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Teatro
Palco para Toda Obra

A cidade de São Paulo detém o terceiro orçamento do país. Isso significa dizer que sozinha ela arrecada mais dinheiro que qualquer outro estado brasileiro. Portanto, não é de se estranhar que o paulistano disponha de mais opções culturais do que o resto do país.
Se, por um lado, é extremamente positivo poder desfrutar da efervescência cultural oferecida em um grande centro como São Paulo, por outro, é um fator negativo que a maior parte desses eventos não irradie cultura para as outras localidades próximas. Perde quem não mora na cidade e perdem, também, os próprios paulistanos, que deixam de conhecer os arredores da capital. Afinal, por que ir até Santo André ou São Caetano se ali mesmo na avenida Paulista há tantas opções? A resposta foi dada pelo Sesc com o I Circuito de Teatro do Grande ABC, realizado entre 30 de junho e 1o de agosto, congregando várias cidades da região. "Nossa intenção é começar a trazer as pessoas para esta região. Ao contrário do que vem acontecendo atualmente, quando somente as pessoas daqui vão para a capital em busca de programas culturais. Podemos ser um importante pólo cultural", explica Maria Inês Freire, prefeita de Ribeirão Pires e presidente do Consórcio Intermunicipal do Grande ABC.
O trabalho desenvolvido em conjunto entre as cidades do ABC foi fundamental para que se realizasse um evento desse porte. Na verdade, o I Circuito de Teatro do Grande ABC é o primeiro passo de um projeto social que as prefeituras de Santo André, São Caetano, Ribeirão Pires, Mauá, Diadema e São Bernardo estão engatilhando: "As prefeituras se uniram para resolver os problemas que extrapolam os limites dos municípios. Com a parceria, temos mais força para desenvolver programas sociais. Estamos conseguindo realizar trabalhos que envolvem diversas camadas da sociedade civil", completa a prefeita.
Para a realização da mostra, as prefeituras se uniram ao Sesc e à Secretaria Estadual de Cultura para dar vida ao evento que reuniu mais de dezoito grupos de teatro, com a apresentação de peças e outras atividades paralelas, como aulas de interpretação, técnicas de iluminação, sonoplastia, cenografia e direção.
Cada cidade selecionou, por meio de sua Secretaria de Cultura, três grupos locais e um convidado de fora. Todos se apresentaram em todas as cidades. "Além do público habitual, freqüentador dos teatros da região, houve também a presença de um público jovem que estava de férias e que raramente tem a oportunidade de desfrutar de bons programas teatrais a preços acessíveis. E por se tratar de um circuito, as pessoas puderam assistir na sua própria cidade a produção de outro município", explica Gilson Packer, técnico do Sesc São Caetano. "Este circuito foi uma ótima oportunidade para mostrarmos nosso trabalho para vários tipos de público. Foi uma surpresa muito boa termos sido selecionados", conta Dinivaldo de Almeida, diretor do Grupo Teatral Papelão. A abertura do evento contou com a apresentação-espetáculo Caminhão Trapézio, da Cia. Circo da Madrugada, em plena praça pública.
Além da possibilidade de intercâmbio cultural, o I Circuito... trouxe perspectivas que extrapolaram o mero fomento de atividades artísticas. "Sem dúvida alguma, acredito que esse projeto trará dividendos muito maiores que a simples realização em si. A integração regional ocorre apenas no campo cultural, mas embute a idéia de uma nova realidade para os habitantes com vistas ao desenvolvimento socioeconômico. O bem-estar começa a ser um fator preponderante para a manutenção dessa sociedade", continua o técnico do Sesc.
A melhoria da qualidade de vida regional é preocupação comum de todos os segmentos envolvidos na execução do projeto, mas há outro problema que incomoda as entidades: reverter a imagem do Grande ABC paulista. "Estamos nos esforçando para melhorar nossa imagem que, atualmente, é extremamente negativa. A crise econômica do país e a fuga de indústrias da região têm contribuído para que paire uma atmosfera de decadência. Esse projeto vem para contribuir também para a formação de uma imagem positiva", explica a prefeita de Ribeirão Pires. Maria Inês Freire prossegue: "É muito importante a união do estado, das prefeituras e da iniciativa privada na tentativa de melhorar a vida da população. Aliás, foi fundamental a participação do Sesc neste projeto, sem a qual teria sido impossível realizar o I Circuito de Teatro do Grande ABC".
