Em 2003, ao sediar 22 seminários sobre os mais candentes assuntos e com alguns dos grandes intelectuais brasileiros e estrangeiros, o Sesc Vila Mariana transforma-se em um dos principais espaços de debate e reflexão de São Paulo

Quando assistimos a uma aula, a um seminário ou a um congresso, nada mais estamos fazendo do que perpetuar a prática de nossos antepassados para disseminar o conhecimento. A Grécia Antiga, terra-mater da filosofia, foi quem deu os primeiros passos rumo ao que conhecemos hoje como debate de idéias. Sócrates, um dos principais filósofos gregos, acreditava que somente questionando e instigando seus interlocutores é que a sabedoria poderia aflorar. Platão, seu mais notório discípulo, fundou em Atenas a Academia, escola de filosofia em que mestre e alunos viviam juntos, debatendo constantemente os mais variados temas. Anos mais tarde, Aristóteles, principal discípulo de Platão, fundou o Liceu de Atenas. Foi nessa escola que ele e seus discípulos dedicaram suas vidas à discussão filosófica e às pesquisas que abrangiam praticamente todo o conhecimento da época. Graças à prática incipiente de questionar e discutir, Aristóteles acabou tornando-se conhecido, mais de dois mil anos depois, como o "pai de todas as ciências" ou até mesmo o "maior gênio que a humanidade já teve".
Paixão pelo debate Para os gregos antigos a reflexão leva ao questionamento e esse, ao conhecimento, assim como somente o ato de discutir é capaz de propagar a sabedoria. Junto a todas outras heranças gregas deixadas ao homem ocidental, a exposição de idéias e o embate delas também nos foram legados. Durante o ano de 2003, essa experiência foi muitas vezes praticada no Sesc Vila Mariana, num total de 22 seminários. Geralmente criados em parceria do Sesc São Paulo com outras instituições, ao todo o número de participantes dessa maratona chegou a aproximadamente 9.500 pessoas. Os números mostram que o Sesc Vila Mariana vem se consolidando como um dos principais espaços na cidade na discussão de uma infinidade de temas que interferem no funcionamento da sociedade. "A seleção dos palestrantes, artistas, expositores e agentes que compõem um programa manifesta a preocupação do Sesc por disponibilizar conhecimento e informações de ponta", enxerga a fundadora da Associação Palas Athena, Lia Diskin, que já participou de seminários como o Cultura e (In)Tolerância, em novembro. "Já li teses de mestrado e doutorado com citações de fontes oriundas de congressos e seminários." Lia considera o seminário do qual participou, por exemplo, um marco nas reflexões até então levantadas. "Tive a alegria de coordenar a mesa integrada pelos professores-doutores Dalmo de Abreu Dallari e Hédio Silva Júnior, que apresentaram de modo direto as contradições estruturais que sustentam a intolerância em nosso país."

O poder da palavra O primeiro grande evento do gênero na unidade foi o 5º Congresso Mundial de Lazer e Tempo Livre, em outubro de 1998. Dado o êxito, outros congressos e seminários foram realizados e, com o tempo, acabou-se criando um know-how para este tipo de atividade. Além dos seminários concebidos e organizados diretamente pela equipe técnica do Sesc Vila Mariana, também são realizados eventos em parceria com universidades e organizações não-governantais. A quantidade de seminários ocorridos em 2003 é fruto de um trabalho semeado ao longo de cinco anos pela equipe de programação. Para se ter uma idéia do tamanho dessa colheita, somente nos dois últimos meses do ano passado quatro importantes eventos desse tipo fizeram parte da programação. Em novembro, foram os seminários Cultura e (In)Tolerância e Esporte e Sociedade, enquanto em dezembro aconteceram o TVQ - Criança, Adolescente e Mídia e Desafios das Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial. "O poder da palestra é muito grande, sobretudo se não for lida", analisa o psicanalista Contardo Calligaris, outro nome já presente em eventos no Sesc Vila Mariana e um veterano de seminários mundo afora. "A palestra pode instalar um diálogo, ainda que em um tempo curto." Para Contardo, o formato é uma