UMA RELAÇÃO DELICADA

O flerte entre arte e tecnologia acompanha a história da humanidade,
mas hoje as possibilidades de criação são tantas
que é difícil estabelecer
a fronteira entre uma e outra
De Onde Viemos? Quem Somos? Para Onde Vamos? O título de uma
das mais importantes obras do pintor francês Paul Gauguin - trabalho
de 1897 - não poderia expressar melhor as questões que
sempre cercaram o homem e que, no século 21, misturam-se à
velocidade vertiginosa dos avanços em várias áreas
do conhecimento, como na medicina, aumentando a expectativa de vida,
ou na comunicação, colocando os habitantes do planeta
em contato constante. Fazendo jus à alcunha de "antena da
raça" que se dá aos artistas, Gauguin não
só mostrava na obra a sua inquietação, mas também
expressava suas dúvidas. Campo de pesquisa e experimento, a arte
foi, com o passar dos séculos, se institucionalizando como um
dos meios de questionar os rumos do mundo e, na contemporaneidade, dela
própria. Um exemplo dessa vertente está no "casamento"
com a tecnologia. Não se trata exatamente de uma inovação
conceitual, já que essa relação sempre existiu
- basta lembrar das "invenções" de Leonardo
da Vinci -, mas hoje as possibilidades de criação são
enormes, justamente pelos avanços da modernidade.
A artista plástica e professora Diana Domingues, doutora em comunicação
e semiótica pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (PUC-SP), afirma que o desenvolvimento tecnológico
ocupou o "centro vivo" da produção cultural
em diversas épocas, e hoje a relação entre a criação
estética e a tecnologia é muito forte. "A ciberarte
trabalha na zona compartilhada da arte e da ciência, em produções
colaborativas de artistas e cientistas", explica. "Os inventos
tecnológicos desenvolvidos turvam as fronteiras de onde a arte
começa e onde a ciência se inicia." Lucas Bambozzi,
artista multimídia e curador do arte.mov - Festival Internacional
de Arte em Mídias Móveis, realizado em outubro em Belo
Horizonte, concorda com a opinião de que o diálogo com
a tecnologia de seu tempo é a expressão de uma vocação
primordial da arte. "Vivemos rodeados de anacronismos e discrepâncias",
afirma. "E o que interessa não é buscar as tecnologias
mais recentes para associá-las à arte, mas, sim, dialogar
com as tecnologias envolvidas no contexto social, político e
ideológico que nos rodeia." A diferença hoje, segundo
ele, é que a tecnologia do mundo moderno "molda mais diretamente"
nossa sociedade e nossa cultura. "Acho que não apenas as
relações entre arte e tecnologia mudaram, mas o próprio
conceito de arte vem sofrendo abalos constantes", completa.
VIRTUALIDADE
Exemplos práticos da junção da arte com a tecnologia
atualmente podem ser encontrados nos trabalhos do artista multimídia
Mario Ramiro e da própria Diana Domingues. Enquanto Ramiro explora
a fusão entre o rádio, a televisão, o telefone
e videotexto - criando o que ele chama de redes telecomunicativas -,
Diana associa-se a cientistas para criar. Em seu VR Aquarium, instalação
criada pelo grupo de pesquisa Artecno, do qual Diana é coordenadora,
uma espécie de aquário virtual utilizou a tridimensionalidade
e a animação para recriar o real. A idéia era "iludir
os sentidos", segundo conta a artista, ao misturar os peixes virtuais
a seres reais. Um dispositivo rastreador de movimento fazia os peixes
de mentira interagirem tanto com o espectador quanto uns com os outros,
imitando com perfeição o movimento de um cardume.
Ramiro, em uma de suas primeiras experiências, ainda no início
dos anos 80, criou esculturas que, por meio da irradiação
de calor e de princípios magnéticos - como ímãs
-, permitiam que pequenos objetos metálicos "flutuassem"
no espaço entre elas. "No futuro, certamente teremos uma
convergência ainda maior dessas ferramentas digitais e a arte",
afirma Ramiro, que aproveita para fazer uma ressalva: "Mas aquela
arte que não tem tempo e que não importa em qual suporte
é realizada vai continuar existindo e integrando a matéria
com o espírito".
