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Um panorama das entidades internacionais de cultura que atuam no Brasil revela a importância do intercâmbio, difusão e parceria nas artes
O filme Central do Brasil foi o grande premiado da 48ª edição do Festival de Berlim deste ano, trazendo para o país o Urso de Ouro de melhor filme e o Urso de Prata de melhor atriz, além do prêmio do Júri Ecumênico. A premiação simboliza muito mais do que o simples reconhecimento da grandeza e sensibilidade do filme do diretor Walter Salles Jr. O sucesso no festival ajuda no retorno da cinematografia brasileira ao cenário internacional. O que muita gente não sabe é que, por trás do mérito da produção brasileira, está também uma organização estrangeira. "O filme Central do Brasil foi co-produzido pelo Canal Plus, canal de televisão francês. Queremos sempre apoiar o cinema em diferentes países", diz Jean Claude Reith, diretor-geral da Aliança Francesa em São Paulo. "A França está entre os países que pensam a cultura não como uma mercadoria qualquer, porque a cultura não pode estar dentro de um mercado global, à mercê de outras potências que têm outras idéias. Defender a singularidade cultural dos povos é uma briga interessante, porque senão vamos todos falar inglês, ouvir Spice Girls e ver somente filmes hollywoodianos", diz Reith.
A Aliança Francesa, fundada em Paris em 1883, com o objetivo de difundir a língua e cultura francesas ao redor do mundo, associou-se ao Estado francês após a Segunda Guerra. Hoje o vínculo entre as diferentes Alianças ao redor do mundo e o governo é muito grande, mas cada uma se autofinancia, e o governo colabora através da AFAA - Associação Francesa de Ação Artística - uma associação com subvenção do Ministério das Relações Exteriores.
Assim como a Aliança, há muitas organizações e institutos estrangeiros, vinculados ou não aos seus governos, que se estabeleceram no país com a intenção de difundir sua cultura e sua língua, e também colaborar e incentivar produções nacionais. Em geral, têm uma política cultural bem definida e independente, com autonomia total de ação, mas são dependentes em parte ou totalmente do governo de seus países e seguem a linha e orientação geral de seus consulados e embaixadas. Os organismos estrangeiros promovem e enriquecem o cenário cultural brasileiro, acrescentando dinamismo à diversidade cultural do país. Mas qual a importância de trazer ao Brasil essa diversidade cultural?
Para Bruno Fischli, diretor do Instituto Göethe em São Paulo, a manutenção das diferentes culturas é assunto primordial na política exterior dos países. "Acredito na idéia de que uma eventual guerra, no futuro, não será mais por terras, por fronteiras. Será uma guerra cultural. As diferentes culturas que existem no mundo têm um potencial de conflito muito grande. Quando não estimulamos o diálogo, o intercâmbio entre as diferentes culturas, temos um desenvolvimento perigoso. É muito importante entender, e principalmente aprender um com o outro".
Além da importância da compreensão de outras culturas, a natureza da política externa é dual. Ela obedece à articulação entre os interesses nacionais e as perspectivas no âmbito internacional. Assim, a tarefa dos países por meio de seus Ministérios das Relações Exteriores é buscar fazer prevalecer os interesses específicos daquela sociedade, por meio do diálogo e da cooperação com os demais países. No cenário internacional contemporâneo, a capacidade de uma nação para ocupar espaços políticos relevantes e beneficiar-se de oportunidades econômicas dependerá fortemente de sua habilidade em transmitir uma imagem positiva.
"A diplomacia cultural sempre constituiu uma dimensão essencial da política estrangeira", diz Reith. Sua importância vai muito além de um intercâmbio de produções e manifestações artísticas. "A diplomacia deve ser sempre uma combinação entre acordos comerciais, discussões políticas e manifestações artísticas", diz Wendy Jordan, do British Council. "Não dá para separar o aspecto cultural do aspecto econômico e político na diplomacia entre os países", completa Reith.
"Essa é a beleza de nosso trabalho, estar enquadrado dentro de uma política muito mais ampla, mas mantendo sempre uma independência. Queremos promover maior diálogo" diz Maria Estela Correa, diretora cultural USIS, serviço de divulgação e relações culturais dos EUA.
