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Educação
O Espetáculo do Aprendizado


A capacidade de transmitir conhecimento aparece como uma das maiores contribuições da arte à formação do ser humano

"A literatura é entendida não unicamente como literatura em si. Mas também como modo de entender o mundo [...] É um modo de conhecimento da sociedade. Trata-se de uma forma muito rica de buscar conhecimento [...]."

É assim que o pensador francês Edgar Morin descreve o papel da literatura em sua vida. Mais que uma profissão, mais que um hobby, um passaporte para o entendimento e para a compreensão amplificada do mundo que nos cerca. A literatura, porém, não está sozinha. O homem vem, há milênios, recorrendo ao auxílio de manifestações artísticas, como pintura, escultura, teatro ou música, para expressar pensamentos, descrever e registrar momentos históricos, expor problemas ou, acima de tudo, perpetuar experiências entre as gerações. Afinal, quanto não se aprende do patrimônio cultural por meio do contato com peças musicais de mestres como Mozart ou Beethoven? Ou mesmo pela beleza densa da Mona Lisa, de Da Vinci, à dureza quase rústica das peças de Rodin. Ambas trazem impressas as "digitais históricas" de seus artistas e falam um pouco do modo como viviam e sentiam sua época.

Dentre todas as abordagens que as manifestações artísticas já receberam, encará-las como fonte de conhecimento tem se mostrado a mais reveladora. "As linguagens artísticas dão prazer, mas além disso informam e conscientizam", explica Nurimar Maria Falci, coordenadora de literatura do Sesc São Paulo, uma instituição que mostra por meio de suas iniciativas culturais um forte compromisso com o desenvolvimento do indivíduo num sentido mais abrangente. "Porém, o Sesc não tem um trabalho como o de uma escola ou universidade", esclarece Nurimar. "Ele é uma entidade de promoção cultural/socioesportiva". Dois bons exemplos, dessa que podemos chamar de uma abordagem pedagógica da arte, são os projetos recém-realizados pela instituição através de suas unidades Vila Mariana e Belenzinho. Respectivamente, os projetos Método Kodály, na área de música, e Estação Leitura, como o nome sugere, na área de literatura. No primeiro, a música foi mostrada como grande instrumento para desenvolver o raciocínio e a aptidão de crianças e adultos. O método é húngaro, mas o Brasil já o adaptou para a realidade local com sucesso. No Sesc Belenzinho, a literatura foi desvendada como expressão de uma criatividade que existe dentro de cada um de nós. Na Estação Leitura, partiu-se rumo ao diálogo feliz entre autor e leitor.

Método Kodály

"Bastam o professor, a voz, a lousa e o giz", resume Marli Ávila, vice-presidente da Sociedade Kodály do Brasil (SKB), uma das parceiras do Sesc na realização do evento Método Kodály de Aprendizagem Musical. De 29 de junho a 10 de julho, o Sesc Vila Mariana foi tomado por cursos, oficinas, espetáculos e simpósios sobre o revolucionário método criado pelo maestro húngaro Zoltan Kodály, que mudou o conceito de aprendizado musical em sua época e vigora até hoje. A idéia é ensinar por meio do uso exclusivo da voz, dispensando qualquer tipo de instrumento musical ou qualquer outro aparelho. "Além disso, pode ser ensinado tanto para uma pessoa quanto para um grupo de trinta, por isso é extraordinário para ser usado nas escolas". O objetivo da SKB, com os cursos que vêm realizando desde 1994, já com a ajuda do Sesc, é incluir novamente a música no currículo das escolas normais. Marli explica que através da música a criança desenvolve todas as capacidades necessárias para uma vida escolar mais plena e bem-sucedida. "Ela passa a ouvir com mais atenção e, por isso, desenvolve sua capacidade de concentração", exemplifica. "Por ter muito em comum com a matemática, a música faz com que a criança desenvolva melhor seu raciocínio lógico". Para provar a eficácia do método e de todo o seu alcance, Marli fala sobre a pesquisa que realizou há dois anos utilizando duas classes de alunos do ensino público: "O teste não foi de música", esclarece. "Nós medimos o desempenho de crianças de uma classe que chamamos "piloto" e de outra "controle". A classe-piloto teve aulas de música no decorrer de todo o ano. Ao final do ano letivo, tornamos a fazer o teste de conhecimentos gerais e a classe-piloto apresentou notável desenvolvimento nas demais disciplinas, chegando a superar a classe-controle, que era uma das melhores". O objetivo do evento realizado no Sesc não era trabalhar diretamente com as crianças, mas atrair e formar educadores e professores interessados em ensinar música. "Nós preparamos pessoas para trabalhar com grandes grupos. O professor tem o dever de levar aos seus alunos somente aquilo que ele encontrar de melhor", alerta Marli. Seguindo a filosofia do mestre húngaro - "à criança e ao jovem somente o melhor" -, os membros da Sociedade Kodály do Brasil percorreram todo o cancioneiro popular brasileiro em busca de melodias que servissem à aplicação do método no país. "Nós não temos muitas canções infantis de poucas notas. Por isso, recorremos ao nosso folclore". Dessa maneira, lendas, histórias, personagens da cultura popular e até poemas de autores brasileiros foram transformados em modinhas de duas ou três notas, que se mostraram perfeitas para ensinar às crianças os rudimentos musicais.

