Viver em São Paulo pode ser comparado a uma corrida de obstáculos, cheia de perigos. Falta de tempo, pressa, trânsito caótico e calçadas esburacadas são alguns dos entraves para a manutenção de uma vida saudável
Imagine a seguinte situação: uma pessoa acorda pela manhã com o buzinaço típico do início de mais um dia em São Paulo. Toma seu café - correndo, por estar atrasada -, se apronta e sai de casa. No caminho, a tampa do esgoto aberta na calçada a obriga a arriscar um salto atlético. O resultado? Uma torção no calcanhar que vai lhe custar alguns passos mancos pela frente. Se ela tiver carro, vai encarar o trânsito - o que já se encarrega de esgotar o bom humor logo nas primeiras horas da manhã. Se for de ônibus, mais sacrifício: degraus que exigem elasticidade de bailarino para embarcar e a destreza de acrobata no desembarque. Tudo isso regado a muita poluição visual e sonora pelo caminho, sem contar os avisos de qualidade do ar irregular que freqüentemente nos fazem lembrar de que estamos respirando menos oxigênio que precisamos e mais monóxido carbônico que seria aceitável. É fato que esta pequena crônica é o relato de um dia na cidade grande, com fartas pitadas de exagero. Talvez todas essas coisas não aconteçam no mesmo dia com a mesma pessoa. Mas certamente muitos se identificariam com as peripécias às quais um indivíduo é submetido quando decide - ou é obrigado - morar na já chamada selva de pedra. É, caros leitores, a vida numa cidade grande faz o corpo sofrer. "O ser humano não pode deixar de acompanhar o desenvolvimento tecnológico, as coisas estão crescendo e a gente tem de segui-las", explica a fisioterapeuta e terapeuta corporal Maria Cristina Ibiapina. "O ser humano tem na sua natureza uma capacidade de adaptação muito grande. Ele se adapta a algumas coisas em detrimento de outras, e isso vai depender muito dos valores do indivíduo. O que está acontecendo é que, por causa dessa busca desenfreada pela sobrevivência na cidade - é preciso ganhar dinheiro, trabalhar muito para ter conforto na vida e fazer as coisas que se quer -, você sacrifica muitas coisas."
Falta de ar O primeiro grande problema apontado por Maria Cristina é a qualidade do ar - ou melhor, a falta dela. "Se você pára de respirar, você morre; então, a qualidade do ar que você respira é muito importante. Na ciência oriental, por exemplo, existe uma coisa chamada prana, que é a energia vital que o ar contém, que equilibra energeticamente o nosso organismo. E a cidade nos oferece muito pouco desse ar puro. Não só na questão do oxigênio, mas em tudo que está no ar e que a gente precisa. Ou seja, a gente já coloca para dentro um ar poluído, sujo." A segunda agravante está no fato de que o morador das grandes cidades se vê afastado de fontes de alimentação mais saudáveis. Outra ingestão que o corpo reclama. "Você vai ao supermercado e só encontra para vender coisas enlatadas, empacotadas, a carne cheia de toxinas, frutas que parecem de plástico e tudo artificialmente amadurecido", diz a fisioterapeuta. "Eu não sou radical na questão do vegetarianismo ou algo assim, mas não confio nessas carnes dos açougues." O barulho é outro problema. Segundo os especialistas, o sono também é uma forma de alimentação. E escuridão e tranqüilidade são pré-requisitos básicos para uma boa noite de descanso. "Para a secreção de melatonina (o chamado hormônio do sono) acontecer no cérebro, é preciso que a gente esteja ao sol durante o dia por pelo menos uma hora e que haja escuro no quarto à noite. E poucas pessoas conseguem tomar sol na cidade, por conta da falta de tempo, e também pouquíssimas pessoas em São Paulo podem dormir num lugar escuro." Além disso, há a falta de silêncio, a chamada poluição sonora, que também dificulta o repouso. "A gente não tem silêncio em São Paulo nem de madrugada." O estresse e o que fazer com ele Outro inimigo que se mostra no caminho dos cidadãos que testemunham a loucura da metrópole é o estresse. No livro Todo Mundo Tem Stress (o termo é usado em inglês), o professor e psicólogo Esdras Guerreiro Vasconcelos relata que todos nós estamos expostos a esse fenômeno comum da vida moderna e constata que, definitivamente, não há como fugir dele. "Para quem mora em São Paulo, os fatores causadores de estresse são em maior quantidade e mais freqüentes", explica o psicólogo, que é também diretor científico do Instituto Paulista de Estresse (IPSPP). No entanto, justamente por essa "convivência obrigatória", estudos e pesquisas revelaram novidades estimulantes. O nervosismo, a irritação e a impaciência, comuns numa vida na cidade - além de fenômenos fisiológicos e até do surgimento de doenças de origem psicossomática -, são, na verdade, uma reação ao processo biológico que se denomina estresse. No entanto, a interpretação do organismo pode ser diferente, dependendo da personalidade do indivíduo e, claro, da situação a que ele está sendo exposto. "Pegue, por exemplo, um congestionamento", retoma Esdras. "Na verdade, nós temos aí pelo menos dois fatores de estresse que atingem e excitam o eixo neuroendócrino de uma pessoa: o atraso e a sensação de imobilidade. Isso pode provocar reações típicas de uma situação estressante: taquicardia, transpiração, contração dos músculos etc. Ou seja, o processo metabólico começa a produzir mais adrenalina, ou mais cortisona, seus níveis de serotonina caem, enfim, todo um complexo endocrinológico (hormonal) se altera em virtude dessa situação, além do processo psicológico que leva a pensamentos e sentimentos. Porém, você possivelmente pode encontrar uma pessoa que vá sair do carro para ver o que está acontecendo, vai buzinar, tentar passar na frente, enquanto outra pode aproveitar para pôr a leitura em dia, ouvir uma música e dizer 'não posso fazer nada, isso é São Paulo'."
