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Criação sem barreiras

Ilhada em Mim Sylvia Plath - Djin Sganzerla e André Guerreiro Lopes | Foto Jennifer Glass
Ilhada em Mim Sylvia Plath - Djin Sganzerla e André Guerreiro Lopes | Foto Jennifer Glass

Ao apostar na sinergia entre teatro, cinema e espectador,

o ator e diretor artístico do Estúdio Lusco-Fusco acredita na reinvenção

O teatro foi um dos primeiros espaços a fechar e pode ser um dos últimos a abrir neste cenário de pandemia. No entanto, o ator e diretor de teatro e de cinema André Guerreiro Lopes acredita na sobrevivência desta expressão artística que já superou outros momentos de crise na história (leia Entrevista com o escritor Geraldo Carneiro). “Há inúmeras respostas da classe artística nesse momento que, para mim, são de solidariedade. Levar a arte até a casa das pessoas, teatro ao vivo, virtualmente, artistas gravando poemas, trechos de espetáculos sendo compartilhados”, observa. Sua paixão pelo teatro, desde a juventude, somou-se a outras linguagens como o cinema e as artes visuais. Cobrado socialmente para escolher entre uma dessas linguagens, o ator e diretor enfrentou momentos de angústia até compreender que integrar todas elas era seu caminho. Diretor artístico da Cia. Estúdio Lusco-Fusco – ao lado da atriz e esposa Djin Sganzerla –, ex-integrante dos grupos CPT, de Antunes Filho, e Cia. do Latão, André foi assistente de direção do diretor Bob Wilson nos espetáculos Garrincha e A Dama do Mar. No ano passado, esteve em cartaz com os espetáculos As Três Irmãs e Insônia – Titus Macbeth, este último encenado no Sesc Avenida Paulista, e exibiu o documentário Siron. Tempo sobre Tela na 43ª Mostra Internacional de Cinema, longa-metragem sobre o artista Siron Franco, dirigido em parceria com Rodrigo Campos. Neste Encontro, ele fala sobre a sinergia das artes, o atual momento do teatro e expectativas do que está por vir.

 

Meu trabalho

Tendo a gostar de um teatro estilizado, com muito envolvimento físico, um teatro corpóreo, que abra possibilidades e transforme o ato de estar em cena como algo único. Tendo, como diretor, a fugir do realismo. Não costumo começar com um trabalho de mesa prolongado, que acaba intelectualizando as propostas e ideias para, então, partir para algo que se planejou na mesa. Para mim é o contrário: começo na ação. Nas minhas produções, o início é aparentemente caótico e o final é, geralmente, muito estruturado. Gosto também das surpresas que acontecem na sala de ensaio e do que cada ator me traz do seu imaginário. A minha forma de dirigir e de criar uma dramaturgia cênica é muito mais próxima da montagem no cinema.

 

Teatro e cinema

A ideia do cinema de que, uma vez feita a construção, ela segue viva, porém fechada nela mesma para toda a eternidade, é muito interessante. Mas o cinema não é algo fixo. A cada sessão do meu último filme, um documentário com o Siron Franco [Siron. Tempo sobre Tela, 2019], grande pintor brasileiro, vejo um novo longa. Depende do momento em que ele está sendo visto, dos espectadores, do que está acontecendo no país. Cada uma dessas mídias (teatro e cinema) tem suas particularidades, e o que eu sempre tentei fazer foi conhecer profundamente essas linguagens e técnicas. Agora, na hora de criar, não vejo diferenciação. Hoje está tudo completamente interligado. Não foi fácil chegar a isso. Na juventude era uma angústia a sensação de multi-interesse.

