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80 Anos do Rádio
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O rádio completa 80 anos no Brasil e mostra vigor para enfrentar os desafios do milênio

Foi na exposição comemorativa dos cem anos da independência brasileira, no dia 7 de setembro de 1922, que o país testemunhou, oficialmente, pela primeira vez na sua história, uma transmissão radiofônica. Na ocasião, visitantes norte-americanos instalaram dois então modernos transmissores no alto do Corcovado, na antiga capital da República, para que o presidente Epitácio Pessoa falasse por meio de cerca de oitenta alto-falantes espalhados pela área da feira internacional.
De lá para cá muita coisa mudou, mas a data ainda é lembrada como um dos principais marcos na história da comunicação no país. Para comemorar os oitenta anos de sua presença em território nacional, o Sesc Pinheiros realizou em setembro o projeto Rádio - 80 Anos (veja o box). Para muitos, no entanto, as comemorações deveriam se estender por pouco mais de meio ano.
Em abril de 1923, utilizando os mesmos transmissores, era instalada a primeira emissora brasileira, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, fundada por Roquete Pinto. O antropólogo ficou encantado com as possibilidades da nova tecnologia. Ele acreditava que, enfim, os milhões de analfabetos do país teriam a oportunidade de receber informações que não conseguiam apreender nos livros e jornais. Seu sonho era transformar o veículo em um instrumento de extrema eficiência para a educação e a cultura.
No entanto, na década seguinte, face ao barateamento dos aparelhos e a uma nova legislação que favorecia as inserções publicitárias, o projeto cultural e educativo de Roquete acabou perdendo espaço. Com a popularização do rádio, surgia um novo perfil: o empresário de radiodifusão. Tinha início um amplo processo de disseminação do meio de comunicação, que garantiria os primeiros passos para a indústria cultural brasileira.

Oito ou oitenta
Ao longo desses oitenta anos, o rádio criou mitos, imortalizou profissionais e cativou ouvintes nos mais remotos cantos do país. E como não poderia deixar de ser, enfrentou muitos problemas. Mas como ele chega a seu octogésimo aniversário? "Com corpinho de 8 anos", arrisca Antônio Rosa Neto, especialista em mídia e presidente do Grupo de Profissionais do Rádio. "Sem dúvida, ele conseguiu consolidar um trabalho de longa data. Integrou essa nação de ponta a ponta e seguramente constitui-se hoje como um importante meio de comunicação." Segundo ele, duas razões respaldam sua afirmação: "a primeira é que a população moderna é extremamente ativa, o que implica estar constantemente fora de casa. Nenhum outro meio tem a capacidade de atender a demanda dessas pessoas. Por outro lado, e em segundo lugar, a segmentação do mercado garantiu uma oferta muito grande de emissoras, e cada uma delas busca seu nicho. Isso para o ouvinte é excelente; ele não precisa se ajustar à grade da programação como tem que fazer com a televisão", argumenta. "É só ligar o aparelho e escolher o tipo de conteúdo a ser desfrutado."
"O rádio ouve o ouvinte", complementa o professor de criação publicitária em rádio e televisão André Carrieri - um dos participantes do evento no Sesc Pinheiros. "É inequívoco dizer que ele é um campeão no Brasil. Em quantidade de emissoras, o país perde apenas para os Estados Unidos. Além disso, o rádio é líder imbatível de audiência das cinco da manhã até as sete da noite", explica. "As pessoas costumam chamá-lo de primo pobre da televisão. Mas acho que ele é um primo mais velho, mais maduro", afirma.

