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Trabalho e qualidade de vida

Cada vez mais em voga, a questão é discutida, em artigos exclusivos, por médicos, professores e especialistas em recursos humanos

Luis Fernando Rensi
é gerente do Departamento de Medicina do Trabalho do Hospital Israelita Albert Einstein

Nos dias de hoje, a globalização, as fusões de empresas e a Internet estão gerando cada vez mais transformações, que ocorrem num piscar de olhos. São mudanças que produzem oportunidades e problemas, tanto na vida empresarial quanto na carreira de um profissional, tudo depende de como essas situações são gerenciadas.
As pressões econômicas têm levado as empresas a adotar mudanças radicais, estando entre elas: flexibilização da produção, enxugamento dos custos, decisões rápidas, atitudes assertivas, ausência de desperdício e incorporação de novas tecnologias. Essas pressões criam um cenário dinâmico e exigente para as organizações que pretendem sobreviver nas próximas gerações.
As pessoas dentro das empresas, clientes internos, nessa situação têm sido submetidas a imensos desafios quanto à estabilidade, à renovação de conhecimentos, à oportunidade de evolução, à performance, ampliando a conscientização da importância do bem-estar pessoal no trabalho.
A consideração pelos valores pessoais será um forte apelo ao se definir realização profissional, sucesso e vida saudável. Os profissionais mais valorizados serão aqueles que, além da alta capacidade técnica, incluírem em seu currículo a consciência da qualidade pessoal, que significa um estilo de vida saudável e equilibrado.
As empresas que olham para o futuro querem funcionários eficientes e criativos como arma competitiva. Somente assim poderão conquistar a liderança ou simplesmente sobreviver no mercado.
A grande vantagem competitiva nos próximos anos será a felicidade agregada ao trabalho, serviço ou produto. Funcionários satisfeitos trazem clientes satisfeitos. O caminho para o sucesso empresarial deve, cada vez mais, ser centralizado no indivíduo.
É lícito dizer que qualidade só se alcança com pessoas aptas, sadias, equilibradas, criativas, íntegras e motivadas. Não é possível dissociar a busca das organizações pela qualidade de serviços e produtos e a qualidade de vida de seus trabalhadores.
Alinhado com essas tendências, o Brasil passa a discutir com maior freqüência o tema "qualidade de vida", iniciando o processo de conscientização e valorização das pessoas e de sua saúde. As empresas estão procurando se adaptar ao novo modelo, valorizando cada vez mais o ser humano, possibilitando autonomia de decisões, descentralizando, capacitando melhor seu corpo gerencial, instituindo flexibilidade de funções, apoiando e valorizando o trabalho em equipe.
Essa possibilidade de tomar decisões sobre o ambiente e o contexto de trabalho dá ao funcionário a sensação de estar construindo seu mundo, além de romper com o padrão de passividade frente às estruturas do poder, características da nossa sociedade.
O papel das empresas, neste novo cenário, deve ser o de fornecer liderança e treinamento no gerenciamento da saúde de seus empregados. O caminho passa pela educação e conscientização dos indivíduos quanto à responsabilidade na administração de seu estilo de vida, evitando agressões ao seu estado físico e psíquico.
Existe um consenso de que trabalhadores saudáveis e motivados apresentam maior produtividade, percentuais menores de absenteísmo, redução de adoecimento e de gastos com assistência médica, e acabam por "contaminar" positivamente o local de trabalho, além de representar um diferencial positivo na imagem da empresa.
Inúmeros modelos bem-sucedidos de implantação de programas podem servir de referência, porém é necessário observar as características e necessidades de cada organização. Para sua concepção, o apoio e o investimento da alta administração da organização são fundamentais.
Qualquer que seja o modelo adotado, ele deve garantir aos funcionários o acesso adequado a bons serviços de saúde - médico e odontológico -, além de capacitá-los, com ações educativas, a assumir a responsabilidade no seu autocuidado. Deve ainda facilitar e estimular atividades de lazer, culturais e sociais com o objetivo de contribuir para o aumento da moral, redução de estresse e conscientização do indivíduo como agente nas transformações em seu ambiente de trabalho e na própria comunidade. A meta a ser alcançada é conseguir obter produtividade com saúde e bem-estar.
Colaborou Rosely Fátima Porto, coordenadora de Serviço Social e Benefícios do Hospital Israelita Albert Einstein.

