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Em todas as telas

Editoria de arte
Editoria de arte

As primeiras recordações que tenho do poder das imagens em movimento aconteceram ainda nos idos dos anos 1980, durante a comoção com a prematura morte da cantora Elis Regina. As telas dos noticiários da TV mostravam aos olhos de uma criança que aquela voz que se calava tão cedo era capaz de magnetizar uma audiência que não estava presente apenas em seus shows, mas acompanhava o alcance de sua interpretação através das telas e para além delas. As imagens que guardo na memória são prova do vínculo social que a televisão é capaz de criar, sobretudo em um país com as dimensões e diversidade regional do Brasil, onde, por vezes, a cultura audiovisual prevalece sobre a letrada.

Depois do rádio, que foi o primeiro veículo de comunicação nacional, a televisão atingiu nos anos setenta o feito de “integrar” as populações regionais e periféricas à moderna sociedade de consumo. Passou a ser o objeto de desejo presente nos lares do país, a integrar de forma onipresente as regiões do Brasil.

A televisão continuou a proporcionar outros vínculos afetivos na minha infância, quando eu viajava para um imaginário Sítio do Pica-Pau Amarelo. A partir da adaptação para TV, cheguei à obra original da literatura de Monteiro Lobato! A cultura audiovisual me possibilitou um primeiro contato com a mediação cultural, que viria a estudar nos tempos universitários. Em meus estudos de mídia na Universidade de São Paulo, ao me deparar com o teórico espanhol Martín-Barbero, na sua clássica obra “Dos meios às mediações”, fiquei impressionada com o papel das mediações: possibilidades interpretativas com as quais o receptor lida quando se apropria dos discursos da mídia.

A potência da narrativa em imagens continuou a me instigar. Agora, observo de perto na figura da minha filha de apenas quatro anos de idade as mudanças de percepção das novas gerações consumidoras de audiovisual. Quais são suas escolhas de conteúdo nas novas plataformas de streaming e on demand? Minha filha decide o que ver e o que não ver e, ainda, a melhor hora para assistir a suas animações favoritas.

Seus hábitos como receptora de conteúdo refletem essas possibilidades de interação nas telas. Ela e sua geração têm acesso a um amplo repertório de produções infantis, nas mais variadas e conhecidas plataformas digitais e tipos de tela, quer sejam dispositivos móveis, TVs conectadas ou mesmo nas telas dos computadores.

Tanto na programação linear quanto nas plataformas digitais, o que atrai a atenção cada vez maior do público é a possibilidade de ter contato com uma narrativa audiovisual – documental ou de ficção – que carrega todo o potencial do contar histórias para se conectar com sua audiência e repercute a força do conteúdo visual. Quando um documentário ou série de ficção atinge esse “estado de Comunicação & Arte”, a repercussão desse conteúdo ganha corpo nas redes sociais e grupos de discussão, uma espécie contemporânea dos antigos “televizinhos”, aqueles grupos de vizinhos que se reuniam ao redor do aparelho de TV nos anos 1960.

Dessa forma, observo com olhos atentos, como programadora do canal cultural do Sesc em São Paulo, que mantém uma programação com o objetivo de ampliar a ação social e cultural do Sesc para todas as regiões do país, as novas formas de aproximação da audiência com o conteúdo do SescTV. Acredito que trabalhar em um canal cultural preocupado com a mediação com o público e suas possibilidades de interpretar o discurso imagético é instigante e nos torna responsáveis em manter um contínuo diálogo com as novas formas de conteúdo e de percepção do público. Afinal, educar para a mídia e conectar reflexão e percepção na área das Comunicações junto à sociedade deve ser uma busca contínua entre os produtores de conteúdos em todas as telas, e até mesmo para além delas.

Sidênia Freire é graduada em Letras pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – FFLCH-USP e Mestra em Ciências da Comunicação (Linha de Pesquisa Ficção Televisiva) pela Escola de Comunicações e Artes da USP. É coordenadora de Programação do SescTV.

 

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