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Alimentação
Comida na Mesa

O direito fundamental à alimentação adequada está regulamentado pelo artigo 25o da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Infelizmente, a fome desrespeita normas teóricas e assola grande parte da população mundial. Conforme dados aferidos pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), somente no Brasil, 32 milhões de pessoas não têm acesso a esse direito. Ou seja, cerca de 20% da população brasileira não se alimenta como deveria. Esse quadro dramático se agrava quando se leva em consideração que grande parte dos alimentos jogados fora deveriam, e poderiam, ser aproveitados, numa boa alternativa no combate à fome. Pense na quantidade de frutas, legumes, cascas, folhas e talos, ainda bons para o consumo, que deixam de ir às mesas mesmo sendo fonte considerável de nutrientes. A realidade da fome está evidentemente ligada aos problemas financeiros do país, mas também tem muito a ver com a falta de informação. E nesse ponto a questão deixa de ser apenas um "problema do Governo" e passa a ser uma responsabilidade de todos.
À sociedade cabe se organizar e procurar alternativas que driblem as dificuldades e proponham soluções definitivas. Ciente de seu papel social, o Sesc São Paulo deu início a uma ação que procura reunir esforços em prol dos que sofrem por não terem seu direito de sobrevivência garantido. O programa Mesa São Paulo, realizado pela unidade do Sesc Carmo, fundamenta-se no estabelecimento de parcerias para atingir seu objetivo: recolher o excedente, que seria desperdiçado, e distribui-lo a entidades que destinam um fim mais digno aos produtos. "Fazemos parcerias com empresas que tenham alimento excedente e que estejam dispostas a doá-lo", explica Luciana Machado Gonçalves, nutricionista e coordenadora do projeto. "E, do outro lado, parcerias com instituições sociais carentes que precisem desses alimentos." No início do projeto, os alimentos doados eram preparados na cozinha da própria unidade, mas com a expansão do programa optou-se pela colheita urbana, na qual o Sesc se encarrega somente de "retirar o alimento onde sobra e levar para onde falta", resume Luciana. Para comprovar o sucesso dessa empreitada, a Câmara Americana de Comércio concedeu ao Sesc São Paulo o prêmio especial Eco 99, pelo conjunto de sua obra, destacando o programa Mesa São Paulo na categoria de Participação Comunitária.
Os parceiros
As empresas que participam da iniciativa são, geralmente, do ramo alimentício e oferecem produtos cuja data de validade esteja próxima do fim e que, por isso, seriam retirados das prateleiras para dar lugar a outros com vida útil mais longa. Luciana, entretanto, alerta: "Isso não significa que esses alimentos estejam inadequados para o consumo. No Ceagesp, por exemplo, um dos nossos parceiros, cada comerciante tem um espaço muito pequeno para vender seu produto, se por algum motivo a mercadoria do dia não for vendida, ele terá de reservar espaço para uma outra que chegará no dia seguinte". Resultado: são toneladas de verduras, legumes e frutas jogadas fora por pura falta de espaço ou por não estarem com uma boa aparência, ainda que perfeitos para o consumo. "Hoje, muitos desses comerciantes ligam para nós e doam esse excedente", conta Luciana.
Todas as mercadorias doadas ao programa Mesa São Paulo passam por uma vistoria no momento da colheita. A supervisão fica a cargo de uma equipe treinada e assessorada por um nutricionista. Estando em perfeitas condições, os alimentos são levados diretamente ao seu destino. As instituições beneficiadas pelo programa são, por sua vez, analisadas por técnicos do Sesc. São creches, asilos, albergues, casas de convivência e orfanatos que procuram o programa e provam sua idoneidade por meio de documentação e visita realizada pelos profissionais. "Isso tudo é feito para garantir que os alimentos sejam levados para quem realmente precisa", explica Luciana. Outro cuidado fundamental é orientar os destinatários dos produtos com informações acerca dos alimentos. "Nós levamos os gêneros in natura (não preparados) até esses lugares", esclarece a nutricionista. "Por isso, ensinamos as pessoas a forma correta de prepará-los, oferecendo treinamentos que informam também sobre higiene e organização de almoxarifado e higiene pessoal dos que manipulam os alimentos."
O grande conceito por trás do programa é dizer não ao desperdício, transmitindo noções essenciais tanto para quem recebe os alimentos quanto para quem os doa. "Certa vez, recebemos o chamado de um supermercado que queria nos doar uma remessa de macarrão. Chegando lá, vimos que era impossível repassar aquilo para qualquer pessoa. Por estar mal armazenado, o produto tinha estragado. Dissemos que não poderíamos levá-lo e ensinamos ao dono do estabelecimento a maneira adequada de armazená-lo, mesmo não se destinando à venda. Na vez seguinte em que voltamos, o lugar estava completamente reformulado." Ou seja, trata-se também de uma batalha para mudar o hábito das pessoas. Não é fácil, mas o programa tem obtido grande sucesso e aceitação. Novos interessados em colaborar procuram espontaneamente a equipe para obter informações sobre o Mesa São Paulo.
Para maiores informações sobre o programa Mesa São Paulo, ou para doar alimentos, o telefone é 0800-177 772 e a ligação é gratuita.
Bons Samaritanos
Infelizmente hoje, no Brasil, não existem leis que incentivam a doação de alimentos. Os comerciantes e empresários, muitas vezes, são obrigados a preencher nota fiscal dos alimentos destinados à doação, pagando impostos. Outros, ainda, correm o risco de serem responsabilizados caso o alimento doado não tenha sido bem armazenado ou tenha sido manipulado pelo receptor e haja algum problema após o consumo. Porém, as perspectivas trazem esperança: o Sesc encaminhou a Brasília, em 1996, propostas para a possível elaboração de cinco projetos de lei que compõem o Estatuto do Bom Samaritano. São propostas que poderiam garantir a isenção de responsabilidade por parte das empresas, caso a doação tenha sido feita de boa-fé, e propõem deduções no imposto referentes a alimentos doados.