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Da vanguarda ao rock

Ebru Yildiz
Ebru Yildiz

LENDA DA MÚSICA DESAFIA RÓTULOS HÁ MAIS DE 50 ANOS E

SEGUE INFLUENCIANDO ARTISTAS DE VÁRIAS GERAÇÕES

 

Em uma mesma semana de março (nos dias 11 e 14) John Cale (1942) esteve em duas unidades do Sesc. No Vila Mariana, onde já se apresentara em 1999, e no Pompeia, onde dividiu o palco com Juçara Marçal, como parte da programação de dez anos do Nublu Festival, que promove o encontro entre artistas brasileiros e estrangeiros na cena contemporânea do jazz e de outras tendências musicais.

Na conversa com o público, no dia 14, no Sesc Vila Mariana, que preencheu a tarde de uma quarta-feira de clima agradável e ensolarado, o artista, notório pela criação do Velvet Underground, com Lou Reed (1942-2013), nos anos 1960, que foi do underground americano para o status de uma das bandas de rock mais influentes de que se tem notícia, compartilhou sua trajetória. Cale falou de sua história de músico de vanguarda, passando pelos acordes do baixo e da viola – seu primeiro instrumento –, e de suas experiências como produtor de discos, entre eles o homônimo de estreia da banda The Stooges, lançado há 50 anos (1969), e Horses (1975), clássico de Patti Smith. A seguir, os principais trechos do encontro histórico.

O começo

Sou do País de Gales [no Reino Unido] e a minha formação musical vem da viola. Entrei em contato com a música avant-garde por intermédio do John Cage. Também estive em contato com La Monte Young [compositor e músico do grupo Fluxus, movimento que reunia artistas ao redor do mundo, mas foi fundado em Nova York]. Após essa minha experiência, o Velvet Underground veio como uma ideia: como posso colocar esse aprendizado no rock? Foi muito legal, pois o Lou Reed improvisava com uma facilidade gigantesca. Colocamos uma ponta de vanguarda e deu certo.

A cena

Em Nova York estava havendo uma revolução cultural, uma revolução na música, no cinema, eram muitas ideias e uma efervescência muito grande. A competição também existia, porque era muita gente criando. As pessoas usavam um lençol como suporte para exibir os filmes que tinham criado. Toda noite tinha um filme, um show, uma performance acontecendo. Eram muitos artistas jovens e indisciplinados. Muitas vezes íamos para festas e bares, onde as pessoas levavam seus cadernos para fazerem anotações e desenhos do que estava acontecendo. Eu não era muito de desenhar, só conversava com as pessoas e observava as situações surreais que aconteciam ao redor. Uma vez um colega nosso chegou ávido, nos contando que tinha ido abastecer o carro num posto de gasolina e viu um cara ser baleado. Havia um grupo chamado Skull Family (família da caveira) que tinha uma frota de táxi e sabia tudo que rolava por ali. A preocupação do nosso amigo era se ele ficaria seguro ou se tinha visto demais. Acredito que esse clima de “tudo pode acontecer”, somado à Factory [grupo artístico ligado a Andy Warhol], deixou o Lou Reed cansado antes de mim. Nesse contexto, veio o fim do Velvet. Chegamos a ouvir do Warhol: “Olha, vocês atingiram bastante gente com a sua música e amanhã eu consigo que vocês se apresentem em diversos museus da Europa, mas o público de vocês é o do disco da banana [The Velvet Underground and Nico, 1967]. Ou seja, ele nos aconselhou a sermos fiéis àquele público. Mas os ciclos existem, as coisas acabam, e eu sempre respeitei muito o Lou Reed mesmo após o término do grupo.

 

SEMPRE PENSEI NA QUESTÃO DO ARRANJO MUSICAL E,

CONSIDERANDO A MINHA FORMAÇÃO CLÁSSICA,

SENTIA VONTADE DE TRABALHAR NO ESTÚDIO

 

O reencontro

Os shows de retorno do Velvet no início dos anos 1990 – com todos os membros originais, sem substituições – foram uma espécie de retrospectiva. Rodamos por Paris, Berlim, Polônia, Viena e eram tributos à banda e à Nico, então, em cada cidade recrutávamos artistas que amavam a Nico e a banda, tinham uma conexão musical. Tivemos a oportunidade de trabalhar com muita gente interessante, toda noite era uma galera diferente. Em Paris tocamos duas músicas da Nico com artistas diferentes e, também, arranjos diferentes. Então, você reconhecia a música, mas o arranjo se diferenciava. A cada apresentação, uma novidade.

O produtor

Sempre pensei na questão do arranjo musical e, considerando a minha formação clássica, sentia vontade de trabalhar no estúdio e sabia que podia ser bom nisso. A Nico, após a saída do Velvet, assinou com a gravadora Electra Records e eu quis muito produzir seu primeiro disco solo [The Marble Index, 1968]. Em seguida conheci os Stooges, apresentados por um colega meu. Vi no palco e foi surpreendente, porque eles eram muito engraçados, mudavam o clima do palco. Da raiva ao riso, eram momentos excelentes. Então produzi o disco de estreia deles e foi assim que comecei a produzir.

Novos sons

Do Velvet para a carreira solo foi uma passagem brutal. Estávamos em constante guerra entre nós e o rock. Queríamos provar que éramos musicalmente sérios. E tinha o problema muito comum das drogas. Não vou afirmar que pessoas infelizes são um mercado, embora essa frase seja próxima da verdade. E nesse novo caminho veio um momento em que me fascinei pelo hip hop e seus artistas, com a forma como eles falavam do mundo em que viviam, jovens que falavam de um mundo estranho e maravilhoso em suas letras, por exemplo, Snoop Dogg e Tyler, the Creator.

 

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