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A Relação Avós e Netos: uma visão antroposófica

por Ricardo Ghelman*

Existe uma distância muito interessante entre estas duas gerações intercaladas pelos pais/filhos, uma distancia que permite o desenvolvimento de uma maravilhosa qualidade especial de relação entre pessoas em fases tão distintas da vida baseada na empatia, liberdade e amor. Avós e netos pertencem a duas fases polares do ciclo biográfico.

O estudo dos ciclos biográficos é uma grande área da Antroposofia desenvolvida pelo filósofo Rudolf Steiner (1861-1925) que nos diz que os primeiros 21 anos de vida são dedicados ao desenvolvimento corporal, dos 21 aos 42 anos desenvolvemos mais nossa psique através da construção de relações, e após os 42 anos entramos numa fase de maior desenvolvimento de nossas individualidades ao mesmo tempo que nosso desenvolvimento corporal apresenta um declínio.

Esta redução funcional e estrutural de nosso corpo acontece na fase de sermos avós, e justamente nesta fase, algo cresce, se desenvolve no interior e desabrocha: uma maior consciência, uma clareza que ilumina. Somos como uma vela que consome lentamente sua cera e cada vez mais aumenta sua chama.

Embora sejam parentes, os avós já foram pais, e revivem a experiência de ter crianças no seio familiar pela segunda vez. É como um renascimento em suas vidas, um despertar para um novo ciclo, quando tudo parecia estar consolidado e conhecido. Estes netos apresentam um novo mundo com um outro olhar, novos aprendizados, novas gírias, novas musicas, levam para passear em novos parques, para ver novos animais em zoológicos antigos. E apresentam novas tecnologias. Sim, pois nunca se viveu tantas mudanças tecnológicas em tão pouco tempo. Eles vem de outro mundo, e de uma outra infância, com celulares, computadores, tabletes, facebooks, whatsapps que se interconectam com uma gigantesca rede de pessoas, informações, fotos e vídeos, tudo em 2D. E ainda tem o Google para pesquisar qualquer assunto e visitar via satélite qualquer lugar já visitado ou nunca visitado, até dos antepassados.

Novas áreas do cérebro e da psique dos avós são estimuladas e conectadas por novas sinapses aos velhos circuitos de impulsos elétricos acostumados a velha rotina. E seu sistema muscular, articular e esquelético é desafiado.  O desafio do movimento livre, espontâneo, do riso solto, o desafio da sensibilidade de toques sutis, novamente os cafunés, e o andar descalço caso se aventurem em novos terrenos arenosos e de lama. Aquele olho que quase nada viu mas que enxerga muito bem pode ensinar e aprender novos olhares. Aquele ouvido infantil quase virgem de histórias pode ouvir muitas histórias suas, e contar novas histórias. O corpo dos avós é inundado por um antigo hormônio produzido de novo no cérebro, agora não mais induzido pelo trabalho de parto há muito anos, mas pelo profundo sentimento de amorosidade induzido polos netos, um hormônio do amor, chamado oxitocina, e tudo se transforma, o mundo fica mais colorido. É como um novo parto mesmo para os avôs.

É uma ótima oportunidade para mostrar a estas crianças, que se tornam adolescentes e depois adultos, o que é realmente importante na vida: a amizade, o amor, a sinceridade, a honestidade e o contato direto com a natureza em 3D, as plantas e os animais. As viagens, histórias do mundo inteiro, histórias da família, as culturas antigas, as grandes civilizações, as grandes receitas caseiras de comidas típicas da família, enfim um mundo de experiências e conhecimentos fora da escola, podem ser ensinados na cozinha, no sofá, no passeio no parque.

Os netos doam vitalidade, os avós doam consciência, cera e chama se completam.

Este encontro em geral não é obrigatório, não é contínuo, pois existem os pais, com sua total responsabilidade. No entanto às vezes quem assume esta responsabilidade e se tornam as figuras maternas e paternas são os avôs e avós, na falta deles. Agora mesmo na presença intensa dos pais, os avós tem uma relação bem diferente, de troca, de cumplicidade e muitas vezes como parte do mundo de fim de semana, férias, festas, almoços e jantares especiais, de chocolates, brinquedos e roupas especiais. Este mundo dos limites cabe mais aos pais, os avós se libertam e liberam.

Do ponto de vista das crianças ter uma avó ou um avô é como uma benção protetora, uma segurança a mais na vida e acima de tudo, um espaço de cumplicidade com alguém bem íntimo com mais tempo para brincar e conversar. Uma situação muito interessante são os avós adotados, muitas vezes definidos por crianças que querem muito que estas pessoas, sejam  familiares ou não, se tornem seus avós. Uma vez uma criança de cinco anos apos perder seus avós, convidou uma tia-avó para ser sua avó. Esta perguntou: o que eu preciso fazer para me tornar sua avó? A criança respondeu: é só me amar!

Na visão antroposófica estes diferentes momentos da vida, estes dois olhares, da fase corporal que a criança está vivendo e da fase da individualidade que os avós estão vivendo, se entreolham. Como dois olhos que se miram das duas margens do rio da vida.

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*Ricardo Ghelman é pediatra, médico da família, Pós-doutorando do programa de Neurologia/Neurociências da UNIFESP. Fundou o Núcleo de Medicina e Práticas Integrativas (NUMEPI) e coordenou o Núcleo de Medicina Antroposófica da UNIFESP. Fez treinamento em Fenomenologia de Goethe no Reino Unido e se dedica a ensinar um novo olhar sobre a Medicina em parceria com o Luis Bolk Institute na Holanda. Atualmente é professor colaborador do Departamento de Pediatria da USP.

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A programação completa da edição de julho do Avós e Netos está disponível aqui ou no folheto abaixo:

 

 

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