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Fotografia
Produção de gente grande

por Rubens Fernandes Júnior

O professor, pesquisador e crítico de fotografia Rubens Fernandes Júnior fala, em depoimento exclusivo à Revista E, sobre a produção brasileira contemporânea e sobre os motivos pelos quais ela ocupa, hoje, um lugar de destaque no cenário internacional

"A fotografia brasileira é importante e ponto. Historicamente, inclusive. O Brasil foi, por exemplo, o primeiro país da América Latina a ter um daguerreótipo (aparelho primitivo de fotografia, inventado pelo francês Louis Daguerre, considerado o inventor da primeira máquina fotográfica). Foi no Brasil que Hercule Florance propagou pela primeira vez, em 1833, a palavra fotografia. E deixou-a registrada seis anos antes dos europeus. Foi o Brasil que teve um imperador, Dom Pedro II, que colaborou decisivamente para disseminar a fotografia no País. Ele foi o primeiro monarca do mundo a ter o seu fotógrafo oficial, antes da Rainha Vitória da Inglaterra, em 1851. Ou seja, nós temos uma tradição fotográfica.
A produção brasileira, hoje, ocupa lugar de destaque nas manifestações das artes visuais no Brasil e no mundo. Ela é superbem vista tanto na Europa quanto nos EUA. Pesquisas de revistas como a belga Clichê e a francesa Photo colocam a produção brasileira em fotografia entre as cinco melhores do mundo. Trata-se de uma fotografia que foi se consolidando culturalmente. O impacto que ela provocou nas iconografias do século 19 foi sendo "amortecido" ao longo dos anos. E é na década de 1980 que a fotografia começa a se consolidar, tanto interna quanto externamente. Um dos destaques é na área documental. Existe um novo olhar documental brasileiro hoje, seguramente, e esse olhar é diferente da fotografia documental dos anos de 1950 ou 1960, ou mesmo do século 19. Além disso, existe a fotografia de ordem mais pessoal, que você pode chamar de fotografia criativa, ou fotografia autoral - embora eu não goste desses nomes, afinal a fotografia de jornalismo ou publicidade não deixa de ser autoral - muito boas. O que acontece é que hoje o processo fotográfico ganhou importância e hoje está próximo de outras manifestações. Ele se aproxima, às vezes, da instalação, noutras do vídeo, do cinema e da escultura. Enfim, essa contaminação enriqueceu muito o fazer fotográfico. A produção contemporânea brasileira não consiste mais em tirar fotografia, mas sim fazer fotografia. E isso envolve uma atitude e um processo que acabam ganhando uma importância muito grande na apresentação final da imagem. É essa fotografia que tem conquistado um espaço interessante nas galerias do Brasil e do exterior.

O que destaca a nossa produção é principalmente o talento do nosso artista. Nós não temos disponível no mercado brasileiro o que a Europa e os EUA têm em termos de diversidade de papéis, químicas e demais produtos. O artista brasileiro acaba se apropriando de um material, ou mesmo produzindo um, para dar uma resposta que ele está de certa forma buscando. Nesse sentido, ele tem de fazer um percurso muito mais difícil, mas, ao mesmo tempo, muito mais criativo, afinal ele acaba se superando. E claro que nessas pequenas superações técnicas ele acaba descobrindo situações em que o fotógrafo que compra o material pronto não descobre. E nessa trajetória do processo criativo, importantíssimo de se destacar, o nosso fotógrafo/artista acaba desenvolvendo um trajeto no qual ele tem de se superar, se defrontando a todo instante com o acaso. É essa imprevisibilidade que acaba dando para a fotografia brasileira uma qualidade que as outras não têm.
O que é fascinante no Brasil é a diversidade de processos criativos. Você tem fotógrafos que trabalham com grandes formatos, outros que trabalham com formatos médios, e ainda outros que trabalham em 35, que é o pequeno formato. Existem aqueles que atuam na seleção do seu material tecnológico, no filme, por exemplo. Tem fotógrafos que trabalham no processamento, na revelação do positivo e do negativo. Há os que produzem o seu próprio papel para imprimir a sua imagem. Outros que trabalham com filmes e banhos vencidos. Enfim, no fundo são os diferentes e inúmeros processos que acabam convergindo para uma coisa só, que é a fotografia brasileira contemporânea."