Mais teatro
O período de férias foi realmente efervescente para o teatro no estado de São Paulo. Além do I Circuito de Teatro do Grande ABC, o Sesc Consolação organizou o evento Um Mergulho na Dramaturgia para o Público Adolescente. De 21 a 25 de junho, diretores, atores, psicólogos e escritores se reuniram na unidade para discutir o teatro brasileiro produzido para os adolescentes. O encontro levantou mais perguntas do que soluções. Entre as mesas de debate, as oficinas, as aulas-espetáculo e os espetáculos, as preocupações comuns poderiam ser resumidas nestas questões: como produzir um bom texto para os adolescentes? O texto dramatúrgico pode ser universal ou necessariamente tem que se destinar para determinada faixa etária? Um espetáculo toca igualmente crianças de diferentes culturas? De que maneira o teatro pode participar da adolescência? "A partir de discussões com vários profissionais da área do teatro, como Vladimir Capella, Dib Carneiro, Helio Ziskindi, Antunes Filho e Maria Lucia Pupo, tomamos contato com o que está acontecendo com a dramaturgia para os adolescentes. Esses profissionais nos mostraram que o teatro adolescente é o mais carente de boas produções no Brasil. Torcemos para que o evento enseje intercâmbios e parcerias", observa Ilana Goldstein, técnica do Sesc Consolação. "Houve um tempo em que nos reuníamos com psicólogos, educadores e pedagogos para discutirmos sobre teatro infanto-juvenil. Hoje isso não acontece mais. Esse encontro no Sesc Consolação é de grande valor, pois foi o primeiro passo para voltarmos a falar do nosso ofício", afirma Vladimir Capella, autor e diretor de peças infanto-juvenis.
Depois de constatadas as deficiências da dramaturgia para o adolescente, o passo seguinte foi descobrir qual a melhor maneira de reunir as pessoas em torno do assunto: "Nos inspiramos na experiência do Centro de Teatro para a Infância e Juventude, sediado em Frankfurt. Lá, são promovidos encontros anuais entre os interessados e profissionais da área, além de serem oferecidas oficinas e prêmios aos autores e diretores de espetáculos juvenis", continua Ilana.
O diretor do Centro, Henning Fangauf, esteve presente no encontro do Sesc Consolação acompanhado de Lutz Hubner e Ad de Bont, dramaturgos premiados em Frankfurt no ano passado. "O teatro infanto-juvenil na Alemanha mostrou um desenvolvimento muito positivo nos últimos dez anos. Certamente, os festivais de Frankfurt têm contribuído muito para isso", afirmou Fangauf, na mesa de debates que discutia iniciativas de estímulo à produção cênica.
Ad de Bont, que também participou das mesas de debates, falou da experiência de escrever textos para adolescentes nos anos de 1990: "Comparado com os anos de 1970 e 1980, as produções de teatro desta década na Alemanha estão tratando mais diretamente das realidades sociais".
Além dos colóquios, o evento apresentou os espetáculos premiados pelo Centro de Teatro de Frankfurt. O Coração de um Boxeador, de Hubner, e A Filha do Rei dos Canalhas, de Bont, foram traduzidos para o português pelo Instituto Goethe e apresentados no Sesc Consolação pela Cia. Paidéia de Teatro. "Esses autores escreveram peças que atingem os jovens porque têm um conteúdo profundo e falam de assuntos com os quais as pessoas se identificam", comenta Aglaia Pusch, atriz e uma das fundadoras da Paidéia.
