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Retratos do Brasil


Maureen Bisilliat. Foto: Leila Fugii.
 

Filha de um diplomata argentino e de uma artista irlandesa, Maureen Bisilliat nasceu na Inglaterra em 1931 e veio para o Brasil em 1952. Depois de sua chegada, foi apresentada às raízes do Brasil pelo clássico Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. Bastou para que se encantasse pela nossa cultura, sobretudo pelos sertanejos e povos indígenas. Dessa identificação, naturalizou-se brasileira na década de 1960. No país, estudou artes plásticas: sonhava em ser pintora. Mas foi na fotografia que encontrou uma forma própria de expressar todos os “sertões” fora e dentro de si. Aliás, esse encontro derradeiro com o escritor mineiro rendeu a série fotográfica A João Guimarães Rosa (1966). Outra passagem que marcou sua trajetória foi a parceria com o antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997) para a criação do Acervo de Arte Popular Latino-Americana, que deu origem ao Pavilhão da Criatividade do Memorial da América Latina, inaugurado em 1989 e do qual foi diretora. Por todo esse protagonismo, Maureen se tornou referência tanto na fotografia quanto na preservação e fomento da cultura brasileira.
 

O encontro

Foi por meio da obra Grande Sertão: Veredas (João Guimarães Rosa, 1956) que conheci o Brasil. Cheguei ao país nos anos 1950. Casei, viajei para outros lugares e depois retornei, nos anos 1960. José Olympio Borges, nos anos 1960, me deu o livro acompanhado dessa frase: “Bom. Realmente, eu não sei se você vai compreender o livro”. Eu não só compreendi, mas mergulhei totalmente. Além de compreender, quis encontrar o autor do livro. Não vivíamos uma época de mitos. O Itamaraty era no Rio de Janeiro, onde Guimarães Rosa trabalhava. Telefonei, pedi um encontro e fui atendida. Assim, sem mais nem menos. Ele me recebeu de uma forma muito envolvente e com muita simplicidade. Perguntei-lhe como poderia me ajudar, pois queria percorrer os cenários de Grande Sertão, e ele me traçou um caminho. Disse-me: “Como uma árvore, você vai pelas hastes e encontra o que procura”.
 

Na estrada

Li o livro, encontrei o autor e esqueci totalmente do livro. Porque, se você vai com o livro na cabeça, isso limita sua visão. Viajei sozinha. Cheguei a Andrequicé (Três Marias, MG) numa bela tarde. Em um boteco, me informaram locais em que poderia dormir. Ficaram curiosos para saber o que eu queria sozinha atrás de Guimarães. “O Rosa?”, assim me perguntaram. “Então a moça está com sorte, porque acabou de chegar o Manuelzão [inspiração para um dos personagens do romance] da fazenda para uma celebração de crisma em Andrequicé”. Acordei de manhã bem cedo e lá estava ele, meio que me esperando. Fiz a foto sem anunciar. Com uma palavra, tornou-se o Retrato de Manuelzão, da série A João Guimarães Rosa [1966, pertence ao acervo do Instituto Moreira Salles – IMS].
 

Imagem + palavra

Não concebo a fotografia sem o texto nos livros. Mas essa é uma direção instintiva. Aos cinco anos, eu já escrevia e ficava angustiada quando minha mãe não tinha tempo de me ajudar a revisar meus erros. Meus anos escolares foram dedicados à escrita. Meu pai era diplomata e eu não tinha nacionalidade. Passava de uma língua para outra, de um país ao outro. Nesse mundo digital, eu gosto de me comunicar por e-mail porque me atento à pontuação, à movimentação do texto escrito. Uma pessoa que assim pensa não concebe a imagem sem a palavra.
 

Arte pessoal

A fotografia brasileira está revivendo em encontros e debates que acontecem no país. Voltou a ser uma manifestação pessoal. As pessoas se agrupam para compartilhar os momentos. É muito difícil viver da fotografia, então a foto voltou a ser uma arte pessoal que requer estar com os outros. Mas a saturação chega a tal ponto que ela mesma se destrói. Saber contar histórias em imagens que interessem ao público não é tarefa simples. Antes se criticava a curadoria, mas ela é importante porque as imagens são tão múltiplas que causam uma saturação imensa. Então é fundamental maestria não só na escolha das fotos, mas na sequência, tamanho e texto de referência.
 

Imagem múltipla

Cada geração tem obstáculos a ultrapassar. Hoje em dia, a quantidade de fotos é incrível. O digital deixou tudo mais barato. A vida está mudando de tal maneira que daqui a 50 anos não haverá nem sombra deste mundo. Por isso, é importante o trabalho de quem documenta. Aparentemente, o sertão pouco mudou. Mas estou convencida de que as mudanças serão mais drásticas.
 

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