Os bastidores da criação de Porti-Nari, da série Pocket Opera, do Sesc Ipiranga
Porti-Nari, pocket opera que conta - e canta - a história do pintor Cândido Portinari, atraiu multidões durante sua temporada no ano passado. Com apresentações nas unidades do Sesc Ipiranga (na capital), Rio Preto, Araraquara, São Carlos, Ribeirão Preto (no interior), Santos (no litoral) e Santo André (na região do ABC), o espetáculo integrou as comemorações do centenário do pintor que "deu esperança ao mundo", como disse certa vez Mário de Andrade. O sucesso foi tanto que novas apresentações passam a constar das atividades do Sesc São Paulo neste início de ano, com datas no Sesc Ipiranga e Taubaté. O ator Luiz Carlos Vasconcelos, conhecido por sua atuação no filme Carandiru, de Hector Babenco, ficou a cargo da direção do musical e conta que foi a figura do pintor criança que o fez mudar os rumos do que tinha em mente inicialmente. "Portinari teve uma infância algo felliniana", observou o ator e diretor em entrevista. "Bastante emotiva, que passa pela descoberta do desenho, por pesadelos e medos." O texto de Luís Alberto de Abreu seguiu pelo mesmo caminho e colocou um Portinari já próximo da morte às voltas com memórias da infância em Brodowski, interior de São Paulo. "Diante de tão rico material, optamos pelo que havia de mais simples", explica o dramaturgo em texto do catálogo do espetáculo. "Sua infância, de um lado, e, de outro, o que havia de mais dramático: sua morte anunciada pela aspiração de vapores de chumbo." A música de Laércio de Freitas completa a viagem. "Procuramos compor peças tão próximas quanto possível da própria obra do artista", esclarece o músico. "Tentamos resgatar sua condição fabular." Em cena, 22 atores dão vida às memórias de Portinari e metade desse elenco é infantil, formado por crianças de 6 a 12 anos. E é em torno desses atores mirins que se encontram também as mais deliciosas histórias de bastidores, regadas a espírito de equipe e momentos emocionantes. "A produção pediu um elenco com crianças especiais, de todos os tipos: que dançassem, cantassem, fossem atores mirins, que tivessem experiência na área", explica Cíntia Di Giorgi, responsável pela escolha do elenco de crianças. Foram selecionadas, através de fotos, sessenta crianças. Dessas, trinta foram escolhidas para passar por testes que as colocariam nas oficinas preparatórias para os ensaios. "Os quesitos eram: ter entre 6 e 12 anos e que se destacassem na sua área de atuação", volta Cíntia. "Elas fizeram um teste com o Luiz Carlos Vasconcelos e a Vera Barros (responsável pelas oficinas de artes plásticas), e escolhemos vinte crianças." As aulas foram de atuação, ministradas pelos atores João Miguel e Juliana Jardim; música, dadas por Tata Fernandes; circo, a cargo de Paulo Barbuto; e artes plásticas. "As crianças receberam iniciação na obra de Portinari e também rudimentos de todas as outras áreas", volta a explicar Cíntia. "Das vinte crianças que participaram dessas aulas, doze estariam no espetáculo. As que demonstraram maior nível de concentração, entendimento de texto e de comprometimento de trabalho foram as que ficaram."
Trabalho com os pais
Mesmo não conhecendo as obras do pintor, não demorou para que as crianças mergulhassem nas cores do artista. Algo como uma deliciosa brincadeira, que trazia um profundo aprendizado. Como tudo era bastante novo para os jovens atores, e também para os pais, a produção viu a necessidade de trabalhar também com eles, para explicar um pouco o universo no qual seus filhos estavam prestes a entrar. "Eles ficavam muito curiosos, temerosos e tensos, sem saber o que estava acontecendo com as crianças", lembra Cíntia. "Por isso resolvemos esclarecer para eles o que estava acontecendo. Por exemplo: o João Miguel falava para as crianças que elas não podiam contar para ninguém o que tinha acontecido ali, e as crianças não contavam. E os pais começaram a ficar tensos. Não era nada de mais, mas era um processo que tinha de acontecer internamente, sem interferências. Por isso a gente fez uma oficina para eles. Nos mesmos moldes das oficinas para as crianças." E quem dava mais trabalho, os pais ou os filhos? "As crianças, sem dúvida. Elas são superativas, e é muito complicado", responde Cíntia. "Mas o João e a Juliana conseguiram dar um senso muito importante de responsabilidade, de limite e de grupo para essas crianças. A dificuldade dos pais passava mais pela questão dos limites pessoais, de não conseguir fazer porque passou da idade, porque nunca fez etc. Eles ficavam inseguros e com vergonha mesmo. Com o passar do tempo, eles foram se soltando. Já os ensaios com as crianças eram totalmente compatíveis com o horário escolar. Sempre tendo em mente que se tratava de um trabalho de formação junto com a escola. Em momento algum as atividades competiram com o colégio. Havia horários de manhã e à tarde, e mais sábados e domingos, quando as turmas se juntavam. A convivência entre as crianças e com os adultos foi a melhor possível." O que garantiu a harmonia e a unidade que poderão ser conferidas novamente nos palcos de São Paulo.
Espetáculo à parte - Palhaçadas e emoção num espetáculo que o público não viu No dia de encerramento das oficinas, o diretor Luiz Carlos Vasconcelos reservou uma surpresa para todos, num dos momentos mais emocionantes de todo o processo. A oficina por si só já carregava a emoção de ser a última, e todos - professores, alunos e pais - já mal conseguiam segurar as lágrimas. Eis que, no meio da festa organizada para comemorar o final dos trabalhos, Luiz Carlos Vasconcelos some e deixa um certo tom de frustração no ar. Porém, não demorou muito até que todos pudessem ouvir, cada vez mais próxima, a voz do palhaço Xuxu, personagem de Luiz que já soma mais de duas décadas de vida e que demonstra a paixão do ator e diretor pelo circo. "As crianças não acreditavam no que estava acontecendo", lembra-se Cíntia Di Giorgi. "Até os pais descobrirem que o palhaço era o Luiz demorou um certo tempo... Foi lindo."
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