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EDUCAÇÃO: É BRINCADEIRA!

por Ilona Hertel

 

Tornou-se uma noção generalizada no mundo dos adultos que a brincadeira é a atividade do tempo livre das crianças. Primeiro elas têm de ir às aulas, depois cumprem suas obrigações e só aí estarão liberadas para aquela que se considera sua principal atividade de lazer: a brincadeira.

Reside aí um grande equívoco quando se pensam e formulam políticas educacionais. A brincadeira não é uma atividade a mais na vida das crianças. Ela é, fundamentalmente, a forma pela qual conhecem o mundo. É o mecanismo que possibilita às crianças a criação no mundo. Portanto, todo e qualquer serviço, espaço ou atividade que se organiza para elas deve possibilitar a brincadeira.

A esse respeito, Schiller, poeta e filósofo alemão do século 18, afirma que “o homem joga somente quando é homem no pleno sentido da palavra, e somente é homem pleno quando joga”.

Da afirmação pode-se  entender que é no plano do jogo (da brincadeira) que o homem se realiza plenamente e exatamente porque é nesse campo, do lúdico, do brincar que a ação desinteressada, não vinculada a uma função ou interesse específico acontece. Idéia que se vincula à teoria de Kant que diz que “o prazer estético se baseia no livre jogo das nossas funções mentais, em face do objeto belo e na harmonia lúdica das nossas capacidades de imaginação e entendimento”.

Ao brincar, não é necessária a vinculação com uma funcionalidade. A liberdade de criar e se relacionar com os objetos e situações  de seu próprio repertório possibilita o desenvolvimento de um pensamento autônomo, criativo e reflexivo, aspectos estes essenciais para elaboração de teorias.

Também com base na reflexão de Schiller vemos que a brincadeira não é importante apenas na produção do conhecimento, da racionalidade. Ela é elemento decisivo para o desenvolvimento do campo da sensibilidade. O brincante experimenta, cria, fantasia, toma contato com o belo, com a estética. Assim, racionalidade e sensibilidade vão dando condição às pessoas, inclusive às de pouca idade, de ter uma visão mais complexa da realidade.

Os espaços sociais mais comuns das crianças, em centros urbanos como São Paulo, são pouco acolhedores para brincar ou, mesmo, converteram-se em obstáculos para a brincadeira, como as ruas, por exemplo, que são, em nossos tempos e cada vez mais, domínio dos automóveis e outras forças que acabam por dificultar o uso do espaço público, inviabilizando, assim, a liberdade de expressão na comunidade que, no caso de crianças e adolescentes, passa pela brincadeira. Dessa forma, as brincadeiras populares vão se perdendo, relegadas ao esquecimento.

Restam poucos espaços para a livre expressão e desenvolvimento de adolescentes e crianças, razão pela qual é urgente que a brincadeira seja colocada no centro das preocupações de todos os que se propõem a lidar com o desenvolvimento integral deles.

Colocar a brincadeira no centro significa:

– pensar em arquitetura e espaços físicos acolhedores e facilitadores

– qualificar pessoas para estabelecer vínculos afetivos e criativos com esse público

– considerar que crianças e adolescentes não são apenas pessoas do amanhã, elas têm existência concreta e objetiva, são capazes de refletir e produzir conhecimento e devem ser entendidas em sua integralidade.

O Sesc São Paulo, em suas ações no campo da educação não formal, busca refletir estes valores em programas como o Sesc Curumim, que nos últimos vinte anos tem acolhido crianças, em horários alternativos ao horário escolar, de forma sistemática, com o objetivo de possibilitar os tempos e espaços necessários para o brincar, mediados pela cultura em suas mais diferenciadas linguagens.

Por fim, lembro as palavras de Carlos Drummond de Andrade: “Brincar não é perder tempo, é ganhá-lo. É triste ter meninos sem escola, mas mais triste é vê-los enfileirados em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor para a formação humana.”



Ilona Hertel é pedagoga e assistente técnica ?na Gerência de Programas Socioeducativos (GPSE)