A estrutura oferecida pelo Sesc garantiu a abrangência do evento que reafirma a filosofia de arte e educação mantida pela entidade. Participaram dos simpósios mestres do método Kodály do mundo inteiro. O professor húngaro László Ördög, um dos maiores conhecedores do assunto, dividiu a mesa de palestras com o chileno Carlos Miro Cortez, professor-doutor em Educação Artística e titular do Instituto de Educação Musical Zoltan Kodály. Os brasileiros Marco Antônio da Silva Ramos, professor-doutor e coordenador-chefe do programa de pós-graduação da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, e Pedro Paulo Salles, chefe do Departamento de Música da ECA, também compareceram. Os debates contaram também com a presença do presidente da Associação Kodály do Brasil, o professor húngaro Jorge Kaszás, o maior nome do método no Brasil.

Oficinas e Espetáculos

O evento mostrou também espetáculos com nomes da música popular brasileira. A partir de várias leituras de um repertório da cultura musical brasileira, artistas demonstraram sua importância como base para pesquisa do educador musical. Apresentaram-se o grupo Barbatuque; o manipulador de bonecos e "cantador" de histórias, Francisco Marques, o Chico dos Bonecos; o tradicional grupo de choro Izaías e Seus Chorões, e o músico e compositor Renato Teixeira, com seu espetáculo Trinta Anos de Romaria. Os cursos contemplaram os estágios básico e avançado, os temas abordaram a história da educação musical na Hungria segundo Kodály, a adaptação do método no Brasil e sua aplicação com crianças, sempre levando em consideração os conceitos pedagógicos e a metodologia necessários para o diálogo entre professores e alunos. "Algumas oficinas do evento têm muito em comum com o ensino coletivo de música que já desenvolvemos no Centro de Música da unidade", comenta Marcos Laurenti, técnico e responsável pela programação cultural do Sesc Vila Mariana. O técnico salienta que o trabalho da SKB converge com o do Sesc no que concerne à multiplicação de agentes culturais informais. Ou seja, o aumento do número de pessoas interessadas em (re)transmitir cultura.

Estação Leitura

Seguindo a tradição de levar cultura e informação ao mais variado tipo de público, o Sesc Belenzinho inaugurou seu espaço literário com o projeto Estação Leitura. Por meio da realização de oficinas de leitura e criação de textos, palestras e bate-papos com autores, o evento reuniu grandes nomes da literatura e demais profissionais para um mês dedicado ao livro. "Uma via de mão dupla", como explica Francisco Leite, técnico da unidade e um dos organizadores do evento. "Acredito que os próprios artistas se enriqueçam com o contato com o público. E, evidentemente, para o público, essa oportunidade se torna um momento inesquecível e até fundamental".

Desde o dia 6 de julho, os interessados já começaram a encontrar abrigo na oficina literária Escreveu Não Leu..., coordenada pela poeta Roseana Murray. Durante três dias, as letras de Clarice Lispector e Italo Calvino passaram sob olhos de um público heterogêneo. "O bom texto é aquele que deixa o leitor se apropriar dele", define Roseana. "Todo leitor é um co-autor, pois é ele quem desperta o texto quando abre as páginas de um livro." Roseana costuma dizer que não ensina nada, apenas faz com que as pessoas descubram o quanto podem ser "criativas e criadoras". Para isso, a poeta criou alguns mecanismos especiais... "Eu parto sempre da história de cada um. É a sua história pessoal que serve de trampolim para o mergulho na literatura. O texto literário é sempre cheio de lacunas, que o leitor vai preenchendo, identificando-se, sofrendo, lembrando. É isso." Se acompanharmos esse raciocínio, concluiremos que não existe o "jeito certo" de ler. Todos temos memórias e referências para recorrer no momento da interpretação de uma obra.