No caso específico da USIS, esse diálogo é importante para a nova estratégia da organização. A USIS é o nome no exterior da USIA, uma agência independente cuja função é exercer a diplomacia pública no exterior, através de relações culturais, organização de eventos e relações com a imprensa. Nos últimos anos, a USIS mudou sua filosofia em relação às prioridades de eventos. "O Brasil já está inserido no eixo cultural dos grandes países. A cidade já recebe artistas de todas as partes, com muitos eventos e apoio cultural de inúmeras empresas. E é inegável a importância da política exterior de comércio entre Brasil e EUA. Dessa forma, nossa ênfase agora é para assuntos voltados ao Comércio Exterior, Direitos Humanos, Meio Ambiente, o problema das drogas, questões sociais e educação. Queremos um mercado mais livre e aberto no Brasil", diz Kurakani, diretor consular da Embaixada Americana em São Paulo. "Não uma intervenção direta, mas um intercâmbio de caráter educacional-cultural, de troca de idéias e experiências, com parcerias brasileiras que compartilhem essa idéia de aproximação e compreensão entre os povos", completa Maria Estela.
Tornar-se conhecido no mundo é fundamental. Por outro lado, é preciso desfazer imagens estereotipadas do seu país. A riqueza singular da cultura de cada nação representa um importante caminho para o enriquecimento de visões simplificadas dos povos."O Ministério das Relações Exteriores da França tem por objetivo difundir uma imagem jovem e contemporânea da França, influenciada por muitas culturas, entre elas as culturas mediterrâneas, da Argélia, Tunísia, Marrocos e ex-colônias. É uma tendência, de ter uma imagem de um país que recebe influências e que, mais que assimilar, quer integrá-las", diz Reith.
O British Council tem preocupações semelhantes. "Queremos mostrar que a cultura no Reino Unido não é só Shakespeare, não é só o tradicionalismo da coroa britânica. Equilibrar isso com manifestações artísticas contemporâneas", diz Jordan. O British Council, com mais de 60 anos no Brasil, administra projetos de parcerias entre instituições brasileiras e britânicas, com o objetivo de fomentar vínculos entre os dois países, apoiar a criação ou consolidação de cursos acadêmicos e pesquisa conjunta ou o desenvolvimento de atividades que trarão benefícios à comunidade.
Já a Fundação Japão, uma organização do governo japonês com uma política cultural autônoma, ainda que financeiramente dependente, se preocupa com a imagem conservadora do Japão e busca sempre, em seus projetos, apresentar uma visão de cultura menos protocolar, menos burocrática. A Fundação atua na promoção de espetáculos de teatro clássico e de vanguarda, festivais de cinema e mostras, exposições itinerantes, bienal de artes, intercâmbios e bolsas de estudo na área acadêmica.
São muitas as organizações que, além da promoção da cultura, também se preocupam com a difusão da língua. "Albert Camus dizia: 'Minha pátria é a língua francesa', e Georges Pompidou dizia que 'através da cultura e da língua francesa é que existimos no mundo, que somos um país que se destaca'", referencia Reith. Hoje existem mais de 1.060 Alianças Francesas em mais de 140 países e cerca de 318.000 estudantes de língua francesa. "Temos de ter consciência de que se não defendermos nossa cultura vamos desaparecer, e nossa identidade se expressa através da língua e da cultura. Essa luta é uma luta global, não é uma luta elitista, e nesse sentido a Aliança Francesa tem esse papel também, de pôr ao alcance de todos essas diferentes expressões culturais", diz Reith.
O Instituto Göethe também difunde a língua alemã nos seus institutos espalhados pelo país, mas seu vínculo com o governo é diferente dos franceses. "A idéia de criar uma organização cultural autônoma, ainda que financeiramente auxiliada pelo governo, surgiu após a Segunda Guerra mundial, para evitar o controle político ou a parcialidade no incentivo às demonstrações artísticas de qualquer natureza", explica Fischli.
Outras organizações não atuam diretamente no ensino da língua, mas se preocupam na metodologia de ensino. É o caso da Fundação Japão, que acompanha os trabalhos da Aliança Cultural Brasil - Japão no ensino do japonês, e promove oficinas e cursos com especialistas japoneses para orientação metodológica de professores de universidades. O ensino da língua inglesa também não está no escopo de trabalho do British Council, mas o trabalho é feito pelas Culturas Inglesas, uma associação brasileira que tem cursos de língua inglesa em todo o país, além de atuar também na difusão cultural. Escolhendo Artistas
A escolha dos eventos e espetáculos a receberem colaboração varia em função da organização, mas todos buscam a qualidade dos trabalhos e a adequação aos interesses do Brasil. A Aliança Francesa tem um sistema de seleção de eventos bem estabelecido. Durante o Festival Anual de Teatro de Avignon, diretores das Alianças Francesas se encontram com a coordenação da AFAA e são definidos artistas, planos de turnês, países interessados. "No caso específico do Brasil, neste mês temos uma reunião com as Alianças de Brasília e Rio de Janeiro, onde discutiremos os possíveis eventos a serem definidos em Avignon. Se vamos continuar com o novo circo francês ou não, se é possível trazermos teatro francês sem tradução, ou se criamos um esquema com legendas", diz Reith.
