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Série de documentários sobre grandes escritores brasileiros, realizada pelo cronista Fernando Sabino e o cineasta David Neves, mostra facetas inusitadas de gênios literários

 

Édifícil visualizar o poeta Carlos Drummond de Andrade, com todo o seu recato, brincando de esconde-esconde no prédio do Ministério da Educação. Ou o escritor Erico Verissimo fingindo ser um samurai que comete haraquiri, ritual suicida de guerreiros japoneses. Pois cenas como essas, retratando a intimidade de alguns dos maiores escritores brasileiros do século 20, foram capturadas e registradas em uma série de dez documentários produzidos, entre 1973 e 1974, pela Bem Te Vi Filmes - produtora que o escritor Fernando Sabino e o cineasta David Neves fundaram. Realizados em 35 milímetros e com dez minutos de duração cada um, os curtas-metragens revelam facetas inusitadas do ser humano comum que residia nos expoentes da literatura brasileira perfilados na série.
Esses documentários, compilados em DVD com o título geral Encontro Marcado com o Cinema de Fernando Sabino e David Neves - referência ao romance Encontro Marcado, de 1956 -, lançado no ano passado pela gravadora Biscoito Fino, puderam ser vistos durante o mês de maio no Sesc Santo André, como parte do projeto Hora do Curta, que pretende criar uma atmosfera de cinema dentro da sala da internet livre. "A nossa idéia é fazer com que as pessoas que assistem aos curtas se habituem à linguagem cinematográfica e tomem gosto pelo cinema", explica o técnico da unidade Rafael Spaca.
A série homenageia, além de Drummond e Verissimo, personalidades do mundo literário que vão dos romancistas Guimarães Rosa, Jorge Amado e José Américo de Almeida aos poetas Vinicius de Moraes, João Cabral de Melo Neto e Manuel Bandeira. Completam o quadro das letras o memorialista Pedro Nava e o intelectual Afonso Arinos de Melo Franco (veja boxe Time de bambas). Do conjunto, dois filmes não foram produzidos pela dupla que organizou o projeto. "Como o Bandeira já havia morrido, e o filme que o Joaquim Pedro de Andrade fez sobre o poeta era muito bom, o David e o Sabino compraram-no e o incorporaram a essa série", explica Mair Tavares, responsável pela montagem dos filmetes. Já o curta sobre João Cabral foi, de acordo com Tavares, feito por Jorge Laclette. "E esse foi o único que não montei", afirma.
O DVD traz também um documentário extra com depoimentos sobre Fernando Sabino, morto em 2004, dirigido pelo filho, Bernardo Sabino. "Sempre quis fazer um registro sobre a vida do meu pai, pois ele foi muito cético quanto a fazer filmes sobre si mesmo. Então, filmei Encontro Marcado com Fernando Sabino", diz Bernardo. O diretor relata que a proximidade do pai com os perfilados foi muito importante para o resultado dos trabalhos. "Foi fundamental o convívio de amizade do papai com esses grandes escritores, assim pôde tirar a intimidade deles que ninguém conseguiria tirar", diz.

 

As várias facetas de Sabino
Fernando Tavares Sabino (1923-2004) nasceu na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais. Mais conhecido por escrever crônicas e romances, Sabino sempre foi jornalista. No entanto, seu desejo era ser músico de jazz. Sonho que conseguiu realizar como baterista do grupo Remblers Traditional Jazz Band, no qual tocou até 2002, dois anos antes de morrer. A estréia no cinema ocorreu em 1971, com o documentário O Dia de Braga, sobre o amigo e também cronista Rubem Braga. "Acho que a inquietação dele era tão grande que precisava partir para outras artes, por causa da ansiedade de criar", avalia Bernardo Sabino. "Tanto é que ele foi músico. No caso dos filmes sobre os escritores, acho que é um pouco isso: ele conseguiu transformar sua rotina de trabalho no seu sonho de fazer cinema."
Essa busca de fusão de linguagens sempre esteve presente no trabalho de Sabino como cronista, em que fundia o traço poético à narrativa. E, segundo especialistas, isso também se deu nas obras cinematográficas. "Ele apresentava uma prosa poética em vários momentos de suas crônicas. E também encontro esse lirismo nos seus documentários, quando ele mostra os escritores ali, na vida corriqueira, na companhia das pessoas que ama", analisa a professora titular emérita de literatura brasileira da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Letícia Malard.
Além do lirismo, a inovação é outra particularidade do cronista, que se dedicava a várias formas de expressão. É justamente disso que o dramaturgo Alcione Araújo fala no documentário Encontro Marcado com Fernando Sabino. "As pessoas eram mais exclusivas, mais especializadas. E ele foi rompendo com isso", explica. Araújo vai mais fundo no perfil do documentarista que soube tão bem retratar os amigos, ao relacionar a personalidade literária de Sabino com sua postura cotidiana. "Sabino não falava de literatura. Ele falava da vida, da importância da vida e da alegria de viver."

 

 

Ver boxes:

Time de bambas
Mapa das letras

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Time de bambas
Os escritores brasileiros presentes nos documentários de Fernando Sabino e David Neves

 

 

Afonso Arinos de Melo Franco (1905-1990) - Intelectual, advogado e ex-parlamentar, o mineiro está no documentário O Escritor na Vida Pública. Afonso Arinos produziu algumas obras consideradas clássicas da historiografia brasileira, como O Índio Brasileiro e a Revolução Francesa, de 1937 (Topbooks, 2000).