via de mão dupla: bom para quem ouve, mas também uma grande experiência para quem fala. "É um certo exercício de humildade porque é preciso levar em conta quem está escutando. O peso da palavra é capaz de produzir efeitos muito além do que se imagina." Para o jornalista e ombudsman da Folha de S. Paulo Bernardo Ajzenberg, tais encontros, analisados como instrumento de repasse de conhecimento, são algo de fundamental mesmo para aqueles que já contam com vasta experiência nos assuntos tratados. E acrescenta: "Entendo, porém, que, para ser realmente eficaz, todo seminário deveria reunir e colocar à disposição de seus participantes a íntegra ou um resumo bem feito de todas as exposições realizadas". Entre as dicas do experiente palestrante estão a de nunca subestimar a inteligência e a capacidade de concentração da platéia - "que pode sempre surpreender com questões inteligentes e até embaraçosas", revela - e a de não "posar de vendedor, como alguém que está ali para fazer propaganda de seu serviço, de seu trabalho ou de sua empresa". "É preciso usar de franqueza e transparência, mostrando que você não é alguém superior a nenhuma das pessoas da platéia. Não adotar um ar distante, professoral, mas sim expor as idéias como numa conversa", conclui.
A platéia: o que irrita e o que agrada Assim como alunos em uma sala de aula, ouvintes de uma palestra devem ter um comportamento condizente com a ocasião. A participação da audiência é mais que fundamental para o sucesso de um seminário, mas certas atitudes - ou a falta delas - podem comprometer o resultado. Eis aqui algumas posturas que contribuem - e outras que enervam - quem está ao microfone:
"Para quem vai ouvir uma palestra ou mesa-redonda, aconselharia que leia o programa antes. É bom saber quem está falando, qual sua profissão, em que está trabalhando, qual a entidade ou causa com a qual está envolvido. Isso ajuda a compreender e até ampliar a compreensão do que está sendo dito. Se for possível, que chegue uns minutos antes do início para se acomodar e descontrair. O que mais me irrita é quando a pessoa não foi ao seminário, congresso ou palestra para ouvir, mas para pavonear-se. Fica o tempo todo olhando para trás e para os lados a fim de ser vista, cumprimentada, notada. Fala com as pessoas ao seu redor, faz comentários em voz alta e até atende 'polidamente' o telefone celular que ostenta como uma condecoração ou emblema de sua importância. O público que me deixa à vontade é aquele que está receptivo e disposto à troca, ao diálogo, que me desafia a novas e ampliadas reflexões, que me mostra experiência e ângulos que eram desconhecidos para mim. Público com o qual possa me enriquecer e renovar." Lia Diskin, fundadora da Associação Palas Athena
"A platéia que me deixa à vontade é aquela que emite uma reação logo de cara, quando, bem no começo da palestra, você faz alguma brincadeira para testar o humor, a receptividade. A pior platéia é aquela que não tem nenhuma pergunta a fazer quando você termina sua apresentação." Bernardo Ajzenberg, jornalista
"Eu gosto de todas as platéias. Mas o cara que dorme enquanto estou falando me perturba, principalmente se ele ronca..." Moacyr Scliar, escritor
"Apenas diria que a pessoa na tribuna é um ser humano que se preocupou com a palestra. Nada mais. Se for uma besta, o ouvinte falará alto, rirá, lerá jornais e fará gracinhas. Isto me irrita. Mas tenho mais pena do que raiva. Um monte de carnes sem inteligência é sempre algo melancólico." Roberto Romano, filósofo
"Os anos formadores da minha vida pública são os de 1960 e 1970. Naquela época as platéias de que eu fazia parte eram mais ativas que agora, porém mais desorganizadas. Uma platéia adormecida é o que mais me irrita. Mas a platéia também é o reflexo da postura do palestrante. Roland Barthes me disse uma vez que alguém dormindo na platéia era o maior elogio que um palestrante poderia receber, pois suscitar o interesse de alguém acordado é fácil. Difícil é possuir um timbre de voz capaz de ninar uma pessoa." Contardo Calligaris, psicanalista
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