Ver boxes:
A
arte e a tecnologia móvel
Em tempo
A arte e a tecnologia móvel
Em sua primeira edição, o Festival Internacional
de Arte e Tecnologia Móvel - Mobilefest
reuniu palestras e exposições na unidade provisória
Sesc Avenida Paulista
Para
alguns dos estudiosos e artistas envolvidos com a junção
da arte com a tecnologia, estamos entrando na "era da mobilidade".
Ao menos é o que pensam os organizadores do Festival
de Arte e Criatividade Móvel - Mobilefest, Marcelo Godoy
e Paulo Hartmann. O primeiro festival realizado no Brasil para
refletir sobre o assunto foi composto por atividades culturais
e técnicas, teve programação que incluiu
também a realização de um seminário
internacional, de workshops de capacitação para
a produção de conteúdo móvel e irá
premiar ainda os melhores trabalhos e aplicações
móveis produzidos por brasileiros - as inscrições
seguem até março (veja boxe Em tempo). O evento
centrou-se no grande produto-fetiche-sonho-de-consumo do mundo
moderno: o celular. Segundo Godoy, o que diferencia essa mídia
móvel é a sua capacidade de estar presente e distribuir
conteúdo de uma forma nunca antes pensada. "Uma
criança com celular na mão, por exemplo, olha
para o aparelho não apenas como um reprodutor 'menor'
de imagens", afirma, "mas sim como um potente comunicador
e distribuidor multimídia, que traz games, envia fotos,
vídeos, mensagens e músicas."
O festival contou com a participação de 14 convidados,
entre artistas e especialistas no assunto, que discutiram a
presença desses aparelhos no Brasil e no mundo. "Criamos
um evento que pudesse juntar partes da sociedade que estão
sendo impactadas pelas tecnologias móveis disponíveis
hoje e no futuro", afirma Godoy. Além da grade de
seminários e oficinas, o Mobilefest apresentou a mostra
Antologia de Fragmentos Dispersos, na qual foram expostos cinco
trabalhos da artista Giselle Beiguelman - entre eles, Leds Are
Electronic Eyes, de 2006, um
videolog (diário registrado em vídeo) gravado
e editado pelo celular, e o documentário Poétrica,
de 2004, sobre a teleintervenção realizada pela
artista em 2003 na qual painéis eletrônicos espalhados
pela cidade de São Paulo permitiam a qualquer umenviar
mensagens pela internet - e ampliações de peças
de design gráfico criadas pelos holandeses Mieke Gerritzen
e Geert Lovink para a publicação Mobile Minded,
livro que reúne citações, ensaios e estatísticas
a sobre a arte e a tecnologia de aparelhos sem fio, conhecidos
como wireless.
Imagens:
Stills dos vídeos que formarma a obra Fast/Slow - Scapes,
de Giselle Beiguelman, parte da retrospectiva da artista mostrada
em Antologia de Fragmentos Dispersos, exposição
que integrou o Festival de Arte e Criatividade Móvel
- Mobilefest
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Em
tempo
O Festival de Arte e Criatividade Móvel - Mobilefest
continua aberto à participação de usuários
de telefonia celular de qualquer operadora e de todos os estados
brasileiros. Por meio do sistema de mensagens de texto ou e-mail,
os interessados podem inscrever seus trabalhos até 1º
de março de 2007. As categorias são artes interativas
(games), artes visuais (fotografias, vídeos e animações),
escritas SMS (poesias e microcontos produzidos por meio do recurso
de mensagens do celular), fotojornalismo, publicidade e música
(toques utilizados como campainha dos telefones, os chamado
ringtones). Informações sobre a inscrição
e a premiação das melhores peças estão
no site do festival, www.mobilifest.com.br/pt.
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