 

 

 

 

 

 

 

 

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) - Escritor mineiro tido como um dos maiores poetas do Brasil. Além de ser também um mestre nos contos e crônicas, Drummond foi funcionário público do Ministério da Educação, onde realizou as peripécias mostradas em O Fazendeiro do Ar. Bom exemplo de sua celebrada poesia é Claro Enigma, de 1951 (Record, 2001).

 

 

 

 

 

 

 

Erico Verissimo (1905-1975) - Autor do livro Olhai os Lírios do Campo, de 1938 (Companhia das Letras, 2005), o romancista gaúcho é pai do também escritor Luis Fernando Verissimo. Em Um Contador de Histórias, Verissimo pai é filmado no convívio familiar.

 

 

 

 

 

 

 

 

João Cabral de Melo Neto (1920-1999) - Representante da segunda fase do modernismo brasileiro, o escritor pernambucano participou do filme O Curso do Poeta, de Jorge Laclette, incorporado à série de documentários de Fernando Sabino e David Neves. Cabral é autor do livro Morte e Vida Severina, de 1956 (Nova Fronteira, 2006), um marco na poesia brasileira.

 

 

 

 

 

 

 

João Guimarães Rosa (1908-1967) - Sua obra surpreende pela linguagem inovadora, recheada de regionalismos e neologismos. Um exemplo disso é o romance Grande Sertão: Veredas, de 1956 (Nova Fronteira, 2006). Médico e diplomata, o autor é considerado um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos. O documentário Veredas de Minas fala sobre os sertanejos, que se tornaram personagens de seus livros.

 

 

 

 

 

 

 

 

Jorge Amado (1912-2001) - O filmete Casa de Rio Vermelho mostra o cotidiano do autor do romance Gabriela, Cravo e Canela, de 1958 (Record, 1999), e sua residência em Salvador. Jorge Amado, que foi casado com a também escritora Zélia Gattai, entrou para a Academia Brasileira de Letras (ABL) em 1961.

 

 

 

 

 

 

 

 


José Américo de Almeida (1887-1980) - Além de escritor, o paraibano foi governador de seu estado, senador e também fundou a Universidade Federal da Paraíba. Autor do romance A Bagaceira, de 1928 (José Olympio, 2002), José Américo teve sua imagem registrada aos 87 anos em Romancista ao Norte.

 

 

 

 

 

 

 

 

Manuel Bandeira (1886-1968) - O poeta pernambucano, que também se destacou na crônica, é um dos fundadores do modernismo brasileiro. Entre seus livros de poesia estão Libertinagem e Estrela da Manhã, respectivamente, de 1930 e 1936 (reunidos em uma única edição da Nova Fronteira, 2005). Bandeira aparece em O Poeta do Castelo, curta de estréia de Joaquim Pedro de Andrade, rodado em 1959, e incorporado à série de documentários de Sabino e Neves.

 

 

 

 

 

 

 

Pedro Nava (1903-1984) - O documentário Em Tempo de Nava enfoca o médico, artista plástico e memorialista mineiro em sua casa e seu escritório. Nava é autor de Baú de Ossos, de 1972 (Ateliê, 2005), no qual narra sua infância.

 

 

 

 

 

 

 

 


Vinicius de Moraes (1913-1980) - Poesia, Música e Amor flagra o poetinha em Itapuã, Bahia, quando já estava no seu sétimo casamento. Poeta, cronista, compositor e diplomata, o carioca foi um dos grandes nomes da bossa nova. Entre seus livros está Para Viver um Grande Amor: Crônicas e Poemas, de 1962 (Companhia das Letras, 1991).

 

 

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Mapa das letras
Sesc Consolação realiza mapeamento da literatura com o projeto Cartografia Literária

 

Quais são e onde se localizam as ações e experiências na produção poética e literária na cidade de São Paulo? Quem são as pessoas, ou grupos, que intervêm em seus espaços e nas relações comunitárias tendo a literatura como proposta de transformação? Procurando responder a essas perguntas, a unidade Sesc Consolação iniciou no mês de maio o projeto Cartografia Literária. A iniciativa visa a realizar uma espécie de mapeamento dessas experiências na capital, especialmente das manifestações espontâneas, que não dependem do poder público nem são presas a estruturas meramente lucrativas. "O projeto nasceu por causa da observação do surgimento de coletivos literários na cidade, sem vínculos comerciais e que agregam gente que faz e que gosta de literatura", explica o técnico do Sesc Consolação Francis Manzoni, um dos organizadores do projeto. "A idéia é pensar a literatura como uma coisa fluida, que avança por todos os espaços e não é barrada por questões sociais e econômicas. Portanto, procuramos valorizar esses grupos e mostrar suas experiências a um público mais amplo."
Com intermediação do jornalista Ivan Marques, representantes de três coletivos literários estiveram na unidade para um bate-papo com o público. Lá, contaram um pouco de sua história e do trabalho que fazem. Começou no dia 10, com os Poetas da Praça Roosevelt, que desde 2006 mantêm regularmente um evento de poesia para a comunidade local, além de escritores e artistas de diversas partes da cidade. Dia 17, foi a vez da Cooperifa, que realiza saraus há seis anos em um bar do Jardim São Luís, Zona Sul da capital. Por fim, no dia 23, apresentou-se o grupo Poesia Maloqueirista, que desde 2002 tem como proposta a edição e venda de livretos na porta de espaços culturais, bares, feiras e praças. O projeto, que é bimestral, terá sua próxima edição em julho e contará com outros três coletivos literários ainda não definidos.

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