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Refugiados

Uma nova pátria

Perseguidas por guerras, terrorismo, ditaduras e lutas religiosas, muitas pessoas fogem de seus países para viver numa terra tranqüila. Hoje, o Brasil faz parte do grupo de nações que recebem refugiados, dando-lhes abrigo e proteção

A literatura e o cinema são pródigos em histórias - algumas românticas; outras, heróicas - de refugiados. Desde o clássico Casablanca ao engajado Batalha de Argel, passando pelas memórias de exilados brasileiros, a questão do desterro deve ser vista sempre como uma violência contra o ser humano. O fato de estar longe de seu país, por uma perseguição política, seja na forma de guerras ou de regimes não democráticos, grava marcas profundas nesses personagens. Algumas, letais.
Como forma de solidariedade, o Brasil está na lista dos países que recebem pessoas forçadas a abandonar suas pátrias. Pessoas que tiveram suas casas tomadas e viveram sob ameaça e terror psicológico e político. É o caso, por exemplo, da peruana Carla Durand Garagatti, que conta: "Tínhamos uma vida ótima no Peru; uma casa enorme com jardim, roupas boas, escola particular", lembra ela, que veio há mais de sete anos para São Paulo, com toda a família. "Só que tudo foi tomado pelos terroristas e ficamos sem ter onde dormir."
Para receber pessoas de várias partes do mundo e que passaram por dramas semelhantes aos de Carla, foi criado o programa de assistência a refugiados, amparado pela Caritas - uma entidade da Igreja católica - e que, por meio do Centro de Acolhida para Refugiados, recebe o subsídio do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). O programa conta ainda com a participação do Sesc São Paulo, do Senai e do Senac. A Acnur destina aos refugiados, mensalmente, o valor de um salário mínimo, e é com esse dinheiro que eles procuram suprir suas necessidades básicas.
Novo começo
A primeira providência é a retirada dos documentos. Para isso, os estrangeiros passam por uma entrevista na qual se faz uma avaliação de sua condição geral. A Caritas prepara o encontro no Comitê Nacional para Refugiados (Conare), órgão constituído pelos ministérios da Justiça, Relações Exteriores, Trabalho, Saúde e Educação. Por meio de suas respostas, o imigrante é caracterizado como refugiado e terá seus direitos dentro do programa. "A Caritas é quem os prepara para essa entrevista", explica o padre Ubaldo Steri, diretor da entidade e membro do Conare. "Os refugiados são avaliados para ver se entram nos critérios de ser ou não um refugiado, se podem entrar no programa."
Esse é o primeiro passo para ter todos os direitos de um cidadão brasileiro. Porém, mesmo antes dessa primeira providência, os refugiados já podem fazer parte do abrigo mantido pela Caritas e participar dos projetos oferecidos por seus parceiros.
O Sesc São Paulo, por meio da unidade Carmo, encarrega-se de oferecer assistentes sociais cuja principal incumbência é garantir que todos passem a sentir-se parte de uma comunidade. "O atendimento significa a oportunidade da gente ter contato com essa pessoa", explica a técnica da unidade, Denise Orlando de Collus. "Muitas vezes eles chegam aqui sem sequer saber que é o Brasil", conta. Outro serviço prestado pelo Sesc é a alimentação. Por R$ 1,60 são servidas boas refeições: "O restaurante é um dos primeiros passos para a sociabilização em um país no qual eles não conhecem ninguém", conta Denise. "É a conquista de uma independência tão almejada. Ali ele terá sua primeira oportunidade de fazer sozinho as suas coisas, desde a escolha do prato até o lugar em que vai se sentar", explica.