Armadilhas urbanas
 Outro ato simples que a cidade torna uma verdadeira provação é o de andar a pé. Embora o trânsito indique que parece não mais haver lugar para tantos carros, a caminhada não é estimulada. Ou seja, se São Paulo é cruel com os motoristas, não é muito mais afável com os pedestres. A primeira prova disso são as calçadas. Quando não são incompreensivelmente estreitas, como acontece na região da avenida Luís Carlos Berrini, zona sul da capital, estão lotadas de vendedores ambulantes, como se pode ver no centro de São Paulo, ou mal cuidadas e cheias de "armadilhas". Irregularidades envolvendo calçamentos estão previstas na Lei Municipal 10.508, aprovada e regulamentada por decreto em 1988. Mas basta caminhar alguns metros pelas ruas de qualquer bairro paulistano para perceber que a "calçada ideal", moldada pela lei, é praticamente uma utopia. O secretário de Implementação de Subprefeituras, Jilmar Tatto, reconhece que são "poucos" os passeios que respeitam as condições exigidas. Contudo, ele não titubeia em opinar que a falta de conhecimento das leis agrava o descaso às calçadas. Discussões jurídicas à parte, o fato é que o resultado final da equação, digamos, dói. Literalmente. Laurindo Junqueira, ex-secretário dos Transportes de Santos e de Campinas, cita uma pesquisa realizada pelo Hospital das Clínicas de São Paulo, que apontou que 19,2% das pessoas que procuram os setores de ortopedia e traumatologia foram acidentadas em calçadas, sem que a causa tenha sido o automóvel. "O ato de caminhar é um modo de locomoção muito significativo, mas relegado a segundo plano quanto aos investimentos governamentais", afirma Junqueira. "As calçadas são invadidas por interferências, como equipamentos de infra-estrutura urbana, postes, caixas de correio, lixo, placas de sinalização, além da presença do comércio ambulante e dos buracos, desníveis, irregularidades e rampas", diz.
Prevenir e remediar - Dicas para minimizar os efeitos da atribulada vida na cidade
Detectados os males que a cidade pode causar ao corpo e à mente, é preciso saber o que fazer para amenizar tais conseqüências. A fisioterapeuta e terapeuta corporal Maria Cristina Ibiapina alerta para o fato de que, devido à extrema capacidade de adaptação do ser humano, fica difícil perceber possíveis efeitos nocivos até que alguma coisa efetivamente dê errado, como uma crise de estresse ou até mesmo o surgimento de alguma doença. E a palavra-chave nesses casos é uma só: consciência. "A consciência corporal lida muito com a saúde mental também. As duas coisas estão muito juntas", explica Maria Cristina. "Na verdade, quando você fala do corpo, não pode se referir a ele na terceira pessoa, o corpo somos nós, corpo e mente são duas coisas juntas." O primeiro passo para essa necessária integração é reconhecer as ações, prestar atenção ao modo como respiramos, caminhamos e até mesmo como pisamos no chão. "O que acontece é que as pessoas - até por causa da nossa cultura muito voltada para o externo - se preocupam muito com a boa forma relacionada ao chamado fitness, o esteticamente belo. Mas, na verdade, um corpo belo é um corpo hábil para fazer tudo o que você quiser." As medidas preventivas são mais simples do que podemos imaginar. Pela manhã, antes do banho, procure alongar o corpo e prepará-lo para o dia que está por vir. À noite, momentos de relaxamento também são essenciais. Uma boa dica é a meditação. "Ela faz com que a pessoa se interiorize um pouco e perceba como ela é e como está se sentindo. É preciso aprofundar-se no autoconhecimento e diminuir um pouco o acelerado ritmo das ondas mentais causado pela pressão do cotidiano." Procurar fugir da loucura urbana é outra medida recomendada. Um final de semana no campo, praia ou em qualquer lugar mais próximo à natureza, além de um exercício de lazer, serve para recarregar as baterias. "Faz bem procurar, pelo menos dois dias por semana, ouvir o som da natureza, respirar ar puro e praticar atividades físicas ao ar livre, em lugares limpos", indica a terapeuta. Porém, se o tempo é curto mesmo nos finais de semana - ou se a realidade financeira não permite essas benéficas escapulidas semanais -, vale também aquela caminhada no parque ou até mesmo momentos agradáveis com os amigos. O que não pode acontecer é deixar a rotina massacrante da metrópole se colocar entre você e a sua qualidade de vida.
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