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Ano Incrível
Para os brasileiros que amam futebol, o ano de 1958 é antes de tudo aquele no qual a seleção canarinho conquistou sua primeira Copa do Mundo, batendo a Suécia, na casa do adversário, por 5 a 2 (veja boxe Meninos de ouro). Se a paixão for MPB, o ano também é marcante. Foi quando nasceu a bossa nova, registrada pela primeira vez nas batidas do violão de João Gilberto. A esses marcos na história do esporte e da música aliam-se outros acontecimentos, no campo político, econômico, social e cultural, dignos de sublinhar 1958 na história do país.

Grande parte dessas mudanças está diretamente ligada à entrada do Brasil no processo de modernização pelo qual passava o capitalismo na época. E isso põe o presidente Juscelino Kubitschek, que governou de 1956 a 1961, no centro dos acontecimentos. “No governo de Juscelino, houve os 50 anos em 5”, explica o professor de ciência política Francisco Fonseca, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo, referindo-se ao slogan do governo JK, que traduzia o intuito do mandato de levar o Brasil a se desenvolver a passos mais que largos. “A construção de Brasília, a vinda das empresas automobilísticas, a entrada maciça do capital estrangeiro, as malhas rodoviárias começam a se expandir.” Segundo o professor, se o governo de Getúlio Vargas – seu segundo mandato, de 1951 a 1954 – tinha investido em infra-estrutura, o de JK apostou nos bens de consumo duráveis. “O impacto que isso teve no perfil da sociedade brasileira é que vai ampliar seu caráter urbano industrial.” Por isso, tome-se um brasileiro empolgado com o crescimento do país e comprando como nunca. “É um momento em que há no Brasil um crescimento grande do consumo do rádio, da televisão e da geladeira”, esclarece o professor de sociologia José Antônio Segatto, da Universidade Estadual Paulista (Unesp). “Isso sem contar eletrodomésticos como batedeira, fogão a gás, enceradeira, coisas que antes praticamente não existiam.” Segatto afirma que a época era de “euforia”, e que se dizia que o país estava “condenado ao progresso”. “Entre os anos 1930 e 1970, o Brasil deixa de ser um país agrícola e rural e passa a ser urbano e industrial.”

50 anos em 5
Em 1958, foi criada a estatal Rodobrás, responsável pela construção da rodovia Belém–Brasília, um dos principais símbolos da política “50 anos em 5”. Como conseqüência, novos empregos surgiram, a renda média do trabalhador aumentou e o desenvolvimento de novos setores foi estimulado. “A entrada maciça no país das grandes montadoras de veículos também incitou a expansão das empresas de autopeças, metalúrgicas, siderúrgicas, de produtos químicos e outras”, complementa Segatto. Naquele ano outros três acontecimentos ajudaram a consolidar o setor automobilístico nacional: a fabricação do DKW-Vemag – primeiro carro com 50% de peças fabricadas no Brasil –, o anúncio do início da produção do Fusca e a inauguração de uma fábrica da Ford em São Bernardo do Campo, no ABC paulista.
A construção de Brasília, um dos acontecimentos mais importantes da época, e da história do país, também encontrou em 1958 um importante momento. Embora as obras tivessem sido iniciadas logo no início do mandato de JK, foi no dia 10 de julho de 1958 que se iniciou a construção do Palácio do Planalto, local de trabalho do presidente da República.
Modernidade
No campo das comunicações, a estrela era o rádio de pilha. Afinal, foi “num deles, o Transistone, da Philco, que o presidente JK ouviu, no Catete, o jogo final do Brasil na Copa”, como escreve o jornalista Joaquim Ferreira dos Santos no livro Feliz 1958: O Ano Que Não Devia Terminar (Editora Record, 1998). O autor conta que “o grande exibicionismo” na época era levar os modelos portáteis para a praia. Isso era ser moderno em 1958. “Juntava gente, admirada com os rumos da tecnologia”, escreve o jornalista. Embora a TV já estivesse havia sete anos no país, eram as ondas do rádio que levavam grande parte da comunicação no Brasil. Os “fenômenos de audiência” eram ouvidos, não vistos. Em 1958, poucos deixavam de acompanhar o Programa César de Alencar ou a radionovela A Vida de Cristo, ambos transmitidos pela carioca Rádio Nacional, criada em 1936. Mas vale lembrar também que foi em 1958 que a Tupi, célebre emissora de televisão, usou o videoteipe e o ponto eletrônico pela primeira vez. Quem pôde viu...

Sobre suas lambretas
A produção artística também passou por uma especial agitação em 1958. “Havia coisas em literatura, música popular, teatro, poesia, cinema, imprensa, arquitetura”, informa o jornalista Ruy Castro, autor do livro Chega de Saudade (Companhia das Letras, 1990). “O marco inicial da bossa nova foi o 78 RPM de João Gilberto lançado em agosto daquele ano com [as canções] Chega de Saudade e Bim-Bom.” Enquanto o violão do músico baiano anunciava um estilo musical que o Brasil “exportaria” para o mundo todo, jovens dos subúrbios dos grandes centros urbanos importavam outro, tão famoso quanto, dos EUA: o rock. Nas ruas, meninos montados em suas lambretas engomavam o cabelo e curtiam Elvis Presley e Chuck Berry. O primeiro grande sucesso do rock em português foi Diana, versão da canção interpretada por Paul Anka, cantada por Carlos Gonzaga e lançada... adivinhe em que ano?
Nas telas de cinema as chanchadas da Atlântida eram sinônimo de produção nacional na sétima arte. Mas novos gêneros começavam a surgir. Entre eles, o Cinema Novo, do qual fazia parte o cineasta Roberto Santos, vencedor do Prêmio Saci de melhor filme, em 1958, por O Grande Momento. O teatro, por sua vez, assistia ao nascimento de novos grupos voltados ao resgate dos valores e da estética brasileira, a exemplo do que propunha o próprio Cinema Novo. Naquele ano, surgia o Teatro Oficina, de José Celso Martinez Corrêa, e o Teatro de Arena estreava, em 22 de fevereiro, em São Paulo, um dos marcos dos palcos brasileiros: Eles Não Usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri. Na literatura, Jorge Amado lançava o clássico Gabriela Cravo e Canela e Raymundo Faoro escrevia Os Donos do Poder, considerada uma obra decisiva para a formação de um pensamento nacional.

