Escritores, editores e especialistas analisam em artigos exclusivos o atual estágio do mercado editorial brasileiro
Gabriel Chalita é secretário de Estado da Educação
É impressionante como o mar e a leitura estão ligados de forma indelével há milhares de anos. O escritor argentino Jorge Luis Borges - amante inveterado dos livros - dizia uma frase que sintetiza bem esse conceito: "Toda a literatura declina de Homero." A afirmação impactante do autor de Ficções expõe a importância do poeta grego, cujas obras Ilíada e Odisséia podem ser consideradas verdadeiros marcos da literatura ocidental. Ambos são belíssimos, mas, em Odisséia, Homero criou uma das mais belas e instigantes histórias já escritas e na qual o mar exerce um papel fundamental no desenvolvimento de seu enredo. Afinal, o que seria de Ulisses (ou Odisseu) sem o mar como pano de fundo para suas aventuras? Da mesma forma, Luís de Camões e Fernando Pessoa - para citar apenas dois ícones da literatura de língua portuguesa - muitas vezes fizeram uso da pena para versificar sobre o mar, sua grandiosidade, sua imponência, sua beleza e sua relevância crucial para o progresso da civilização (grandes descobrimentos, novas rotas de navegação, possibilidade de expansão econômica, comercial etc.). Por meio da História e da Literatura, percebemos que o mar sempre foi palco de grandes aventuras, conquistas e numerosos feitos heróicos da humanidade. Esse mesmo sentimento de descoberta, de desbravamento e de heroísmo presente no espírito dos grandes navegadores também se apodera de todos os personagens reais da vida quando se envolvem, se entregam e se deixam levar pela fascinante viagem proporcionada pela leitura. Quando nos tornamos leitores e passamos a apreciar e valorizar devidamente essa condição, percebemos o quão maravilhoso é poder desvendar o universo e cruzar suas fronteiras de forma ilimitada. Em outras palavras, ler é singrar os mares em direção à esplêndida aventura do conhecimento e do aprendizado. Temos nos livros uma espécie de bússola que nos orienta - piratas e vikings curiosos e sedentos de experiências diversas - na direção exata de um tesouro singular: o saber. Passaporte imprescindível para quem deseja realizar a verdadeira viagem da vida. Neste novo tempo em que o verbo "navegar" ganhou conotações cibernéticas devido às novas ferramentas tecnológicas que nos auxiliam na busca contínua do entretenimento e da informação (leia-se internet), é preciso deixar claro: nada substitui o prazer e os ganhos proporcionados pela leitura de um bom livro. Sem uma sólida formação cultural, acabamos por subutilizar tanto a rede mundial de computadores como todas as demais criações tecnológicas, recebendo suas informações de forma fragmentada e descontextualizada. A leitura nos fornece as condições necessárias para ampliarmos nossos horizontes ao infinito. Aumentamos nossa capacidade crítica, nosso poder de argumentação, de discernimento, de persuasão... Adquirimos a força, a coragem, o entusiasmo, o dinamismo e o espírito adequado para enfrentar as grandes tempestades, turbulências e desafios da jornada. Os livros nos credenciam para empreender com sucesso as expedições mais variadas, traçando o rumo de nosso próprio destino com talento, sabedoria e confiança. Em seu poema O Livro e a América, o poeta brasileiro Castro Alves mescla com maestria a relação metafórica mais do que pertinente entre o livro e o mar. Uma visão magistral e que, certamente, irá nos inspirar para que prossigamos esta reflexão que apenas iniciamos: "Oh, Bendito o que semeia / Livros... livros à mão cheia... / E manda o povo pensar! / O livro caindo n'alma / É gérmen - que faz a palma, / É chuva - que faz o mar".
