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Muito além do enlatado

O CineSesc inaugura cineclube e traz à cidade filmes inéditos e clássicos de todas as épocas. O público participa da escolha da programação pela Internet

Alguns filmes ultrapassam os limites da tela e de seu período de duração. Num passe de mágica, dizem, certas histórias cavam lugar na honrada seara de eventos capazes de mudar nossa vida. Não é privilégio do cinema - porque todas as demais expressões artísticas possuem força para tomar o ser humano de assalto, através da emoção. E jogá-lo à lona, às vezes. Certamente é o alcance mais nobre que um artista deseja com seu trabalho. A sensação de que "algo saiu do lugar", logo depois de os letreiros começarem a subir pela tela, é sempre muito boa. Quem nunca sentiu isso ao fim de uma sessão?
É o que vem buscando a equipe do CineSesc em 25 anos de projeção, ao escolher o que vai ocupar a tela mais cult da paulicéia. "Um bom filme exalta o espírito, emociona e estimula o pensamento, incorpora outros pontos de vista. Vai muito além de ser um produto meramente comercial. É isso que buscamos aqui", explica Luiz Zakir, gerente do CineSesc.
Desde o mês passado, toda essa preocupação em abastecer o circuito com bons filmes juntou-se à vontade de diversificar ainda mais a oferta da programação e dar espaço a fitas com poucas chances nos cinemas da cidade.
Tratar de achar lugar no pódium para tesouros que não são campeões na bilheteria, mas em outra esfera. Com isso em mente, a equipe do CineSesc inaugurou em julho o seu Cineclube. O projeto é permanente, abrirá horário alternativo para as sessões (confira no Caderno de Programação) e trará títulos inéditos e clássicos antigos, além de promover debates ao fim de algumas projeções. A maior novidade do cineclube é, no entanto, sintoma mesmo de tempos modernos. O público poderá participar da escolha da programação através do site do Sesc (www.sescsp.org.br). Além de enviar sugestão de títulos, o internauta pode também participar de um fórum e trocar figurinha sobre cinema com demais aficionados. "É claro que não poderemos atender a todos os pedidos. Mas eles serão anotados e faremos o possível", promete Zakir.
A programação também será contemplada com títulos mais recentes que já estiveram no circuito e que a equipe do CineSesc acredita merecerem ser revistos. "O público de cinema se renova muito. Achamos que algumas fitas merecem reprise no circuito mesmo que tenham estado em cartaz há cinco, seis anos", conta Juliano Tosi, da equipe de programação. Haverá também debates após algumas exibições. "Será um espaço onde as pessoas poderão refletir e depois conversar sobre o filme. Enfim, a gente quer mostrar que o cinema pode divertir, dar prazer, ser entretenimento e ao mesmo tempo informar, auxiliar a nossa formação", frisa Zakir.

