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Música viva


Claudio Santoro. Foto: Divulgação.
 

Maestro nascido em 1919, na cidade de Manaus, Claudio Santoro segue vivendo na internet: uma aliada para a popularização de sua obra e trajetória. A rede é um acervo nada modesto de informações, imagens e sons disponíveis a iniciantes e iniciados. A relação de Santoro com a música foi afinada pelos pais: Cecília Autran Franco de Sá, formada em piano e pintura, e Giotto Michelangelo Santoro, oficial do exército italiano e conhecido por tocar piano e cantar de ouvido qualquer melodia. Aos dez anos, o menino ganha o presente dos sonhos. Um violino acompanhado por um livro de exercícios e um solfejo, para aprender a ler as notas musicais e marcar o compasso com as mãos, atributo fundamental a qualquer maestro.

Um ano após se arriscar sozinho, dá início ao processo formal de aprendizado, tutelado pelo professor Avelino Telmo, violinista chileno radicado em Manaus. Esse foi o primeiro passo para as apresentações íntimas em sua casa, em saraus. A dupla era Santoro ao violino e sua mãe ao piano. O menino prodígio não era só dedicado à prática, mas à escuta. Do seu repertório, Ludwig van Beethoven se destacava. “No final das contas, as técnicas se completam e o artista que adota esse lema tende a tornar-se um verdadeiro profissional da arte da composição musical”, diz Sérgio Nogueira Mendes, professor do Departamento de Música da Universidade de Brasília – onde, em 1962, Santoro acumulou as funções de coordenador para assuntos de música, professor titular de composição e regência e chefe do Departamento de Música.

Nos anos 1930, o futuro maestro ingressa no Conservatório de Música do Distrito Federal, no Rio de Janeiro, completando seu curso em 1937. O incentivo para composições próprias se deu por Nadile de Barros, sua professora na disciplina de harmonia. Respondendo ao chamado, escreveu uma sonata para violino, e outras peças se seguiram. Também inclui num concerto em Manaus duas obras autorais. Depois de formado, ingressa no corpo docente do Conservatório, onde ministra, nos anos 1940, aulas de violino e harmonia.
 


Estreia da Sinfonia nº4 na Sala Grande do Conservatório Tchaikovsky em Moscou, 1957/1958

 

Vanguarda ativa

O flerte com a técnica de vanguarda veio com o tempo. O trabalho com H. J. Koellreutter, compositor alemão que viveu no Rio de Janeiro e em São Paulo, foi professor também de Tom Jobim e é reconhecido por sua contribuição em educação musical, serviu para aperfeiçoar métodos frescos de composição, baseados na obra do violonista alemão Paul Hindemith e do criador do dodecafonismo, Arnold Schönberg. A temporada como morador de uma pensão no bairro das Laranjeiras traz a imersão em um ambiente no qual as discussões políticas pipocavam.

Empolgado, participa do Grupo Música Viva, divulgando a música de vanguarda na revista homônima, na qual publica um texto crítico sobre o nacionalismo ortodoxo e o academicismo, entendidos por ele como preponderantes e não positivos. Nesse meio tempo, faz parte de um trio com o pianista Oriano de Almeida e com o violoncelista Aldo Parisot e se casa com a violonista Maria Carlota Horta Braga. A insatisfação com o salário de professor motivou uma pausa nas aulas no Conservatório de Música do Distrito Federal, abrindo caminho para a associação com diferentes orquestras: a Sinfônica Brasileira, a da Rádio Nacional e a do Cassino Copacabana.

Fases e compassos

A trajetória profissional de Santoro costuma ser entendida em alguns compassos: entre 1940 e 1942 é influenciado pelo dodecafonismo; em 1943 tenta conciliar o interesse pela vanguarda – representada pelo dodecafonismo – e uma forma musical mais direta de se aproximar do público. Nesse período compõe Usina de Aço, um marco na carreira que versava sobre o funcionamento de uma indústria siderúrgica e a industrialização. Se Usina de Aço foi sucesso de público, Sinfonia nº 2 (1945) é lembrada como uma das engenhosidades musicais, devido às inovações de timbres e variações de contraponto, técnica para sobreposição de melodias considerando as qualidades harmônicas e melódicas.

