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Navegar é impreciso

Foto: Pixabay
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ESPAÇO DE LIBERDADE, COMUNICAÇÃO E CRIATIVIDADE, A INTERNET MUDOU A FORMA DE VER O MUNDO; POR ISSO MESMO, É NECESSÁRIO REFLETIR SOBRE DADOS QUE CIRCULAM NA REDE


D esde os anos 1990, quando a internet se popularizou, as noções de criatividade, liberdade, relações de comunicação e visões de mundo nunca mais foram as mesmas. Em 2013, as denúncias do ex-técnico da CIA Edward Snowden sobre o monitoramento empreendido pelo governo americano confirmaram o que muitos já suspeitavam: que todo esse volume de informações que circula na internet deixa rastros. Hoje, quase três anos depois, legislações e estratégias para promover um uso mais consciente da rede continuam em discussão pelo mundo. O desafio agora é ampliar o conceito de inclusão digital e formar uma cidadania digital.

Na opinião do professor e integrante do Comitê Científico Deliberativo da Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura Sérgio Amadeu, a solução para alcançar esse novo patamar seria combinar medidas educativas e legais. “A vida das pessoas melhorou com a internet, mas, por ser ambivalente, ela permite a articulação dos movimentos sociais e uma grande liberdade criativa, ao mesmo tempo em que grupos econômicos e políticos procuram controlá-la”, analisa, e afirma que um uso mais livre da internet, sem comprometer a privacidade, depende de conscientização. “É necessário esclarecer que as pessoas, para terem liberdades democráticas, precisam de um espaço de privacidade, em que sejam informadas dos dados que estão colocando a público. É uma combinação de educação e ativismo.”

O coordenador do Núcleo de Direito, Internet e Sociedade da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Dennys Antonialli, observa que o tema da privacidade na internet tem sensibilizado cada vez mais os usuários, mas concorda que essa preocupação deve acompanhar um uso mais consciente dos serviços e aplicativos. “Muitos dos modelos de negócios das empresas que oferecem aplicações de internet, como as redes sociais ou as plataformas de vídeo e e-mail, baseiam-se na coleta e tratamento de dados para fins publicitários, o que movimenta a economia por trás dos cliques”, explica. Um exemplo é que, ao pesquisar algo em buscadores, é comum passarmos a receber ofertas publicitárias relacionadas àquele assunto. “Para evitar que essas práticas se tornem abusivas, é importante uma legislação que estabeleça os limites dessa coleta de dados. Além disso, é preciso se familiarizar com as políticas de privacidade e termos de uso dos sites e aplicativos utilizados e aprender sobre tecnologias que permitem uma navegação mais segura, como a criptografia”, completa.

LEGISLAÇÃO

Aprovada em 2014 pelo governo brasileiro, a Lei 12.965, conhecida como Marco Civil da Internet, é uma espécie de “Constituição da Internet”. A legislação se baseia em três princípios: o da neutralidade da rede, segundo o qual empresas de telecomunicação não podem filtrar ou bloquear a comunicação; o da privacidade, que diz que provedores de conexão não podem armazenar dados da navegação em rede; e o da estabilidade, que diz que nenhum provedor é responsável por conteúdos postados por terceiros e só será responsabilizado se descumprir ordens judiciais.

Construído a partir de um modelo participativo, o Marco Civil tem servido de inspiração para outros países, como a Itália. No entanto, a lei deixou questões abertas e, por isso, têm-se realizado consultas públicas para debater o decreto que regulamentará o Marco Civil e o anteprojeto de Lei para a Proteção de Dados Pessoais. “Tanto o decreto quanto o anteprojeto serão cruciais para fortalecer as garantias já estabelecidas pelo Marco Civil e colocar regras claras para sua aplicação e implementação”, comenta Dennys. Para ele, equilibrar inovação, segurança e privacidade é o maior desafio a ser enfrentado no desenho de um modelo regulatório de proteção de dados pessoais: “Especialmente em um contexto em que cada vez mais dispositivos estarão conectados à internet, como as lâmpadas das casas e as geladeiras, é preciso pensar em um arranjo regulatório que proteja a privacidade dos usuários sem inviabilizar a inovação que pode advir do tratamento desse grande volume de dados e registros”.

EDUCAÇÃO

Além de leis, a preservação da privacidade depende também do comprometimento do próprio usuário com um uso ético, seguro e consciente da internet, aponta a professora e coordenadora do Laboratório de Estudos em Ética nos Meios Eletrônicos da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Solange de Sá Barros: “A atual geração de adultos não passou pelo processo de conscientização e apropriação do conceito de cidadania digital. Temos visto com frequência uma autoexposição nas redes sociais que, de alguma forma, não é fruto de uma atitude consciente. Por isso, tudo aquilo que colaborar com essa formação ‘tardia’ é bem-vindo”.