Clube e cinema
A primeira exibição pública de um filme que se tem notícia aconteceu em 1895 em um café parisiense. A tela era de tecido e o aparelho de projeção foi colocado sobre um banco disposto à frente de uma centena de cadeiras arrumadas para que seus espectadores se acomodassem. Na entrada do café, uma faixa anunciava o valor cobrado, um franco, para assistir às imagens do Cinematógrafo Lumière. À época eram em estabelecimentos comerciais, como mercearias e cafés, onde aconteciam as exibições. Sempre durante a noite, quando o caixa tilintava a última venda e o espaço ficava sem uso. Ao público, só restava o encantamento de ver pela primeira vez imagens em movimento. Entre compotas e aroma de café, nascia o cinema e com ele um grupo de apaixonados por toda aquela aura que envolvia o programa. Anos depois, as imagens em movimento foram alçadas à condição de sétima arte. Já esses apaixonados respondem pelo nome de "cinéfilos". Com a nova arte firmada, o cinema começou a criar memória e um público aficionado por ele. Nasceram os cineclubes. No Brasil, o primeiro cineclube foi fundado, em 1926, pelo crítico e diretor carioca Adhemar Gonzaga. Junto com amigos ele criou o Clube do Paredão e, em 1926, o grupo lançou a revista Cinearte, que circulou até 1942. A publicação reuniu os nomes mais importantes do cinema brasileiro daquela época.
Não há um conceito exato para definir o que seja exatamente um cineclube. Mas se sabe que nesse solo sagrado, o deus está projetado em uma enorme tela e é apreciado em todos os seus detalhes. "O que o cineclube tem de mais relevante é a importância da memória", explica Leon Cakoff, organizador da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. "Ele traz de volta o que está em outro tempo e aproxima lugares e situações que estão muito longe. Isso é importante para deixarmos nossos preconceitos de lado, ainda que só notemos isso depois. O cinema é um excelente agente para isso." Cakoff analisa que todo filme é um retrato de época mesmo que não seja um filme de época, pois ele transmite o conceito de um tempo sobre ele mesmo ou sobre outro. "O cineclube é muito importante porque trabalha com acervo, isto é, com memória." Portanto um cineclube é um lugar onde são reapresentados filmes antigos? Também, mas não só. O gerente do CineSesc retoma apontando outra característica de um cineclube: "É um ambiente onde se vive cinema de uma forma mais ampla, mais intensa. É um lugar onde há a oportunidade de ampliar o filme. Você não é simplesmente espectador; mas também debate, discute, conhece outras opiniões sobre o filme e conseqüentemente novas facetas da obra", diz Zakir.
O cineasta Ugo Giorgetti, cuja obra em agosto ocupa a tela do Cineclube CineSesc, também acredita que memória e debate sejam a essência de um cineclube. "Meu conceito de cineclube respeita o próprio enunciado da palavra: uma associação de pessoas particularmente adeptas de determinado tipo de filmes e que se reúnem para assisti-los e comentá-los. Eles são importantes porque em geral se preocupam com filmes pouco visíveis no circuito normal de cinema. São associações que tendem a preservar e divulgar cinematografias." Cakoff ressalta ainda que o ambiente cineclubístico é importante por ser democrático. "É como uma confraria, mas não é uma igrejinha. O cineclubismo é aberto, universal e dá a chance de rever ou ver pela primeira vez filmes que não são mais de fácil acesso. Antigamente isso só seria possível se você pertencesse a uma cinemateca ou a uma casta de privilegiados que tinha acesso aos acervos. Houve uma época em que a memória do cinema morria com o espectador que havia participado daquela exibição. Não havia vídeo, DVD, TV paga ou aberta. Imagine, então, como os cineclubes são e foram importantes na história do cinema", ressalta Cakoff.
Na prática, o cineclube traz a chance de se deliciar com filmes projetados naquela telona que não poderiam mais ser vistos da poltrona de um cinema. Seja porque já foi exibido há muito tempo ou porque nunca será. Pode até haver em vídeo, DVD ou ser exibido em um canal por assinatura, mas nada se compara a assistir um bom filme, depois que as luzes se apagam e o projetor começa a rodar. É o prazer do tal escurinho do cinema, "longe de qualquer problema", como já disse Rita Lee em sua canção Final Feliz.

Programaço - Nações unidas pelo cinema
Montar a programação de um cineclube não é tarefa das mais fáceis, ainda mais quando a idéia é trazer filmes inéditos, além daqueles que já estiveram no circuito há um tempo. Para isso, a equipe do CineSesc fez uma busca em distribuidoras e contou com a participação de entidades culturais de alguns países, além de consulados. Mutirão de esforços que valeu a pena. Com a ajuda do consulado da Bélgica, o cineclube foi inaugurado com chave de ouro. A Promessa (1996), dos irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne, abriu a programação do evento no dia 8 de julho. Outro destaque ficou por conta de Rosetta, também dos irmãos Dardenne, ganhador da Palma de Ouro do Festival de Cannes, em 1999, e nunca antes exibido no Brasil. A busca em distribuidoras também rendeu achados primorosos. "Descobrimos raridades como Cinzas que Queimam, Down By Law e uma cópia em 16mm de O Segredo da Porta Fechada, de Fritz Lang", conta Juliano Tosi, da equipe de programação do Cineclube CineSesc, que tem recebido uma média de 130 pessoas por sessão. A cada mês o cineclube homenageará um diretor brasileiro. Em julho, os filmes de Domingos de Oliveira como Amores, Edu Coração de Ouro e A Culpa estiveram em cartaz. Neste mês, a mostra traz os trabalhos de Ugo Giorgetti. A programação terá ainda clássicos como Luzes da Ribalta (1952), de Charles Chaplin, O Segredo da Porta Fechada (1947), de Fritz Lang e Veneno (1991), de Todd Haynes.