Regiane Nunes
é consultora de recursos humanos da Editora Abril S/A

Não podemos falar em qualidade de vida no mundo do trabalho sem citar o conceito da Organização Mundial de Saúde (OMS): saúde é o bem-estar físico, emocional e social do ser humano. Vamos completar esse conceito com a filosofia da Associação Brasileira de Qualidade de Vida, que considera a verdadeira saúde sinônimo de qualidade de vida, ou seja, o equilíbrio do ser humano em todas as suas dimensões - física, emocional, intelectual, social e espiritual.
Com base nesse conceito, entendo que o ser humano precisa caminhar para adquirir um equilíbrio em todas essas dimensões. Suas realizações devem ser desenvolvidas com prazer, tanto no âmbito coletivo, com o outro, como no pessoal, consigo mesmo.
Ao nos dirigirmos ao mundo do trabalho, observo que o desenvolvimento tecnológico e a busca da produtividade acabaram por deixar de lado seu principal agente, o ser humano.
Atualmente, nos deparamos com uma alta cobrança por produtividade e desempenho. Para responder a esse "pedido" é necessário termos uma saúde que suporte todas as exigências necessárias. É preciso ter equilíbrio emocional e físico e sentir-se protegido contra os males que estão por trás de uma situação estressante e de hábitos irregulares, da qual padecemos em razão da pressão.
Felizmente, algumas empresas já se deram conta de que, ao promoverem a saúde de seus colaboradores, estão promovendo uma sinergia realizadora entre o desenvolvimento da atividade - resultado do produto que estão desenvolvendo - e uma conciliação dos interesses pessoais, promovendo esse resultado através de programas de qualidade de vida no trabalho.
Assim, o desenvolvimento de programas e ações de qualidade de vida no trabalho passou a fazer parte das ações de empresas modernas, que sabem que investir na saúde de seus colaboradores é fundamental para a saúde da organização.
Dessa forma, as empresas conscientes passaram a levar para dentro de seus espaços físicos academias de ginástica, programas de saúde, exercícios terapêuticos e técnicas orientais, como tai-chi-chuan e liang gong, massagens, práticas esportivas etc., com o objetivo de criar e conscientizar seus colaboradores sobre a importância do desenvolvimento de atividades antiestresse e de preservação da saúde.
Os programas de qualidade de vida no trabalho devem ser elaborados considerando a necessidade real do grupo a ser trabalhado. É fundamental que as ações não sejam isoladas, mas façam parte de uma política geral de recursos humanos.
Programas antitabagismo, de prevenção de doenças ocupacionais (Dort - Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho), de preservação da saúde (campanhas de medição de colesterol, glicemia etc.) e para a gestante são alguns dos mais importantes conjuntos de ações hoje desenvolvidos nas empresas.
Acredito que a adoção dessas medidas deva ser feita de forma que o colaborador entenda a prática da atividade como uma ação consciente, realizada espontaneamente, e não como uma obrigação. Qualidade de vida no trabalho é poder cuidar-se e sentir-se respeitado.

Celso Domene
é médico, pós-graduado em medicina do trabalho, saúde pública e homeopatia
Inicialmente o tema foi muito ligado às questões básicas de saúde, e as empresas, por meio dos serviços de medicina ocupacional, trataram de atender a essa necessidade criando programas de prevenção de doenças, principalmente aquelas de maior prevalência, tais como doenças cardiovasculares, diabetes, lesão por esforços repetitivos etc. Com o passar do tempo, o conceito foi se aprofundando e começou-se a investir nos programas de promoção de saúde, dando ênfase à parte educativa. Nesse momento, a nutrição, a atividade física e o gerenciamento do estresse passaram a ser o foco, e os programas de qualidade de vida ampliaram o horizonte, agregando esses novos temas.
Como, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a definição de saúde está relacionada com o completo bem-estar físico, mental e social e não simplesmente com a ausência de doença, os programas de qualidade de vida, por atingirem essa meta, passaram a ser muito implementados pelas empresas.
Como qualidade de vida pode ser muito abrangente, complexa e ao mesmo tempo tornar-se muito simples, dependendo de necessidades individuais, de fatores culturais, de estilos de vida, modernamente aceita-se que ela está ligada aos seguintes fatores:
:: físico: nutrição e atividade física;
:: emocional: estresse;
:: social: amigos e família;
:: intelectual: educação e carreira profissional;
:: espiritual: amor e esperança.
Portanto, se tivermos uma boa nutrição, praticarmos exercícios físicos, evitarmos o uso de drogas como fumo e álcool, gerenciarmos bem o estresse e tivermos uma vida social com bons sentimentos espirituais, estaremos no caminho certo para atingir uma boa qualidade de vida e, em conseqüência, sermos felizes.