Sesc Santos resgata histórias dos jogos que levaram o Brasil à conquista da primeira Copa do Mundo, em 1958
Foram necessárias seis edições da Copa do Mundo, criada em 1930, até que o Brasil pudesse finalmente gritar “é campeão!”. O grande dia foi 29 de junho de 1958, quando Bellini, capitão do time, ergueu a taça Jules Rimet no estádio Rasunda, em Estocolmo, na Suécia. “O escrete [seleção] deu-nos a maior alegria de nossas vidas. Tornou qualquer vira-lata um campeão do mundo”, escreveu, um ano depois, o dramaturgo Nelson Rodrigues, um aficionado de futebol, na revista Manchete Esportiva. Para vencer o torneio e enterrar definitivamente o trauma coletivo causado pela derrota para o Uruguai na final da Copa do Mundo de 1950, no estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, a Confederação Brasileira de Desportos – responsável, na época, pela organização de todo esporte no país – montou um esquema de treinamentos inédito até então. Os jogadores utilizaram equipamentos de musculação e foram submetidos a uma bateria de exames médicos. “Foi a primeira equipe do mundo a se preparar para a Copa com o sentido moderno que ela tem hoje: uma simulação de guerra mundial”, relata o jornalista Joaquim Ferreira dos Santos no livro Feliz 1958: O Ano Que Não Devia Terminar (Editora Record, 1998). Contratou-se até um psicólogo, João Carvalhaes, que perdeu espaço no conselho diretivo após reprovar Pelé, Didi e Garrincha em exames psicotécnicos. A comissão técnica também teve papel importante na conquista. O técnico Vicente Feola usou uma tática de jogo inédita na época, o chamado esquema 4-3-3, que recuava o ponta-esquerda Zagalo para o meio-campo. “Ele era do tipo paizão e soube ouvir os jogadores mais experientes”, conta o jornalista esportivo Juca Kfouri. Já o chefe da delegação brasileira, o empresário Paulo Machado de Carvalho, é saudado até hoje como o “Marechal da Vitória”. “[Carvalho] deu o sentido de organização que faltava”, continua Kfouri. “Ele sabia lidar com os jogadores como poucos dirigentes antes ou depois dele.”
Nada disso, porém, seria suficiente se não houvesse doses abundantes de talento no grupo escalado para a disputa. O elenco tinha alguns dos maiores jogadores da história do futebol mundial, como Garrincha, Didi, Nilton Santos e Pelé – então com 17 anos. Com um time tão bem preparado, o resultado não poderia ser outro. Os placares marcaram 3 a 0 contra a Áustria, 2 a 0 na disputa com a Inglaterra, 1 a 0 no jogo com a União Soviética e 5 a 2 contra a França, finalizando com o título.
Para lembrar o feito e comemorar seus 50 anos, o Sesc Santos realiza, de 16 de maio a 15 de junho, o evento Suécia 58 – Assim Começou o Penta. A programação reúne diversas atividades que têm como tema não apenas o título conquistado na Suécia, mas o futebol e a paixão que ele desperta no brasileiro. “A partir da idéia de celebrar esta data, seguiram-se outras iniciativas, como a de resgatar a memória daquele período e contar algumas daquelas fantásticas histórias ocorridas durante a competição”, afirma Mauro Raposo Júnior, membro da equipe técnica da unidade que elaborou o evento. O carro-chefe de Suécia 58... é a exposição Esquadrão de Ouro, em cartaz durante todo o período do evento. Na mostra, o visitante poderá ver preciosidades: duas camisas oficiais da Copa de 1958 – uma delas usada pelo jogador De Sordi e um agasalho de treino do time canarinho usado pelo goleiro Gilmar dos Santos Neves. “Haverá também, entre outras atrações, painéis que contam a história de cada partida e, no espaço multimídia, a gravação original da narração pelo rádio de todos os gols feitos pelo time brasileiro”, diz Raposo.
Na abertura do evento, em 16 de maio, o Sesc Santos homenageou os campeões Gilmar, Dino Sani, Pepe, Zito e Pelé com uma placa especial em alusão à vitória de 1958. Além disso, apresentou-se a cantora Elza Soares. No dia 29 de maio foi a vez do cantor Carlinhos Vergueiro, com o show Samba e Futebol. Para os amantes do teatro, a unidade reservou a apresentação, em 1º de junho, da peça O Passe e o Gol, interpretada pela Companhia de Teatro O Grande Urso Navegante, com texto baseado no livro homônimo do jornalista Juca Kfouri. Para os fãs das mesas-redondas de futebol, três bate-papos: no dia 29 de maio, com a presença dos jornalistas Marcelo Duarte (do programa Loucos por Futebol, da ESPN Brasil) e Tom Cardoso; em 5 de junho, com Dino Sani e o jornalista Paulo Vinícius Coelho, também da ESPN Brasil e, em 12 de junho, com o jornalista Odir Cunha, o ex-jogador do Santos Manoel Maria e Marcelo Izar Neves, filho de Gilmar dos Santos Neves. Haverá ainda palestras, oficinas, torneios esportivos e muitas outras atrações.
