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Graciliano exposto
Roberto Ceni

As mostras sobre escritores consagrados não são muito freqüentes no Sesc Pompéia pois devem se ater à realidade da vida do autor, por vezes áspera e sofrida como no caso de Graciliano Ramos. A exposição comemorativa aos 70 anos de Hilda Hilst, que aconteceu há dois anos, reproduziu ambientes do sítio em que ela mora cercada por cachorros e alguns elementos recorrentes em suas obras. Os visitantes gostavam, mas o comentário que mais se escutava era o de que a cenografia havia ficado muito escura e pesada, o clima era por demais soturno.
Ao tratar de um escritor de conformação psíquica não menos densa que a de Hilda Hilst, a mostra O Chão de Graciliano, bem mais documental, optou pela leveza, o olhar do visitante atravessa as grandes imagens em voile e as cortinas de gravetos.
Logo na entrada depara-se com aquele imenso rosto duro, de testa franzida, tremulando com toda sua gravidade. Cada elemento disposto na exposição, quase todos suspensos, é acompanhado por uma ilhota de pedras de mosaico português, em alusão ao barro craquelê acinzentado que caracteriza o chão das terras que Graciliano descreveu.
As duas Baleias de Aldemir Martins são bem magras mas bastantes diferentes: a que completou quarenta anos é angulosa, ossuda e está em uma vertiginosa perspectiva tendo atrás o sol soltando raios, enquanto a de hoje parece carregar em suas costas um sol-lunar de fim de mundo. Ao longe escutam-se latidos de um cachorro do interior.
Os pais de Graciliano, retratados em silhuetas disformes, aparecem enfincados como punhais no chão; eles provavelmente contribuíram para a sensação de prisão ser uma angústia recorrente em toda a obra do escritor, o que é representado em uma grande jaula flutuante onde quem se aproxima escuta trechos de seus textos. As vitrines suspensas apresentam fotografias da família, objetos e documentos, edições de suas obras nas línguas mais longínquas e manuscritos - alguns originais severamente corrigidos e cartas em que o fino papel mistura as palavras de seus dois lados, formando estranhas garatujas.
Caminhando-se por entre os fragmentos de textos de Graciliano dispostos nos gravetos chega-se ao ensaio fotográfico da região que foi retratada em suas obras, que pouco deve ter mudado nos últimos 100 anos; as fotografias em preto e branco dão uma idéia da sombria infância de Graciliano e estão montadas numa estrutura de galhos de eucalipto que se assemelha a um curral em caracol.
Quem se dedicar a ler o folheto e visitar a exposição vai encontrar um homem que teve na leitura a alternativa para sobreviver a um ambiente bastante repressivo e desenvolveu no escrever a força para reconstruir por várias vezes a sua vida familiar e profissional.
Político de rigor e moral ímpares, diretor da Imprensa Oficial que redigia as notas com graça (que, aliás, era o seu apelido) ia deixando suas marcas e criando inimigos pelos lugares por onde passava. Foi um escritor substantivo (quase não usava adjetivos), de poucas exclamações (negligenciava esta pontuação), que só escrevia a caneta, de preferência madrugada adentro e de cuecas!
Ninguém poderia dizer que aquele menino encantuado viria a se tornar o alagoano mais importante do século.
A bem da verdade, é provável que Graciliano não se sentisse muito confortável ao ver-se assim tão exposto, ele que tantas vezes se escondia usando pseudônimos.

Roberto Cenni é Técnico Sesc São Paulo