Em outros institutos, essa seleção é mais informal. A Fundação Japão pode atender às solicitações de instituições brasileiras, como a Bienal de Artes, ou receber propostas de grupos japoneses através da sede da Fundação, em Tóquio. "No Festival de Outono do Sesc, em 97, trouxemos o teatro Nô no Parque da Independência e, como a reação foi muito boa, repetimos este ano", diz Jô Takahashi, da Fundação Japão. Dentro dos eventos comemorativos dos 90 anos da imigração japonesa no Brasil, em parceria com o consulado e a embaixada, trouxeram os dois teatros clássicos japoneses: Kyôgen e Nô. Em uma das apresentações do teatro cômico Kyôgen, atores decoraram algumas falas engraçadas em português. "Foi uma concessão da arte secular, ou ainda uma licença poética para agradar ainda mais o público brasileiro", ilustra Takahashi.
O British Council geralmente é procurado pelas instituições brasileiras para auxiliar na indicação de artistas que possam representar a Inglaterra em eventos culturais periódicos, como Bienal de Artes, festivais de filmes, teatro e música. "A escolha dos artistas é feita de forma muito cuidadosa, buscando sempre o que é novo para o público brasileiro e eventos que fujam do estereotipado, do esperado", diz Jordan. O principal critério é a excelência do trabalho. "O público brasileiro é muito bom, de muita qualidade. Dessa forma, buscamos sempre trazer trabalhos de altíssima qualidade, que sejam interessantes para o público". Alguns promovidos pela Cultura Inglesa, como o YAF - Young Arts Festival, em associação com o Sesc, a Secretaria do Estado da Cultura e Senac. Intercâmbios com o Brasil
Artistas brasileiros são também incentivados por estes eventos. O grupo de teatro brasileiro Pia Fraus apresentou no Sesc Pompéia, dentro do YAF, a peça Éonoé, uma cosmogonia. "Nossa prioridade é a cooperação para trazer artistas ingleses para o Brasil, mas atuamos também levando artistas brasileiros para espetáculos na Inglaterra, como o grupo Pia Fraus, premiado no Festival de Edimburgo, em 97", diz Jordan. Nas comemorações da visita do presidente Fernando Henrique Cardoso ao Reino Unido, em dezembro de 97, o British Council convidou dois artistas brasileiros, Walter Novaes e Tatiana Grinsberg para serem artistas residentes na Gasworks Gallery, em Londres.
Muitas vezes, além dos espetáculos são realizados workshops. "Trabalhamos com especialistas japoneses em teatro Nô e convidamos bailarinos, atores e diretores brasileiros. Esse tipo de intercâmbio é muito importante para nós, porque há muito crescimento cultural", diz Takahashi. A troca de experiências também interessa à USIS. "Queremos levar brasileiros atuantes no mercado financeiro para aprofundar conhecimentos da bolsa de valores norte-americana, assim como trazer especialistas em protecionismo e relações comerciais hemisféricas", diz Kurakani.
Muitas vezes, os institutos colaboram com eventos sem nenhuma relação com seus países, como o Göethe, cedendo seu auditório para produções inteiramente brasileiras, e a Aliança Francesa, que abriga há 11 anos o grupo de teatro TAPA. Escolhendo Parceiros
Além das parcerias com embaixadas e consulados, os institutos estrangeiros promovem parcerias com institutos brasileiros com recursos próprios, vinculados aos seus países, como é o caso das parcerias entre o British Council e a Cultura Inglesa, entre a USIS e a União Cultural Brasil - Estados Unidos e entre a Fundação Japão e a Aliança Cultural Brasil - Japão.
