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Um mergulho em nosso lado mais obscuro

Foto: Jennifer Glass
Foto: Jennifer Glass

 A Melancolia de Pandora estreia no Teatro do Sesc Belenzinho, no dia 14 de julho. Um espetáculo que surgiu de um projeto da atriz e diretora Bete Coelho, junto das Companhias BR 116 e Lusco-Fusco (Brasil), e Theatre de L’ Ange Fou (França e EUA). Com direção de Steven Wasson, a peça traz referências e ideias de diversas personagens míticas e arquetípicas, personificadas na mente de uma mulher solitária e sem nome, que ganha do médico responsável por seu tratamento o nome de Pandora.

“Nessa união, cada artista trouxe sua própria história, sua trajetória individual e a multiplicidade de visões foi uma constante neste projeto. Nos ensaios, cada Cia. apropriou-se desse universo tão característico do Theatre de L’Ange Fou, que foi transformando-se em um universo comum” diz André Guerreiro Lopes, codiretor do espetáculo e ator da Cia Lusco-Fusco.

O espetáculo reflete na narrativa a mitologia grega de Pandora, o primeiro arquétipo feminino e a primeira mulher enviada à terra pelos deuses. Com suas estranhas teorias, o Doutor Ahriman, responsável pelo tratamento da protagonista, acredita que o mito de Pandora está escondido na mente da paciente e quer expulsá-lo de lá. Ele seria a causa da melancolia dessa mulher, responsável por reprimir sua curiosidade e suas descobertas. As cenas se desenrolam como fragmentos de uma memória estilhaçada e, em paralelo a isso, o doutor apresenta então o caso da paciente à plateia.

Como toda jornada humana, o espetáculo é cheio de absurdos, medos e surpresas. Repleta de ironia, drama e humor, também é pontuada por textos poéticos, revelando personagens polêmicos e ao mesmo tempo universais, como o Anjo que ajuda a mulher na jornada de sua vida imaginária. É ele o responsável por desvendar os mistérios de Pandora e mostrar ao público suas angústias.

A Melancolia de Pandora retrata a busca por si mesmo, a reconstrução da identidade e o processo de individualização. “É o arquétipo do homem que, vivendo à margem de si mesmo, busca se encontrar. E a arte e o teatro podem ser um dos veículos para esse encontro, o espetáculo fala disso” completa André.

Juntas, as três companhias tratam ainda sobre outro tema: a desumanização, a coisificação do ser humano. O codiretor e ator conta que até pouco tempo mulheres eram internadas por estarem tristes, por serem rebeldes, por terem envergonhado a família, em locais como a Colônia, em Barbacena, Minas Gerais. Lá dentro viravam "coisas", perdiam o nome e a individualidade. Muitas morreram ou passaram décadas enclausuradas, assim como a mulher do espetáculo que inicia sua jornada neste estado de desumanização, de perda total de identidade, uma paciente sem nome, sem idade, sem família. Além disso, em cena, o elenco retrata outras facetas humanas; como a personagem do Doutor Ahriman, que representa a soberba do homem. Em sua crença, os deuses são seus inimigos pessoais, por isso tenta a todo custo expulsá-los da mente das pessoas, como deseja fazer com Pandora. No mundo idealizado pelo médico não há arte, nem diferenças. Representa, assim, uma visão de mundo perigosa e amargurada que nega a multiplicidade da vida e das escolhas individuais.

A Melancolia de Pandora traz à tona o lado mais obscuro dos homens e mulheres. Verdades que não assumimos e a melancolia presente em diversos momentos da vida, trazendo ao palco, em forma de arte, aquilo que muitas vezes nos recusamos a enxergar.