Além das oficinas, presenças ilustres também prestigiaram o evento. Enquanto o escritor Carlos Heitor Cony lia trechos de seu Romance Sem Palavras e conversava com o público, numa autêntica sala de aula informal, o contista, romancista e cronista Moacyr Scliar orientava a oficina de contos Conto/Não Conto. A poesia moderna e contemporânea também ganhou atenção sob a coordenação de Antonio Carlos Secchin, que desvendou os mistérios de Mário de Andrade, Manuel Bandeira e Ferreira Gullar.

Um artista a serviço da educação

O professor Jorge Kaszás (foto) é docente no Instituto de Artes da Unesp, presidente da Sociedade Kodály do Brasil e autor de diversos livros de arranjos vocais para o uso didático na aplicação do Método Kodály. A seguir, ele relata uma breve biografia Zoltan Kodály, húngaro que percebeu a importância da arte, no caso a música, na formação dos indivíduos e no resgate de sua identidade.

"Zoltan Kodály (1882-1967), nascido em Kecskemet, foi um dos compositores húngaros mais eminentes do século. Teve um grande concorrente, Bela Bartok, que talvez seja o nome mais conhecido internacionalmente, mas não existe diferença entre a qualidade de um para o outro. Os dois nasceram e foram criados em províncias húngaras, ambos de família pequeno-burguesa. Os pais de Kodály eram músicos amadores e era costume que em sua casa se juntassem alguns instrumentistas para fazer música de câmara. O primeiro alimento musical de Kodály foram esses pequenos concertos. Ele dizia que ficava embaixo do piano ouvindo a música. Esse era o ambiente da casa, mas tinha também o ambiente de fora: a rua e seus amiguinhos, crianças camponesas com quem ele brincava na rua, de pés no chão. Kodály entrou muito cedo na escola superior de música, onde estudou e começou a recordar as melodias populares aprendidas com seus colegas na rua. Ele percebeu que elas eram bem diferentes da música erudita que ele estudava na escola. Foi quando decidiu retornar à terra natal para ouvir o que as crianças camponesas estavam cantando, até porque a música popular húngara autêntica era conhecida através de alguns compositores que traduziram peças de características populares, como Brhams, por exemplo, que escreveu as Danças Húngaras. Essas músicas eram muito conhecidas, mas Kodály percebeu que a música que ele aprendeu na infância era realmente diferente daquilo tudo e que a educação musical não era muito eficaz na Hungria. Acreditava que não se aproveitavam as raízes populares. Ele começou a despertar o interesse dos alunos formados por ele para começarem a trabalhar com esse tipo de material nas escolas onde estavam ensinando canto. Essa história amadureceu até atingir seu objetivo final: a implantação de um currículo para educação musical integrada nas escolas. O que nós chamamos de Método Kodály não é um sistema para formar músicos profissionais, mas dá base a todos os interessados em arte".

Arte e educação sem fronteiras

Outras unidades do Sesc, tanto da capital quanto do interior, também atuam na promoção da cultura e da educação informal. As unidades de Catanduva e de Ribeirão Preto realizam anualmente um concurso junto a escolas e delegacias de ensino das respectivas regiões, no qual enviam textos produzidos a partir da leitura de um livro. Previamente, os organizadores se reúnem com os professores e juntos escolhem o tema a ser abordado a cada edição. "O resultado tem sido fantástico", celebra Nurimar Maria Falci. "Realizamos workshops com pessoas especializadas em literatura, que lançam mão de recursos lúdicos, como teatro e dança, para fornecer subsídios aos professores. Em seguida, isso é passado ao aluno". Em Ribeirão Preto, ainda há o Sarau em Prosa: reuniões em que artistas são convidados para conversar com o público. Já na capital, no Sesc Consolação, foi realizado o projeto A Magia da Palavra na Ciranda das Artes, evento para o qual várias editoras foram convidadas a expor seus lançamentos no hall de convivência da unidade. "Havia livros sobre vários temas, mas principalmente assuntos ligados a alguns dos campos de atuação do Sesc: cultura, lazer e esporte", comenta Nurimar.