Mirian Paglia Costa é editora da Cultura Editores Associados
Para quem acredita em números, a indústria do livro no Brasil vai muito bem, obrigada. Se produzia 22.470 títulos em 1990 e já estava em 40.900 em 2001, maravilha! Melhor ainda quanto ao faturamento, que saltou de pouco mais de R$ 900 milhões para R$ 2,267 bilhões. Um passeio pelas boas livrarias dá a mesma impressão de encantamento. O leitor habitual pode ter um tique-tique nervoso diante da oferta monumental que açula seus desejos, muito superiores à capacidade de seu bolso. A boa produção, que era diferencial de poucas editoras até meados da década de 1980, chegou para ficar. O principal motivo de alegria, porém, é a crescente oferta de temas e autores brasileiros ao leitor. Isso significa muito: o Brasil quer conhecer o Brasil, tem escritores que sabem fazer o serviço e editores dispostos a investir nessa linha, muitas vezes apoiados por empresas privadas que se beneficiam da Lei de Incentivo à Cultura. De Olga, lançado em 1985 por Fernando Morais, a A Ditadura Envergonhada e A Ditadura Escancarada, que saíram em novembro de 2003 e fazem parte do projeto As Ilusões Armadas, de Elio Gaspari - monumental em ambição e em realização -, temos ganhado biografias, estudos de períodos e de populações, livros de imagens e até um autor best-seller de história do País, o jornalista Eduardo Bueno. Não é pouco, mas tudo isso não indica que o ramo editorial tenha conseguido vencer os grandes problemas que mantêm o livro como um dos produtos mais difíceis de se encontrar nas lojas e caro demais para o poder aquisitivo da população, o que nos remete aos eternos impasses do ciclo de produção/comercialização da área. Em 2001, foram fabricados 331 milhões de exemplares. Desses, 299 milhões foram vendidos por R$ 2,267 bilhões. Se dividirmos o valor faturado pelos exemplares vendidos, teremos que cada livro valeu em média R$ 7,50. Como tal preço está longíssimo dos preços de capa em livraria, podemos supor que parte ponderável desse estoque se destinou às escolas e ao governo: leitura funcional, obrigatória, e não hábito de leitura. Outra conta: se dividirmos os 331 milhões de exemplares pelos 40.900 títulos, encontraremos que a tiragem média é de pouco mais de 8 mil exemplares por título. Esse número era de quase 11 mil em 1990: tiragem baixa corresponde a livro mais caro e inacessível. Sem esquecer que o "encalhe" do ano, isto é, os livros não vendidos, foi de 32 milhões de livros. Voltamos, portanto, às livrarias e outros pontos-de-venda, que constituem o indicador real, pois atendem à compra voluntária. Aqui, a situação é difícil tanto para o editor quanto para o leitor. Na ponta da comercialização, passou-se a praticar o just-in-time, de modo que os livreiros agora colocam dois ou três exemplares de um título nas estantes, em vez dos 100/200 que compravam para expor até o fim dos anos de 1980. Além disso, hoje, pouquíssimos compram: o sistema geral é o da consignação. Por outro lado, os distribuidores, supostamente atacadistas, pedem 20/30 exemplares de cada título quando apostam alto. E essa aposta depende da repercussão do lançamento na imprensa, que cobre poucos livros, pois também não tem espaço. Por quê? Imaginemos que metade dos títulos produzidos em 2001 fossem lançamentos. Seriam 20.450, que, divididos pelos 365 dias do ano, resultariam em 56 livros a serem comentados por dia! Nesse quadro complexo, é claro que todos preferem trabalhar com livros caros, pois "livro barato não rende". Popularizar o livro é lema constante na boca de todos, no entanto ausente da "vontade política" da maioria dos envolvidos nessa indústria. Não por malvadeza, mas pela revolução de mentalidade e de praxes que implicaria: conquistar novos públicos; fazer venda ativa, e não apenas atender passivamente ao cliente, por exemplo. Contudo, é na vitória sobre tal desafio que está o indicador de progresso do negócio e do mercado do livro.
Daniel Piza é jornalista e escritor
O crescimento do mercado editorial brasileiro pode ser entendido por uma conjunção de fatores. Alguns são inerentes ao próprio mercado editorial, como a melhora da qualidade gráfica e a diminuição dos custos de produção, graças a novas tecnologias e a facilidades de acesso como as permitidas pelas livrarias virtuais. Outros fatores são dependentes de ações diretas ou indiretas da esfera pública: desde a estabilidade relativa conquistada pelo Plano Real até os avanços nas estatísticas educacionais, passando com destaque pelas compras de obras para distribuição em escolas e bibliotecas de todo o País e pelo apoio de leis de incentivo, como a Rouanet. E ainda há, menos definíveis, os fatores que se relacionam com mudanças de mentalidade na chamada sociedade civil, que aqui e ali organiza iniciativas em favor da leitura, como até uma telenovela recente procurava fazer dentro de sua narrativa; e que comparece em peso a eventos como a Bienal do Livro. Um exemplo auspicioso desse crescimento é o das coleções em banca, com destaque para a série de clássicos lançada em parceria pela Nova Cultural e pela Companhia Suzano de Papel, que conseguiram fazer o exemplar chegar ao consumidor por apenas R$ 9,90, mesmo se tratando de um catatau como Os Sertões, de Euclides da Cunha. Sabemos as desculpas habituais dos brasileiros para ler tão pouco. As duas mais freqüentes são, até certo ponto, aceitáveis: falta de tempo e falta de dinheiro. Então é preciso fazer todos os esforços possíveis para demonstrar a esse público que não existem apenas livros difíceis e/ou caros. O mercado felizmente