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Música 1
Ao som da batida
Festivais como Hype, do Sesc Pompéia, e Eletrônicas, do Sesc Consolação, mostram as várias vertentes da música eletrônica
Techno, drum'n'bass, house. Os nomes, embora estrangeiros, são familiares para muitas pessoas - principalmente as mais jovens - que freqüentam os circuitos de música da cidade. Sãos esses os termos que distinguem os ritmos da "cena eletrônica" que parece ter conquistado o mundo. No entanto, essa música, tida como moderna e que é caracterizada pelo intenso uso da tecnologia, não é assim tão jovem. Na verdade, ele vem de antes de sonharmos poder ter um computador em casa, anterior à noção de música digital. Ela vem de uma época em que muitos quarentões se lembram bem: a era dos globos de espelho, das meias cintilantes da novela Dancing Days. "A disco foi o primeiro estilo de música criado especialmente para as pistas de dança e para os clubes", começa explicando a jornalista Claudia Assef, especialista em música eletrônica. "Ela começou em Nova York, bem underground, e estourou no mundo todo com o filme Saturday Night Fever, em 1978." É isso mesmo: foi na época dos requebrados de John Travolta no filme Os Embalos de Sábado à Noite (nome do filme em português), que tudo começou. "Com o sucesso massivo acontecido depois do filme, os DJs de disco
underground começaram a ficar incomodados em tocar um som que havia se tornado tão comercial", relembra. Esses DJs passaram a usar LPs de disco music de uma forma diferente, tirando os vocais e adicionando novas seqüências rítmicas, mais eletrônicas. "Saíram assim boa parte dos vocais e entraram novas batidas, pois as baterias eletrônicas começavam a aparecer nessa época - e estamos falando do início dos anos 1980." A primeira vertente criada foi, então, a house music (ver legenda que explica o ritmo), nascida como uma espécie de resistência ao estilo. O jornalista e DJ Camilo Rocha acrescenta dizendo que mesmo essa atitude contra a popularidade da disco music não trouxe nada de muito novo em termos conceituais. "O house é mais alegre, é feito para dançar e pronto", categoriza. "Já o techno tem pretensões mais artísticas, é mais cerebral, não é só para o corpo." Nascia então mais um parente na árvore genealógica da música eletrônica. "O techno tem sons mais complicados, mais estranhos, ele é mais difícil, tem uma sonoridade que realmente só pode ser conseguida com o uso do sintetizador." O músico multimídia Wilson Sukorski, no entanto, tem uma versão ainda mais - digamos - ancestral para a música eletrônica de hoje. Ele, que se dedica ao que chama de música eletrônica de pesquisa, salienta que, muito antes do house, do techno ou da própria disco music, já havia gente fazendo experimentos musicais com o auxílio da tecnologia. "Há uma história e todo um desenvolvimento", começa. "A música eletrônica não é fruto dessa tecnologia como entendemos hoje e nem foi o DJ que inventou. Muito ao contrário, os DJs são bons de usar as coisas." Wilson, que recentemente ministrou uma oficina sobre o assunto dentro do projeto Encontros Contemporâneos, realizado pelo Sesc Ipiranga, e participou da recente edição do Hype, no Sesc Pompéia, remonta a épocas mais antigas, à década de 1950. "Eu mostro nas oficinas uma música eletrônica linda e que data de 1959. Uma música que é matriz de tudo o que está sendo feito hoje." Segundo ele, o estilo encontra matriz em dois grandes nomes da área do experimentalismo, o francês Pierre Henry e o alemão Karlheinz Stockhausen. "Esse, inclusive, foi professor do pessoal do Kraftwerk, grupo alemão pioneiro da chamada música eletrônica para dançar, música eletrônica de pista."
Trance
O nome vem da palavra da língua inglesa que significa transe e o ritmo começou a ser difundido na Alemanha, em Berlim, no começo dos anos de 1990, logo após a queda do muro. Apesar de ter ganhado terreno na Europa, a principal característica desse ritmo são as referências vindas da Índia, da região de Goa, a 600 km ao sul de Bombain, freqüentada por místicos e hippies. Muitos europeus viajavam para lá e levavam a seus
países a música indiana, cheia de elementos religiosos. O trance tem uma atmosfera meio psicodélica.
House
O house foi o primeiro dos ritmos de música eletrônica. Surgiu em Chicago, no clube gay
Warehouse, através das mixagens do DJ Frankie Knuckles. Era como se ele pegasse a disco music e deixasse só seu esqueleto, quase só os elementos sintéticos.
Pode-se dizer que se trata da continuação da disco, só que muito mais enxuta, mais eletrônica. Junto às batidas acentuadas e aos poucos instrumentos que sobraram da disco, Knuckles somava elementos do rhythm'n'blues. "O house tem mais raízes musicais no sentido tradicional da palavra", explica Camilo Rocha, DJ e jornalista especializado no gênero.
Drum'n'bass
O nome drum'n'bass vem do reggae jamaicano. "Geralmente quando há uma faixa só instrumental num disco de reggae, dá-se o nome de drum'n'bass", explica Camilo. Mas foi em Londres que o ritmo surgiu, no começo dos anos de 1990, como uma versão mais leve da jungle music, mas mesmo assim continua sendo a vertente mais acelerada da música eletrônica. A Jamaica foi colônia inglesa durante muitos anos, o que levou muitos jamaicanos a imigrar para a Inglaterra e lá difundiram elementos de sua cultura.
Os donos da imagem
Os vídeo-jóqueis, ou VJs, se sofisticam e se tornam autores de uma linguagem visual própria
O local não precisa ser uma festa, uma rave ou um festival de música eletrônica - na verdade alguns deles já "animaram" shows de funk e até deram oficinas de histórias para crianças -, mas a verdade é que as colagens de imagens feitas pelos VJs combinam muito com a batida eletrônica e contribuem para o ambiente futurista que o estilo sugere. "Eu comecei montando um projeto chamado VisualRadio, que era para ser, como o nome diz, uma rádio visual", explica o VJ Spetto (foto), que participou do evento 2Hype, do Sesc Pompéia. Das experiências em oficinas que ensinavam crianças a manipular imagens a partir de um tema, a idéia e o programa inventado por ele mesmo para isso foram evoluindo. Até que uns amigos DJs o convidaram para animar uma festa. "Eu fiquei uns seis meses fazendo uma espécie de residência num projeto deles chamado Vertical Nights. Por fim, acabou rolando o convite para eu participar do primeiro encontro de VJs, que foi no ano passado, o Red Bull Live Image. Lá havia vários representantes do Brasil todo e acabei descobrindo que existia mesmo uma cena, só que as pessoas não tinham passado nada a limpo." Um ponto que Spetto faz questão de ressaltar é que a escolhas das imagens que compõem a apresentação de um VJ não são aleatórias. Cada um tem um estilo e cada estilo propõe uma estética, uma identificação própria. "O VJ Duva, por exemplo, é super plástico, as imagens são fortes e incisivas", explica. "Já o Palumbo é iconográfico, ele trabalha muito com o seqüenciamento de ícones, são imagens diversas, coisas de revista e tal. Os VJs do Estúdio Bijari são super gráficos, eles trabalham muito com animações em 3D e Flash. O meu estilo eu classifico mais como documental. Trabalho com ícones do inconsciente coletivo e com a combinação de signos em tempo real, uma coisa próxima dos símbolos do cinema do Eisenstein."