Geralmente, os projetos promovidos por organizações estrangeiras sempre têm a preocupação de contar com parcerias brasileiras. "As parcerias são muito importantes para facilitar nossa entrada na programação cultural do país. Os parceiros sempre ajudam com propostas de espetáculos e são muito bem informados sobre o que é interessante mostrar ao público. Sem eles nosso trabalho ficaria muito mais difícil, menos encaixado no cenário cultural brasileiro", diz Jordan. Apesar de ocorrerem de diversas formas, as parcerias seguem uma política comum. "Os eventos devem ser gratuitos ou com preços muito acessíveis, e nunca restritos a pequenos grupos. Podemos buscar parceiros nas empresas privadas, para apoiar financeiramente o evento, mas tem que ser acessível ao grande público", diz Reith. Normalmente, os governos financiam o transporte dos artistas e a carga. Os parceiros brasileiros ficam responsáveis pela produção local, espaço, mídia e hospedagem. "Isso se encaixa perfeitamente com a política do Sesc. Temos os espaços, a logística e todo o apoio técnico", diz Ricardo Fernandes, do Sesc Paulista.
A filosofia do Sesc é a promoção de manifestações artísticas vinculadas às pesquisas de linguagem. "Estamos interessados em fugir da linha tradicional, das grandes companhias e orquestras com ingressos caros. Buscamos sempre eventos estreitamente vinculados a estudos e pesquisas, centros experimentais de música, de teatro. O ingresso deve ser acessível a toda a comunidade, de graça ou com preços simbólicos. Isso vai ao encontro das necessidades dos institutos estrangeiros", diz Ricardo. "Com o Sesc, nós da Aliança Francesa encontramos um parceiro que segue exatamente essa linha: cultura para todos, não para privilegiados", diz Reith. "O Sesc, nosso principal parceiro, sempre nos oferece, tanto política, técnica e logisticamente, em todas as distintas unidades, uma resposta excelente, tanto em público como em satisfação dos artistas. Trabalhamos também com a Prefeitura, com a Secretaria do Estado, USP, e os resultados também são sempre muito positivos", complementa Takahashi, da Fundação Japão.
Através das parcerias, surge com o tempo um relacionamento de trabalho sério e de confiança, gerando também intercâmbios técnicos entre os parceiros. O diretor de teatro Antunes Filho, do Centro de Pesquisas Teatrais do Sesc, participou do programa de intercâmbio no Japão. "Este ano, o professor Danilo foi convidado para conhecer nossos trabalhos na área cultural", diz Takahashi, em referência ao Diretor Regional do Sesc de São Paulo, Danilo Santos de Miranda.
Quando instituições de diversos países se unem, um grande evento cultural é possível, trazendo ricas atrações internacionais. No outono de 97, em várias unidades do Sesc, países como Índia, Espanha, França, Alemanha, Japão e EUA trouxeram um colorido caleidoscópio de espetáculos, em uma temporada memorável, a Temporada Sesc Outono 97, com um mês de apresentações nacionais e internacionais.
Cenas pitorescas também ocorrem. "Uma tragédia grega, encenada ao ar livre, no frio e no vento, à noite, e ainda falada em japonês e inglês, e mesmo assim tivemos um público excelente no evento", conta Takahashi sobre a apresentação do espetáculo da Companhia Suzuki de Toga, em 1993, no Parque da Independência. Nesse mesmo espaço foi apresentado um espetáculo de teatro Nô, iluminado apenas por tochas, como era feito na Idade Média, dentro do Festival de Outono. As apresentações reuniram cerca de 2.000 pessoas. "Nesse espetáculo, 70% da platéia era de brasileiros não-descendentes", diz Takahashi. Uma prova de que a platéia brasileira está preparada e interessada em espetáculos de outras culturas. Projetos para o Futuro
A Aliança Francesa está trazendo mais uma vez o novo circo francês, com técnicas circenses aplicadas na arte cênica, seja dança, teatro ou música, numa releitura do circo tradicional. "Também em outubro vamos incentivar um projeto de difusão da nova música jovem pop francesa, com a turnê da Orquestra Nacional de Barbes, composta por 15 jovens desse bairro árabe de Paris. Eles foram a revelação do ano passado na França. O som é uma mistura de rock argelino com flamenco espanhol e música francesa", diz Reith. Já o British Council enfoca em 98 a arte, arquitetura e o design, com eventos itinerantes, como o debate já realizado Cidade 2000 - Regeneração Urbana para o Milênio, com a participação de experts britânicos em regeneração urbana e arquitetura e arquitetos e urbanistas brasileiros. "Além disso, estamos trazendo grupos de teatro e também o artista Michael Craig Martin, nosso convidado a participar da Bienal de Artes de São Paulo deste ano", diz Jordan.