vem tomando essas atitudes; além de lançar séries com preço acessível, as editoras criam coleções, chamam nomes famosos, editam títulos paradidáticos etc. Posso dar o testemunho de que nos meus 12 anos de carreira, durante os quais cobri ininterruptamente o mercado editorial brasileiro, nunca vi tantos lançamentos e relançamentos interessantes, tantas bravas editoras, tantos convites para escrever livros curtos e de alcance. É só com ações concretas como essas e com discursos insistentes e sedutores que o hábito poderá ganhar mais força entre os brasileiros - porque ele ainda é frágil. Muitas das pessoas que alegam falta de tempo e dinheiro estão entre as que têm bom poder aquisitivo e passam mais de três horas por dia à frente da TV. A ideologia do comodismo, ainda tão presente na vida brasileira, continua a ser um dos maiores obstáculos editoriais. A tiragem inicial média dos livros caiu para 2 mil exemplares e o índice de leitura dos brasileiros é muito inferior à média dos países desenvolvidos. Mas quero terminar com uma nota otimista. O crescimento do mercado editorial nacional é também reflexo do internacional. Pois, ao contrário do que diziam os urubus nostálgicos, a Era Digital significou uma nova e prolífica fase para o mundo dos livros, incluindo aí os e-livros (livros eletrônicos) - e qualquer livraria decente no Brasil é uma demonstração de que muita coisa boa está sendo escrita, em ficção e não-ficção. Quem diria que um romance de mais de 400 páginas como Reparação, de Ian McEwan, venderia centenas de milhares de exemplares mundo afora? Que a maior moda entre os adolescentes do planeta seria uma seqüência de livros, Harry Potter? Ou, para ficar num exemplo nacional, que dois livros com a história do golpe militar de 1964, os de Elio Gaspari, seriam os best-sellers natalinos de 2002? Tudo isso sugere uma paráfrase de Guimarães Rosa: não, o livro não morreu; está encantado. É só vê-lo com olhos livres.
Claudio Willer é mestre em Administração de Empresas e doutorando em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP
Houve crescimento do mercado editorial brasileiro em 2002? A resposta é ambivalente: cresceu, sim, e não cresceu, não. Ou: cresceu para alguns; para outros não. Isso foi registrado em matérias jornalísticas no final do ano. O maior comprador de livros no Brasil é o governo, através, principalmente, do Ministério da Educação. Compras governamentais cresceram; vendas não-governamentais, em um "mercado" propriamente dito, de preferência através de livrarias, caíram. Motivos? Os de sempre. O mercado editorial foi afetado por um crescimento da economia menor do que o desejável. Ainda mais com um produto caro para uma sociedade tão estratificada, além dos demais problemas que estamos cansados de discutir. Outro motivo, correlato, é a perpétua crise do mercado livreiro. Como se tem falado bastante da década dos anos 1960, lembro a oferta de títulos de qualidade naquela época. O mundo nos era apresentado através de capas de livros. Em matéria de livrarias, a São Paulo de 40 anos atrás ganhava desta. E, notem bem, estou falando de São Paulo, quando o livro e a livraria na verdade ainda não têm alcance nacional. A compra pela internet permite que eu tenha algum leitor em Belém do Pará, Araraquara, ou Joaçaba. Já o privilégio de estar em livrarias nessas localidades, nem pensar. Claro que temos as grandes redes e megastores. Grandes redes são boas, pois estão em todo lugar. E são ruins, por terem o máximo de lojas com o mínimo de estoque e oferta. Megastores também têm prós e contras. A favor, os terminais de computador. Gosto deles. A cada vez que digito "Claudio Willer", aparece no monitor uma capa de livro em resposta à invocação. Contra, algumas darem mais atenção a CDs e artigos de informática, e concorrerem com pequenas e médias livrarias. Não há recessão que se preze sem concentração de capital, e, nesse contexto, aquisições de editoras brasileiras por empresas estrangeiras, como ocorreu com a Ática, que pertence ao grupo Vivendi, restando saber como a crise da matriz se refletirá na subsidiária. Continua valendo o dossiê publicado há dois anos pela revista Nouvel Observateur, centrado na aquisição da Harper & Collins pelo grupo alemão Bertelsman, tomada como exemplo de crise cultural. Nesse e em outros casos, foi imposta uma dura regra: os títulos teriam que render uma margem de lucro de 15%, reduzindo o catálogo à leitura instrumental e best-sellers, com a exclusão das obras de conteúdo, menos vendáveis. É isso o que nos espera? Deve haver medidas de proteção ao patrimônio simbólico de cada País, traduzindo-se, na questão que nos interessa, em mais apoio a editoras, livrarias e escritores. Mas isso deve ser acompanhado pela adoção de valores culturais pelos agentes do mercado. Literatura de qualidade forma leitores. O leitor de literatura é um espécime diferente do comprador de livros por alguma necessidade curricular, profissional, o que for. Enquanto dirigentes do setor insistirem que tanto faz vender um manual de informática, jurídico, uma banalidade, ou literatura de qualidade, continuaremos dando depoimentos a apontar os mesmos problemas, avisando que tudo pode piorar. O volume de compras de livros pelo governo está ligado ao crescimento quantitativo do ensino e à redução do analfabetismo. Ajudaria a estabilizar esse quadro se fosse acompanhado por um crescimento qualitativo, a começar pela revisão dos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio, re-introduzindo o ensino de Literatura. Enfim, assunto não falta. Como sempre.