Resistência
André acredita que, diante do surgimento de tantas tecnologias de comunicação, como a televisão e a Internet, o rádio teve obrigatoriamente que explorar suas qualidades específicas. "E elas são muitas", prossegue. "Ele tem um alcance que a televisão não tem. O rádio está nos bolsos, nas mochilas, nos carros, em casa, nas rodoviárias, nas casas de comércio, nas repartições; além de apresentar uma agilidade que os outros meios não têm. No episódio dos ataques ao World Trade Center, por exemplo, o veículo conseguiu transmitir suas informações com muito mais rapidez e desenvoltura", relembra.
Para o professor de jornalismo da PUC-SP e gerente de programação da Rádio Cultura FM João Batista Torres, o rádio conviveu muito bem com as novas tecnologias. "Ele chega a seus oitenta anos se expandindo. Existem mais de quatro mil emissoras legalizadas no país, e há audiência para todas elas", afirma. "Ele encontrou seu espaço. A sua linguagem invisível lhe garantiu um lugar privilegiado no cotidiano das pessoas, já que é possível ouvi-lo executando as mais variadas atividades. Ele preenche a sensação de vazio, de solidão das pessoas, tornando-se uma espécie de companheiro. A pessoa sabe que, quando o rádio está ali, ela está em contato com a vida", defende. "E ele oferece tudo de graça. Basta um receptor, que hoje pode ser comprado com poucos reais. Por isso, ele avançou e conseguiu garantir seu espaço diante de tantas novidades."
Segundo a professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro e presidente da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação) Sônia Virgínia Moreira, o rádio chega a seus oitenta anos revigorado. "As pessoas estão prestando mais atenção a ele. Durante muito tempo, o rádio ficou esquecido por não ser um meio tão atraente quanto a televisão. Porém, a partir de meados da década de 1990, houve um interesse bem acentuado por parte dos pesquisadores das universidades brasileiras. Foram publicados muitos livros e cerca de 70% deles é resultado de pesquisas desenvolvidas na academia", exemplifica.
Sônia credita a seu caráter democrático o êxito do veículo durante esses anos. "Além de seu custo reduzido, que garante que muita gente tenha acesso a ele, sua linguagem é simples, direta e coloquial", afirma. "Eu acho que ele é um sobrevivente. Sempre se ouviu que o rádio iria acabar, mas ele tem um apelo que nenhum outro meio tem. E agora, com a chegada da tecnologia digital, que promete a qualidade sonora de um CD, sua permanência está assegurada", supõe. "E a ele provavelmente irão se somar outros recursos", prossegue. "O rádio deixará de ser simplesmente um aparelho de recepção sonora; o usuário poderá interagir muito mais com ele. As possibilidades são incríveis."

Não é tudo
Entretanto, na avaliação da professora, o rádio ainda tem muito a evoluir em termos de programação. "O sonho de Roquete Pinto, que o veículo poderia servir para a disseminação da educação e da cultura, ainda está distante de se tornar realidade", opina. "Não conseguimos sequer estabelecer uma definição legal para as chamadas emissoras públicas", lamenta. "Elas seguramente teriam um papel fundamental nesse tipo de trabalho, prestando serviços como campanhas de esclarecimento e atividades educativas", esclarece. "É uma pena que o uso do rádio não seja ampliado. Ele possui uma grande força e poderia contribuir muito mais para a população", conclui. "Apesar de ele ter sobrevivido com toda disposição, o rádio ainda é mal usado", retoma João Batista. "Do ponto de vista de seu potencial, ele ainda está muito empobrecido. Investiu-se em novas tecnologias, na automatização, mas, de maneira geral, esqueceu-se da criatividade", opina. "Sem dúvida, há espaço para iniciativas interessantíssimas, mas ainda há muito para melhorar."

Rádio - 80 anos - Sesc Pinheiros presta homenagem
Tendo a data de aniversário como referência, o Sesc Pinheiros promoveu o projeto Rádio - 80 Anos, apresentando uma programação especial com atividades relacionadas ao universo radiofônico.
A abertura do evento ficou a cargo do Quarteto Irreverente, formado pelos integrantes do grupo paulistano Língua de Trapo. Laert Sarrumor e seus companheiros apresentaram um espetáculo inédito simulando um programa de auditório da época áurea, com paródias, esquetes humorísticos e música. Já o grupo Cenas In Canto, dirigido por Jorge Julião, apresentou a comédia musical Nas Ondas do Coração, em que duas locutoras disputam o amor de um galante compa-nheiro de trabalho. Na palestra A Publicidade no Rádio, o professor universitário André Carrieri falou sobre a história da criação publi-citária no veículo, seus momentos marcantes e sua linguagem através dos tempos.
Completando a programação, o projeto promoveu durante seis dias a oficina Brincando com a Voz, sob orientação de Sergio Fialho, com o objetivo de proporcionar a exploração das possibilidades vocais dos participantes.