Instituições, ONGs e iniciativas independentes têm buscado educar usuários da internet para um uso mais consciente e seguro das informações que colocam na rede. Em alguns casos, o foco é ensinar mecanismos de proteção de dados, como no caso da CryptoParty, evento que já aconteceu em diversos países para difundir conceitos fundamentais e ensinar softwares básicos de criptografia. Em São Paulo, desde 2014 ocorre também a CryptoRave, evento gratuito que reuniu mais de mil pessoas por edição para discutir privacidade e liberdade na internet.

Na opinião de Solange, quando se leva em conta a formação da cidadania digital das próximas gerações, a escola tem papel fundamental. “Programas de formação e prevenção de crimes como cyberbullying são importantes para as crianças crescerem conscientes e capazes de identificar conteúdos nocivos, mentirosos e inadequados”, argumenta professora. Ela salienta que também cabe à escola mostrar a internet como um universo de conhecimento. “É preciso que as crianças e adolescentes percebam que a internet abriga possibilidades de construção colaborativa, compartilhamento de informações e mídias”, diz. “E isso, só a colaboração do sistema educacional e da família pode fazer.”


MANUAL DE OBRDO 
Três recomendações e procedimentos para o uso mais seguro da internet

• CRIPTOGRAFIA
Criptografia é um método para “embaralhar” uma mensagem ou arquivo e garantir que apenas alguém com o código correto consiga lê-la. É como um cadeado com duas chaves: uma somente fecha o cadeado e a outra somente abre. Há diversas opções de programas de bate-papo, e-mail e troca de mensagens por celular que utilizam mensagens criptografadas.

• SENHAS
A senha é a chave para os seus dados privados, e por isso deve ser forte. Procure usar senhas longas, misturando letras maiúsculas, minúsculas, números e símbolos. Evite senhas que remetam a sua vida pessoal, como nomes e datas, e não utilize a mesma senha para serviços diferentes.

• NAVEGAÇÃO SEGURA
Sites que possuem certificados de segurança podem ser reconhecidos pelo protocolo HTTPS na barra de endereço do navegador. Ao utilizá-los, a informação que trafega entre o usuário e o destino final fica segura. Para garantir que seu navegador tente acessar sites sempre por meio do protocolo seguro, é possível instalar adicionais nele.

 

IDEIAS EM CONSTRUÇÃO
Projetos incentivam o uso responsável e cidadão das tecnologias

A valorização da cidadania, o desenvolvimento e o acesso a ferramentas de expressão e produção de cultura estão no cerne das ações realizadas pelo Programa de Tecnologias e Artes do Sesc. Um dos conceitos norteadores do programa é a filosofia do software livre, pautada pela construção conjunta e em diálogo com a comunidade, na cooperação entre pares e no respeito ético. “Entendemos que a tecnologia, como modo de o ser humano usar uma ferramenta para se expressar, por si só pressupõe um colaborativismo. Nossos Espaços de Tecnologias e Artes são voltados para o fomento da colaboração, possibilitando construir um espaço de aprendizado mútuo entre educandos e educadores”, explica o assistente técnico da Gerência de Artes Visuais e Tecnologia Gustavo Torrezan.

Conheça mais sobre três projetos desenvolvidos em 2015:

Cyberbullying - Sesc Interlagos
A expressão cyberbullying, ou bullying virtual, refere-se ao uso de tecnologias de informação e comunicação para comportamentos hostis. Em virtude dos impactos negativos causados por tais práticas, desde 2012 a área de Tecnologias e Artes do Sesc Interlagos desenvolve, com escolas da região, um projeto com bate-papos, palestras, jogos e dinâmicas direcionados a educadores e estudantes. Além de conscientizar e construir uma cultura de paz, o projeto enfatiza conceitos sobre o uso responsável da internet, liberdade de expressão, medidas de privacidade e segurança, responsabilidades civil e criminal.

Criptolab - Sesc Belenzinho
Um dos labs do Sesc Belenzinho oferece atividades de experimentações em códigos e linguagens. Foi criado com o intuito de contemplar as aproximações críticas com a tecnologia, procurando tratar desde códigos de programação, segurança da informação e questões relativas à privacidade até desdobramentos e abordagens poéticas que partem dessas questões.

Experimentando o Baobaxia - Sesc Campinas
O Sesc Campinas realizou em abril deste ano um laboratório de uso da rede Baobaxia, uma rede independente capaz de funcionar sem conexão com a internet, e o dispositivo que acessa a rede esteve disponível para o público durante todo o segundo semestre de 2015. A atividade buscou a apropriação de tecnologias livres em prol da preservação da memória, da difusão de demandas sociais contemporâneas e apropriação de tecnologias por iniciativas de cultura popular.


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