Aloma F. de Carvalho/ Celso V. Silva Aloma Fernandes de Carvalho é pedagoga e consultora do MEC para a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Celso Vicente Silva é produtor de arte e gerente de produção editorial
Há quem diga que na última década o mercado editorial de livros didáticos sofreu uma grande expansão. Mesmo não nos atendo a números e a estatísticas para verificá-lo, esse crescimento parece evidente. Afinal, o número de crianças e jovens que freqüentam a escola é, atualmente, maior do que dez anos atrás. Programas como o Bolsa-Escola são exemplos de ações desenvolvidas pelo governo de FHC para levar à escola um número significativo de cidadãos brasileiros que por motivos variados se encontravam alijados dela. Maior número de alunos implica aumento na venda de livros, certo? Sim e não. Mas voltemos às políticas públicas antes de prosseguir com essa discussão. Assistimos também na última década a um esforço sem precedentes pela melhoria da qualidade da educação da escola pública. Programas de formação de professores, elaboração de referenciais didáticos e metodológicos, organização de um canal de televisão sobre educação para educadores, avaliação de desempenho dos alunos e dos cursos superiores... Todas essas ações do governo federal envolveram as esferas estaduais e municipais em uma grande jornada de trabalho. Nesse contexto se insere o Programa Nacional do Livro Didático, que criou uma avaliação sistemática dos materiais comprados pelo governo e distribuídos às escolas públicas. O PNLD - como é mais conhecido o programa de avaliação - envolveu em suas quatro primeiras edições a elaboração de critérios de qualidade relacionados à atualidade da concepção pedagógica, à retidão conceitual, à ausência de preconceitos e estereótipos e à proposta gráfica. A implantação de um programa de avaliação com critérios tão claros e exigentes provocou, é claro, investimentos por parte das editoras para rever os materiais que já possuíam ou produzir outros. Vimos surgir, assim, uma nova geração de autores e inúmeras propostas diferenciadas de ensino. Podemos dizer até que houve uma renovação no mercado e, nesse sentido, uma certa ampliação no número de autores e de obras. Maior número de alunos, maior número de autores, maior número de obras... Mas o número de clientes, porém, não cresceu nos últimos anos. Pelo contrário. O governo continua sendo o principal comprador dos materiais didáticos produzidos no Brasil e podemos até verificar uma retração no mercado no que diz respeito à escola particular. E o que significa isso? Por um lado, o mercado continua estabelecendo uma relação de dependência vital com o governo. Se o governo não compra, as editoras não vendem. É óbvio que as editoras são empresas privadas que estabelecem livremente suas metas de mercado e áreas de atuação. É certo que o investimento na renovação de seus catálogos se justifica frente às possibilidades de negócios com o governo. Acontece que os investimentos feitos para atender aos critérios de avaliação do PNLD não foram poucos. As editoras empregaram grande esforço intelectual e investimentos financeiros para verem aprovadas as suas coleções, tarefa que nem sempre foi bem-sucedida. Os resultados do PNLD 2004 nos indicam isso. Apenas sete, das cerca de 20 editoras com obras inscritas, tiveram mais de uma coleção aprovada com distinção. Além disso, há uma grande oscilação entre os resultados de uma avaliação e outra. Apenas uma editora conseguiu se manter estável e ver aprovada com sucesso uma de suas coleções por duas vezes consecutivas. Produziu-se e muito, considerando uma nova educação, uma nova didática. Mas como os princípios formulados no governo FHC serão sustentados pelo novo governo? Ou seja, haverá mudanças nas concepções desenvolvidas nos últimos anos, que impregnaram (positivamente, salientamos) as políticas públicas de uma forma geral? Temos receio de que os novos tempos impliquem mudanças nesse sentido. E o que faremos com tudo o que foi produzido em função das diretrizes estabelecidas até então?
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