Ana Cristina Limongi
professora associada da FEA/USP, coordenadora do Núcleo de Estudos de Qualidade de Vida no Trabalho
Qualidade de Vida no Trabalho é um termo bastante comum nos desafios da vida no trabalho. Esses desafios surgem de desconforto gerencial, frustração de expectativas, pressões de excesso de trabalho e redução de cargo, entre tantos outros fatos do ambiente de trabalho.
No entanto Gestão de Qualidade de Vida no Trabalho não é uma denominação utilizada com a mesma freqüência. A melhor forma de localizá-la nas empresas é através de ações e programas de bem-estar que tenham como objetivo principal o cuidado, proteção e desenvolvimento de cada pessoa vinculada à empresa. Programas de reeducação alimentar, ginastica laboral, iluminação, atividades de convivência e comunicação interna (endomarketing), combate ao tabagismo, atividades comunitárias, combate ao estresse, estímulo ao coleguismo e espírito de equipe criam muitas possibilidades de atuação e melhoria do Ambiente Organizacional. Há também ações que se destinam aos familiares dos empregados e ações na comunidade.
Os programas e ações de Qualidade de Vida no Trabalho devem ser gerenciados. Projetos e propostas têm crescido continuamente, mas na sua maioria carecem de elementos gerenciais básicos, tais como: planificação, foco, competências e registro dos resultados. Trata-se de assumir uma Nova Competência Gerencial. Adotar um novo paradigma na administração. Este novo paradigma é caracterizado por um conjunto das ações da empresa, grupos de trabalho, gestores e empregados que atuam no diagnóstico, implantação de novos processos, novas tecnologias, projetos ergonômicos e especialmente gestão participativa nos processos de bem-estar.
Qualidade de vida no trabalho: o novo paradigma de administração pode ser adotado a partir de uma visão diferencial do ser humano: a Visão Biopsicossocial. Biopsicossocial origina-se da Medicina Psicossomática, que propõe visão integrada, holística, do ser humano, em oposição à abordagem cartesiana, que divide o ser humano em partes.
Toda pessoa é um complexo biopsicossocial. Toda pessoa tem potencialidades biológicas, psicológicas e sociais que respondem simultaneamente às condições de vida. Essas respostas apresentam variadas combinações e intensidade nesses três níveis e podem ser mais visíveis em um deles, embora todos estejam sempre interdependentes.
O nível biológico refere-se às características físicas herdadas ou adquiridas ao nascer e durante toda a vida. Inclui metabolismo idividual, resistências e vulnerabilidades dos órgãos ou sistemas. O nível psicológico refere-se aos processos afetivos, emocionais, de raciocínio, de experiências conscientes ou inconscientes, que formam a personalidade de cada pessoa e o seu modo de perceber e relacionar-se diante das pessoas e das circunstâncias que vivencia.
O nível social revela os valores, as crenças, o papel que incorpora na família, no trabalho e em todos os grupos e comunidades às quais cada pessoa pertence e de que participa. O meio ambiente e a localização geográfica também formam a dimensão social. Essa compreensão do ser humano, em que o indivíduo é o seu corpo, revela condições de vida e marcas das experiências vividas e desejadas.
A combinação das atividades gerenciais com a visão biopsicossocial gera um espaço rico para a definição de indicadores empresariais e ao mesmo tempo atendem às necessidades individuais, daí o novo paradigma: pessoas com bem-estar, que sejam resultados legítimos e sustentáveis para as próximas gerações de trabalhadores e investidores. Teste esse novo paradigma na administração. Você estará avaliando uma nova competência da sociedade pós-industrial.