Tais experimentações são um convite aos estudantes e profissionais da música clássica a perceberem a importância e necessidade de dominar vários estilos composicionais, diz Sérgio Nogueira, “sejam eles extremamente herméticos, voltados para meios eletrônicos, sejam eles extremamente simples em sua possibilidade de assimilação”.


Claudio Santoro ensaiando a orquetsra do Teatro Nacional de Brasília (década de 1980) na Escola de Música de Brasília

 

Outros mares

A internacionalização da obra de Santoro passou por sua vivência em outros países. Ganha uma bolsa de estudos da Fundação Guggenheim em Nova York, mas tem o visto de entrada nos Estados Unidos negado, em 1946, por causa de sua filiação ao Partido Comunista Brasileiro. Porém, no ano seguinte ruma a Paris, onde, além de estudar música, foi aluno de um curso de Cinema na prestigiada Sorbonne. A estadia na cidade rendeu a premiação para jovens compositores da Fundação Lili Boulanger, de Boston, em 1947. No júri que o laureou, os maestros russos Igor Stravinsky e Serge Koussevitzky e o professor da Universidade Harvard Walter Piston. Um ano depois volta a morar no Rio de Janeiro, conciliando atuação em orquestras e outras atividades, compondo para a gravadora Odeon. Em 1951 apresentou no Festival Berkshire de Boston a sua 3ª Sinfonia. Do Rio de Janeiro passa a residir em São Paulo, mas sem deixar de lado suas viagens. Se a 3ª Sinfonia o conduz até Boston, a 4ª Sinfonia o leva até Moscou, como regente.

Seu filho, Alessandro Santoro, é responsável por sua obra e mantém o site www.claudiosantoro.art.br, verdadeiro acervo digital de sua música, a qual, para a crítica especializada, não recebeu valor na medida enquanto era vivo. O compositor morreu em decorrência de um infarto enquanto ensaiava com a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional, em Brasília, em 1989.

Alessandro reforça que a falta de reconhecimento do trabalho do pai se assemelha à trajetória de tantos outros artistas. “Mas eu sempre acreditei na qualidade de sua música, falo isso como músico, não como filho, que tem contato diariamente com sua obra, seja editando, analisando, lendo, estudando ou tocando”, comenta ao citar a excepcionalidade da obra deixada, tanto pela qualidade quanto por sua extensão. Somam-se quase 30 mil páginas de música escrita!

Ele ressalta as iniciativas em andamento para a comemoração do centenário de nascimento do maestro, com participação de orquestras, instituições e músicos de todas as partes do Brasil, somados à genuína preocupação de que este ano não passasse sem celebrações. “Tenho certeza de que meu pai está muito feliz e de que essa redescoberta servirá para um novo e maior reconhecimento de sua arte”, completa.

 

Bússola sonora

Indicações para ir da harmonia ao compasso de Claudio Santoro

Prelúdios para piano (2019, Editora UnB/Edition Savart)

Pela primeira vez todos os prelúdios compostos originalmente para piano, revisados pelo pianista Alessandro Santoro, estão ao alcance do público, organizados em um único volume.
 

Sinfonia nº 5 (1955)

Os 35 minutos da Sinfonia nº 5 podem ser ouvidos nos serviços de streaming em registro performado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, no ano de 1956.
 

Santoro – O Homem e sua Música (2015)

Dirigido por John Howard Szerman, o filme é uma introdução ao universo criativo do compositor, sendo um beabá audiovisual do expoente da música erudita brasileira. Traz depoimentos de Júlio Medaglia e trechos de apresentações variadas, entre elas com a Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro, fundada por ele em Brasília em 1979.

 


Foto: Robson Leve.

Percurso de um criador

Série de eventos celebrou centenário do compositor

Em agosto, a Série Concertos, parte da programação do Sesc Vila Mariana, voltou sua atenção para o centenário de Claudio Santoro. Na atividade inaugural foram convidados Leonardo Martinelli (pesquisador) e Alessandro Santoro (cravista e filho do homenageado) para uma aula-concerto sobre a obra e os percursos estético-criativos de Claudio Santoro.

No decorrer do mês se apresentaram o Quarteto Novas Tendências (foto) e o duo de flauta e piano de Horácio Gouveia e Marcelo Barboza. A proposta da Série Concertos é que artistas de renome da música de concerto contemporânea apresentem programas diversos baseados na obra e influências do compositor e maestro homenageado.
 

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