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São Paulo, essa beleza fundamental

 

Causou-me uma certa estranheza quando o alcaide da cidade do Rio de Janeiro, sr. César Maia, declarou de forma bastante jocosa, parodiando burlescamente o Poetinha Vinicius de Moraes, que "as feias que me desculpem, mas beleza é fundamental", a propósito da candidatura de sua cidade como possível sede das Olimpíadas de 2012. Referia-se, evidentemente, à beleza do Rio de Janeiro, frente à feiúra da cidade derrotada, nossa querida São Paulo.
Que o Rio de Janeiro é uma cidade linda, maravilhosa, privilegiada por sua beleza natural e arquitetônica e, principalmente, por sua gente, é inegável. Mas fiquei perguntando-me se a beleza de uma cidade é determinada somente pelo conceito estético. Quero acreditar que não.
São Paulo tem 1.500 quilômetros quadrados para quase 10,5 milhões de habitantes. São 2,5 milhões de edifícios, entre prédios, casas, indústrias e escritórios. São 13% do PIB nacional concentrados. São mais de 2 mil favelas e 10 mil pessoas vivendo em situação de rua. São 5 milhões de veículos (mais de duas centenas deles roubados por dia) a trafegar pelas 60 mil ruas e avenidas, numa velocidade alucinante: 27 km/h no horário de pico na tarde de um dia útil. São mais de 1.500 paulistanos a morrer todos os anos em acidentes de trânsito. São 5 milhões de trabalhadores. São 265 salas de cinema, 92 teatros e mais de 70 museus, o maior centro cultural da América do Sul. São mais de 12.500 restaurantes e 420 mil garçons, cozinheiros e ajudantes de cozinha na capital mundial da gastronomia. São quase 500 hotéis e 90% de turistas de negócios. São quase 3 mil migrantes a chegar diariamente somente pelo Terminal Rodoviário do Tietê e outros tantos milhares retornando às suas terras. São Paulo é escrita em superlativo absoluto.
Mas sua maior riqueza não está nas estatísticas ou nos números de almanaque, não é quantificável: está em seu capital humano, reunido em nossa população pela diversidade da inteligência e do empreendedorismo dos que escolheram a cidade para viver e intensificado no início do século XX com a chegada de imigrantes e, posteriormente, dos migrantes - se no passado o paulistano tinha um pé na Europa, hoje o tem em todas as regiões do País e também no Oriente (com a maciça presença de japoneses, chineses, coreanos e árabes) e nos vizinhos sul-americanos.
Com todos que chegaram - e continuam chegando diariamente -, São Paulo ganhou a riqueza da diversidade cultural e a força de vida e de trabalho de uma gente determinada a conquistar uma vida melhor. Ganhou também a complexidade de uma metrópole, com todos os seus problemas e contradições. São Paulo transformou-se, na dor e na delícia, na síntese do Brasil.
A cidade de São Paulo de hoje é bem diferente da do IV Centenário, quando a elite organizou uma festa de três dias para homenageá-la - e nos presenteou com algumas da mais importantes jóias paulistanas: o Parque do Ibirapuera e a Catedral da Sé. Nas comemorações de seus 450 anos, espero que a homenagem se traduza em inclusão social, que possamos abraçar nossa imensa e pobre periferia, para que ela faça parte, de fato, da quarta metrópole do planeta e orgulhe-se dela. Espero que o espírito do fogo olímpico que congregou tantos e diversos interesses em torno da candidatura de São Paulo 2012 mantenha-se aceso e que consigamos concretizar o projeto de valorização do patrimônio humano, cultural e ambiental que apresentamos e defendemos naquela ocasião.
O caminho está aberto: hoje o paulistano, num trabalho de arqueólogo, debruça-se com afeto sobre sua cidade e sua alteridade. E, voltando-se para dentro, busca encontrar o outro. Numa história de alma, talento e determinação, busca construir um caminho de generosidade e solidariedade.
As outras cidades que me desculpem, mas essa beleza é fundamental.

Estanislau da Silva Salles é licenciado em História, sociólogo e gerente de Programas Sócio-Educativos do Sesc São Paulo