Internet Livre
O nigeriano Johnson F. K. gosta muito da comida, mas seu principal interesse se encontra nos computadores da Internet Livre da unidade, os quais também ficam à disposição dos estrangeiros. "É a melhor maneira de me comunicar com meu país", conta. "É através da web que posso matar as saudades", exulta. "Eles podem e passam a freqüentar a Internet Livre diariamente", retoma Denise. "Além de obter notícias sobre a situação de seu país de origem, eles ouvem música e confortam a solidão que sentem". Observar os refugiados no espaço da Internet Livre é uma experiência animadora. São olhos que brilham e expressões com a boca que remetem a música. Ali eles se comunicam com o que deixaram forçosamente para trás e tentam diminuir a saudade de um lugar que não sabem se poderão ver outra vez.
A área de convivência é outro espaço bastante utilizado pelos refugiados. Ali eles jogam dama, xadrez, dominó, entre outros jogos e, mais importante, põem em prática as aulas de português que recebem na unidade. É a chance de conversar com brasileiros, ler os jornais locais e se informar sobre os acontecimentos vizinhos.
As aulas oferecidas pelo Sesc São Paulo são ministradas por uma professora especialista em português para estrangeiros; é outro ponto forte do programa, segundo Denise Orlando de Collus. "Eles aprendem rapidamente a língua, pois tem uma ansiedade muito grande em querer se comunicar o mais depressa possível", explica. "Para eles, é através dessas aulas que conseguirão um emprego, sua segunda maior preocupação." Ultrapassada a barreira do idioma, o Senac e o Senai prosseguem o programa com os cursos profissionalizantes que oferecem para complementar o trabalho com os refugiados. "Os relacionados a computador e Internet são os mais procurados" diz Cezira Furtin, coordenadora do Centro de Refugiados. "Eles já vem com esse interesse depois que entram em contato com o computador no Sesc", explica ela.

Um trabalho
Conseguir um emprego e garantir a própria sobrevivência e de sua família não são tarefas fáceis para os recém-chegados ao Brasil na condição de refugiados. Entretanto, para o pai da menina Carla, cujo depoimento abriu esta matéria, "isso passa, se tiver paciência". Para Carlos Ernesto Durand Llanos, que já está aqui há dez anos, a experiência foi muito produtiva. "Quando cheguei no Brasil, eu e minha mulher vendíamos artesanato peruano na porta da Faculdade Mackenzie", conta ele. "Hoje temos uma casa, trabalho e nossas filhas estão ao nosso lado", conta.
Ao contrário dele, a família do colombiano L. A. O.*, que desembarcou em setembro depois de um mês viajando de ônibus, ainda se encontra ansiosa e confusa. "Espero que o mal que passamos em nosso país seja compensado por meio do trabalho e de uma vida melhor para a minha família", desabafa ele. Claro que todo esse desespero aumenta a saudade da vida que levavam em seus locais de origem. Entretanto, depois de vivenciarem o terrorismo e a violência, só querem paz para poder viver uma existência tranqüila.
Hoje existem no Brasil, oficialmente, 1023 refugiados políticos. A maioria é oriunda da África: ao todo, 414 estrangeiros. Com os problemas ocorridos nos países vizinhos sul-americanos, a quantidade de pessoas vindas desses locais vem aumentando consideravelmente.

*L.A.O. pediu para não ter seu nome revelado.

Passado xenófobo
Passado revela que o Brasil nem sempre foi a terra prometida para imigrantes

Os imigrantes, que hoje vivem um período de relativa paz no Brasil, já passaram por momentos bem mais difíceis por aqui. O governo de Getúlio Vargas foi um dos mais xenófobos da história do Brasil. Segundo a historiadora Sônia Maria Freitas, do Memorial do Imigrante, o regime do Estado Novo não apenas impôs várias restrições à entrada de estrangeiros como intensificou a xenofobia no país. "Instalou-se aqui um verdadeiro clima de terror e perseguição, a partir de 1939, com o início da Segunda Guerra Mundial e, principalmente, a partir de 1942, com a entrada do Brasil no conflito internacional", explica Não ter passaporte nacional nos anos que correspondiam à Segunda Grande Guerra também era bastante perigoso. "Constatamos que a política getulista de perseguição aos imigrantes atingiu também aqueles que não eram oriundos dos países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão)." As pesquisas de Sônia mostram uma série de agressões contra húngaros, lituanos, ucranianos, russos e poloneses. "Essa política colaborou, e muito, para o enfraquecimento de traços étnicos ou manifestações culturais de diversos grupos."