A Fundação Japão apóia o ciclo do Novo Cinema Japonês na década de 90, em parceria com o MIS, e uma exposição de gravuras contemporâneas no seu recém-inaugurado espaço cultural. A USIS, seguindo a tendência de incentivo às relações de comércio exterior, promove uma série de mesas-redondas sobre a ALCA com especialistas americanos, e participação da USP, Unicamp, FGV, Fiesp e o Centro de Comércio dos EUA. "Em 1999 estamos programando um evento de âmbito nacional sobre a parceria de comércio e mercado entre Brasil e Estados Unidos no século 21", conta Kurakani. Além disso, trazem Julia Plath, representante oficial na Bienal.
Este ano, o diretor Márcio Aurélio vai dirigir Ismael Ivo no espetáculo de dança-teatro O Beijo no Asfalto, de Nelson Rodrigues, em Weimar, na Alemanha, e farão turnê pela Europa e Brasil, em parceria entre Sesc e Instituto Göethe. "Estamos planejando também um simpósio sobre Globalização e Tradição, em diversas metrópoles pelo mundo, provavelmente com videoconferências pela Internet. Nossa idéia é que resultem num grande evento, em Berlim no ano 2000, para discutir a globalização da cultura mundial, " diz Fischli.
Neste século assistimos ao colapso de velhas instituições e o surgimento de novos modos de pensamento, provando a tendência rumo à crescente interdependência e integração da humanidade. A tendência da globalização pode ser observada em uma variada gama de fenômenos, desde a fusão dos mercados financeiros mundiais até a construção de sistemas de comunicações e transportes em nível global, passando pela compreensão ecológica do planeta como organismo vivo. Essa tendência cristaliza nossa percepção de que somos um só povo, rico em diversidade, habitando um lar comum. A capacidade humana para a cultura permite sua abordagem de modos bem diferentes e cheios de matizes. As diferenças, geralmente muito profundas, entre essas culturas não devem nunca ser vistas como divisões entre os povos. Pelo contrário, as diferentes culturas devem ser interpretadas como aquilo que realmente são: a expressão máxima do que significa pertencer à espécie humana. 1968
Se o futuro aponta para a uniformidade e globalização da economia, política e cultura mundiais, o passado não pode ser deixado para trás. A troca de experiências entre diferentes países sobre acontecimentos que marcaram o mundo é uma saída para a compreensão das relações humanas entre os povos e serve de orientação para o caminho a ser trilhado nas associações do mundo globalizado. Em junho o Sesc Vila Mariana apresentou o seminário 1968 - 30 anos depois, uma produção do Sesc em parceria com a Aliança Francesa, o Instituto Göethe, os consulados alemão e francês, a Unicamp e a Fundação Perseu Abramo. O evento trouxe especialistas alemães, franceses e brasileiros que, nos três dias de seminário, discutiram a dimensão internacional do movimento de 68 e avaliaram seu impacto neste fim de século. "A crise das idéias e práticas políticas desvirtuaram o poder e a importância de 68. A idéia do seminário era discutir qual foi a verdadeira herança de 68 para a política mundial de hoje, quais foram os pontos positivos e negativos. No seminário falamos sobre o comportamento da mulher, a ecologia, a compreensão da democracia, coisas que ficaram mas também o que esquecemos daquele movimento", diz Bruno Fischli, do Instituto Göethe.
E qual a importância das parcerias num evento como esse? Segundo Jean Claude Reith, da Aliança Francesa, uma parceria como esta é fundamental e deve continuar. "Acho que, cada vez mais, temos que trabalhar no sentido da união européia e, nesse aspecto, a Europa está se fazendo a partir de um eixo França - Alemanha, são os países motores da Europa. É natural que no mundo inteiro a Aliança Francesa e o Instituto Göethe, que têm histórias distintas mas uma filosofia de trabalho parecida, com muito respeito à cultura do outro e a vontade de difundir a cultura e cooperar, tenham cada vez mais trabalhos em comum. Na verdade, os povos querem sempre estar unidos, o que precisam é de líderes políticos que trabalhem para essa união. Na abertura do seminário tínhamos um francês, um filósofo alemão, e no meio um estudioso brasileiro. Foi realmente um momento privilegiado, essas três pessoas juntas falando da mesma coisa, mas de maneiras muito distintas, contando experiências únicas. E que isso tenha acontecido no Sesc não é casualidade, era o lugar para isso, porque se falava de um assunto do povo, não era algo intelectual, elitista.