 

O papel do espectador

Me interessa a ideia de ter o público como cocriador. O último espetáculo, Insônia – Titus Macbeth, em agosto de 2019, nasceu de uma profunda inquietação com os caminhos e descaminhos do Brasil. Era um desejo de falar sobre violência. Fundimos duas tragédias de Shakespeare: Macbeth e Tito Andrônico. A ideia de imersão do espectador dentro de um universo único que só o teatro pode proporcionar conduziu o trabalho numa experiência no Sesc Avenida Paulista. O público ficava imerso dentro da área cênica, junto dos atores.

 

 

 

Antunes + Wilson

São dois criadores importantíssimos com trabalhos muito diferentes. Minha experiência com os dois também foi muito diferente. Talvez o que os dois têm, claro, é uma obsessão pelo trabalho. Antunes dizia: “Se eu parar, no dia seguinte, vocês vão me encontrar na rua, morto”. A maravilha da obsessão do Antunes era essa ideia de que o ator nunca estava pronto. Cada conquista era só uma janela que se abria para novas conquistas. Ele ia cada vez cavando mais fundo e tinha uma paixão total pelo processo do ator. A ideia de como ele se relacionava com a filosofia oriental, e a colocava no trabalho, me influenciou profundamente. O Bob Wilson faz um trabalho muito diferente. Ele impõe o seu estilo e poética a tudo e a todos. Ele esculpe o trabalho dos atores minuciosamente e depois o ator de alguma forma fica íntimo desse trabalho e o torna seu.

 

As Três Irmãs

Eu queria muito trabalhar com o universo feminino e tinha três atrizes que precisavam estar nesse processo: Djin Sganzerla, Helena Ignez e Michele Matalon. Queria discutir o tempo e a ideia das três irmãs dançando à beira do abismo. Elas não conseguem viver o presente e estão agarradas ao passado ou sonhando com o futuro. O Brasil estava num momento de profundas transições, então achei pertinente. É indissociável essa associação do Tchekov [dramaturgo russo, autor de As Três Irmãs, de 1900] com uma entrevista que fiz com o Zé Celso, quando eu era estudante de teatro, com uma câmera VHS C. Porque As Três Irmãs também foi uma experiência radical para o Teatro Oficina. Eu tinha esse material, nunca exibido, e queria repensar isso cenicamente. O espetáculo foi muito bem recebido, estreou em 2017 no Anchieta (Sesc Consolação). Quero apresentá-lo após a quarentena. Essa ideia de três mulheres isoladas, num confinamento, numa prisão mental.

 

Djin Sganzerla, André Guerreiro Lopes e Eduardo Mossri - O Livro da Grande Desordem e da Infinita Coerência | Foto Gabriel Chiarastelli

 

Teatro pós-pandemia

Há inúmeras respostas da classe artística nesse momento que, para mim, são de solidariedade. Levar a arte até a casa das pessoas, teatro ao vivo, virtualmente, artistas gravando poemas, trechos de espetáculos sendo compartilhados. Mas no teatro é essencial o encontro, estarmos num mesmo espaço, ainda que isso seja adaptado. O teatro foi uma das primeiras artes a fechar e será uma das últimas a abrir. Mas o teatro sobrevive sempre e sobreviverá, e nesse sentido eu sou muito otimista. A arte é fundamental e num momento como esse mais ainda. Vamos alimentar nosso imaginário.

 

Daqui para a frente

Acabei de participar da fotografia e da montagem de um filme que a Helena Ignez dirigiu para o Instituto Moreira Salles, mas não estou, pessoalmente, num momento de criação. Estou muito mais num momento de recolhimento e de gestação em todos os sentidos. Uma ideia de novo mundo que está sendo gestado e como a gente vai sair disso. A arte tem nos ajudado a nos centrar e sermos propositivos com amor, poesia e solidariedade. Acho que a gente vai viver algo artisticamente forte depois de tudo isso. Estamos gestando obras incríveis neste isolamento, estando conscientes ou não.

André Guerreiro Lopes esteve presente na reunião virtual do Conselho Editorial da Revista E no dia 22 de abril de 2020.

 

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