Maria Ignez Morellato
é socióloga e Gerente adjunta de RH do Sesc-SP

Existem muitas interpretações para qualidade de vida no trabalho: desde o foco médico da ausência de doenças da pessoa, até as exigências de recursos, objetos e procedimentos que atendam demandas coletivas em determinada situação, compondo amplos programas de qualidade de vida no trabalho.
As preocupações empresariais com a Qualidade de Vida no Trabalho ganham expressão cada vez maior decorrente do aprofundamento da compreensão a respeito do estresse e de doenças associadas às pressões organizacionais e da expansão do conceito de qualidade total em ambiente competitivo.
Alguns programas e estratégias de recursos humanos, com certificação ISO, visam atender às exigências dos clientes e, principalmente, para o alcance de resultados empresariais por meio de melhorias nas condições de trabalho. Até que ponto a busca da qualidade de vida no trabalho é consistente com uma estratégia de comprometimento das pessoas com o negócio da empresa?
QVT já não é mais vista como centro de custos mas como parte de investimento e esforço para melhorar o desempenho geral da empresa e em alguns casos, a sua imagem social.
Vale lembrar que não é bom confundir iniciativas isoladas quanto à humanização do ambiente de trabalho, com programas de QVT, pois falta-lhes a característica global interativa e simultânea que marca os programas de QVT. A preocupação com QVT é muito mais que um modismo na área de RH ou da saúde, mas um caminho afirmativo para o resgate da dignidade do trabalhador. Um programa de QVT deve envolver esforços nas seguintes direções: implantações de sistemas inovadores e participativos de gestão; flexibilização da estrutura geral da organização para permitir a oxigenação de carreiras, cargos; definição de um sistema inovador, claro, conhecido e justo de recompensas que ative o sistema motivacional; melhorias e "assepsia" no ambiente organizacional, tanto no aspecto físico como psicossocial.
Na prática, os programas de gerenciamento do estresse são ótimas iniciativas, mas a falta de intervenções críticas na cultura, no sistema de valores e no sistema de recompensas, faz com que esse esforço seja apenas paliativo. O ambulatório médico pode não ser suficiente para atender aos casos de somatização provocados por um estilo de supervisão inadequado ou pela falta de planejamento. O estresse surge, em decorrência das pressões, onde o grau ocupacional é elevado, o poder de decisão é baixo e o colaborador não tem a percepção da importância de seu trabalho. O conceito de saúde vai muito além da ausência de doenças, englobando o estado de bem-estar interior e de satisfação pessoal, considerados quase que sinônimos de felicidade e qualidade de vida. Uma alimentação saudável, exercícios físicos, ausência de hábitos nocivos e o bem estar interior são aspectos essenciais da qualidade de vida. Para implantá-la dentro de uma organização é preciso estimular a cooperação e a criatividade, mudando a política do sucesso a qualquer preço que premia o individualismo e a competição destrutiva. O que temos visto, entretanto, é que sem auto estima, sucesso nas atividades e o crescimento pessoal permanente fica mais difícil se conseguir melhorar a qualidade de vida da pessoas. Os programas de QVT devem preocupar-se também com "endomarketing". Muitos esforços institucionais foram perdidos por não se preocuparem com a percepção que os trabalhadores teriam em relação aos novos procedimentos. As melhorias de QVT que ocorrem sem a participação dos trabalhadores não conseguem o efeito planejado e nem sempre se estabelecem, visto que pode representar coisas diferentes para diferentes pessoas ou grupos.
Se saúde e qualidade de vida são consequências da interação e equilíbrio entre nosso estilo de vida e o meio ambiente em que vivemos, as ações no âmbito da empresa devem acontecer em três dimensões: consciência individual, mudanças de comportamento e apoio ambiental. O aumento de consciência através de oportunidades educacionais e vivenciais, prepara o indivíduo para mudar comportamentos. Sem ela, a mudança raramente acontece. O ambiente adequado é fundamental para a manutenção da mudança de comportamento.