Além dos espetáculos estrangeiros, três produções brasileiras participaram do evento: Clarão nas Estrelas, de Vladimir Capella; Cuidado: Garoto Apaixonado, de Toni Brandão e direção de Débora Dubois; e Só in Cena, de Bianca Ramoneda e direção de Eduardo Wotzik. As apresentações dessas peças foram um pouco diferentes das estrangeiras. Elas funcionaram como uma espécie de aula, pois através de abordagens específicas sobre a interpretação dos atores, o texto e a direção, o público pôde refletir sobre todos os aspectos que interferem na dramaturgia. "Na aula-espetáculo, falamos do nosso processo de montagem, focalizando o tratamento dado ao texto. Pegávamos uma cena do texto original, líamos e depois mostrávamos como ela ficou depois de montada. Percebi que existem várias maneiras de fazer teatro para jovens: usando fábulas e contos de fadas, ou então, da maneira como fazemos: retratando seu cotidiano. Uma preocupação comum que observei nos debates foi a de proporcionar, através da linguagem teatral, algo que permita ao jovem confrontar valores e abordar questões que são pertinentes a ele. No fim das contas, essas discussões obrigaram todos nós a refletirmos sobre assuntos nos quais os "adultos" deveriam prestar mais atenção. Agora entendo por que alguns pais saíam de Garoto Apaixonado mais entusiasmados que os próprios filhos", finaliza Marcos Damigo, ator da peça.
Como se faz dramaturgia para adolescente?
"Os cursos de aperfeiçoamento para pedagogos, autores e produtores de teatro são prioridade para o Centro de Teatro Infanto-Juvenil em Frankfurt. O trabalho que desenvolvemos lá não pode ser representado sem o seu vínculo no contexto europeu, em que a Alemanha tornou-se o 'melting pot' para peças e espetáculos em vários países."
Henning Fangauf é diretor do Centro de Teatro Infanto-Juvenil em Frankfurt.
"Tenho desenvolvido meu trabalho no sentido de deixar mais tênues as fronteiras que separam o teatro do teatro. Penso que as classificações terminam sendo restritivas. Acho que existem especificidades, sim. Mas por uma série de razões optei por um teatro que procura a comunicação com o Homem. Tenha ele a idade, a raça e o credo que tiver."
Vladimir Capella, autor e diretor de Clarão nas Estrelas.
"Todas as escolhas que fazemos na vida são norteadas por critérios, sejam eles pessoais ou sociais, conscientes ou inconscientes. Assim, não é de estranhar que quando nos deparamos com a tarefa de escrever um texto para teatro, o façamos também segundo critérios. Se levarmos em conta as diferenças, estaremos não só nos comunicando melhor com o público mas, principalmente, oferecendo experiências que respeitam sentimentos, conflitos e visões de mundo inerentes às diferentes fases da vida.
Pensamos no que vamos escrever e em como vamos escrever. Difícil acreditar que, nesse raciocínio, não incluamos imediatamente também aquele para quem vamos escrever."
Vera Achatkin é atriz e psicóloga.
"Não devemos arrancar da criança e do jovem a oportunidade de empreenderem alguma coisa nova e imprevista para nós. Dado que o mundo é antigo, inevitavelmente, voltamos ao passado. O jovem necessita de um espaço de fruição para experimentar o mundo como ele é. O teatro é o espaço onde o jovem pode partilhar experiências que estimulam o confronto de significados. Educar o jovem para a tarefa de renovar o mundo."
Marcus Vinícius de Arruda Camargo é dramaturgo e diretor.
"O que diferencia um texto para adolescente não é o tema e sim a linguagem. O teatro, a arte em geral, tem a imensa capacidade de ser universal e, quando essa universalidade atinge parâmetros de genialidade, fica difícil saber exatamente qual é o tema. No teatro, o tema é sempre a vida, não importando em qual parte queremos beliscá-la. Tocar em questões da adolescência é uma possibilidade, mas não é certo que isso satisfaça o público adolescente. As pessoas costumam considerar o teatro adolescente como um texto didático e tem que ser muito mais que isso. O Faroeste é jovem porque consegue conversar com este público e, com muitos outros, de maneira autêntica, não banal."
Beto Magnani, ator de Um Certo Faroeste Caboclo.
"Não adianta apresentar Shakespeare em forma de MilkShakespeare e pensar que desta maneira se estabelece a comunicação com o público adolescente. O jovem não se identifica com estereótipos, pois estes o banalizam. O teatro pode exercer papel fundamental na adolescência se for capaz de possibilitar o confronto com o diferente e ao mesmo tempo proporcionar o encontro com conflitos pertinentes ao seu universo."
Lídia Aratangy é psicóloga e autora dos livros Tesouros da Juventude e A Difícil Arte do Encontro.