em cima e filmei com duas câmeras.

Uma vez fui à carpintaria e pedi que fizessem um cilindro para enfiar a câmera. Esse cilindro devia rodar sobre quatro rolemãs com o caboman girando o cabo. Levamos para a praia, e a Regina Duarte devia correr na praia, e eu fiz a Regina correr ao redor do vídeo. Ninguém imaginava como tinha sido feito. Daí me tornei diretor de arte do Fantástico, onde me apelidaram de Cyro Cromaqui [referência à técnica na qual se filma o ator ou a figura em frente a um fundo azul ou verde e em seguida se inserem cenários virtuais]. Daí me aparece uma dupla para eu fazer um número musical no Fantástico, e o cantor devia andar a cavalo na Avenida Rio Branco. Fiz um storyboard, que é histórico, e achei que o tema musical serviria muito bem para uma ilustração em cromaqui com grandes obras de artes, sobretudo surrealistas. O cantor era o Raul Seixas, a música era dele e do Paulo Coelho: Gita.

Foi o primeiro clipe da TV brasileira. Isso foi para o Fantástico?
Sim, foi ao ar. E, no corredor, encontro [o jornalista e escritor] Otto Lara Resende comovido. O próprio Boni me disse: “Cyro, está todo mundo pensando que eu comprei em Nova York”. Foi um milagre fazer aquilo. Mas teve a colaboração do Raul. Isso foi em 1974.

Gostaria que você falasse agora sobre ensino, sobre o seu lado de professor.
Há uns vinte anos, recebi um telefonema do pessoal da USP me convidando para ser professor. Professor convidado era o título. Achei que estavam loucos, porque minha formação era o segundo ginasial. Pediram para que eu mandasse um memorial, um currículo, publicações em jornais. Mandei três volumes imensos, nem achei que fosse possível coletar. Recebi um retorno do diretor da ECA [Escola de Comunicações e Artes], fui para lá e me ensinaram a ser professor. Descobri que sou um “Drácula da juventude”. Eu adoro jovens. Entro na sala de aula e saio do mundo, e acho que o amor é recíproco, o que é extremamente necessário entre quem aprende e quem ensina. O conhecimento vem da curiosidade e do entusiasmo. Esse é o cerne do autodidata. Eu acho que por esse autodidatismo tive curiosidade por diversas áreas. Uma vez me perguntaram, quando eu falava sobre um cantor, o que eu iria fazer com esse meu enciclopedismo. Uma ou duas semanas depois, eu estava com Julio Medaglia, na Radio Cultura, e sugeri que diariamente eu contasse alguma sobre um gesto, uma pessoa etc. Toparam e eu faço isso agora há quatro anos e não me repeti um dia. Todo dia uma notícia diferente. O autodidatismo me levou a isso, e o programa me levou a uma coisa maravilhosa: descobri que o ser humano transita entre o sublime e o sórdido.

Por que você diz isso?
Porque uma vez fui falar sobre uma data, que era o dia em que, em épocas diferentes, tinham sido queimados os corpos de Hitler e de Eva Brown, e Newton tinha entrado na Academia de Ciências de Londres. Então o homem está sobre esses dois pesos, o sublime e o sórdido.

O que os seus trabalhos para o teatro trouxeram para a cenografia?
Eu cheguei da Europa em 1959 e fui morar no Brás. Fui procurado por Audálio Dantas, [jornalista] para que eu o acompanhasse à favela da Vila Guilherme, onde tinha uma mulher que tinha escrito um diário, que eu achei extraordinário, queria transformar em livro. E nós fomos conhecer essa mulher, Maria Carolina de Jesus. Fiz a capa, ilustrei, o livro foi vendido para o mundo todo com a minha capa e eu não ganhei um tostão disso. E aí o Amir Haddad pediu para alguém transformar o texto em teatro. E nós fizemos Quarto de Despejo, no teatro que é hoje o Sérgio Cardoso.

Como você vê a cenografia brasileira?
Alguém disse que no meu livro sentiu falta que eu falasse sobre isso. Eu fiz de propósito, porque existe uma dependência cultural da Europa na cenografia brasileira que é uma coisa assombrosa, e eu não poderia falar disso.

Você acha que a nossa cenografia depende muito da cenografia europeia?
Na cenografia somos uma colônia cultural.

E essa “colônia cultural” na cenografia se daria por qual motivo?
Falta de formação. Não posso mais falar sobre cenografia brasileira. Sou convidado para fazer conferência em diversos estados. Imagine se eu estou lá e sobe um cenógrafo conhecido e fala: “Acho que o cenógrafo tem que ser um arquiteto”. O que iria desfazer a história toda da cenografia. E o cenógrafo é chamado de nada.

 


“Todos os serviços teatrais deveriam estar numa mesma esfera. Tudo deveria ter o mesmo valor em função do ator. O ator é quem nos representa. Portanto, tudo deve colaborar com ele”