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Gerar recursos e conhecimentos

Fernando Landgraf / Foto: Carlos Juliano Barros
Fernando Landgraf / Foto: Carlos Juliano Barros

Por: CARLOS JULIANO BARROS

Acelerar a evaporação da água do mar para produzir o sal de cozinha. Como se faz isso? É possível atingir um nível de pureza de 99,999% no silício para a confecção de placas que transformam a luz solar em eletricidade? De que maneira se fabrica um cimento odontológico mais barato e eficaz com vistas a facilitar a vida dos dentistas? Perguntas como essas são cotidianamente respondidas pelos laboratórios do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), em São Paulo, um dos mais tradicionais e respeitados centros de inovação do país.

Criado em 1899, o IPT recebe do governo paulista em torno de 30% do seu orçamento anual, estimado em R$ 150 milhões. O restante é captado pela venda de serviços a empresas e órgãos públicos de todo o Brasil. “Se fosse para atender à demanda de inovação da iniciativa privada, seria ótimo! A questão é que somos levados a fazer outros tipos de serviços não ligados à inovação”, diz o engenheiro Fernando José Gomes Landgraf, diretor presidente do instituto. Aos 61 anos, ele também é professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), ao lado do IPT.

Apreciador do músico norte-americano Frank Zappa e estudioso da história da siderurgia brasileira, Landgraf tem por hobby caçar cercas e portões antigos de ferro, nos fins de semana, a fim de reunir amostras para suas pesquisas sobre a indústria de transformação do país. Nesta entrevista concedida na sede do IPT, na Cidade Universitária, zona oeste da capital paulista, ele fala sobre os desafios de promover a inovação, ampliar o número de patentes e garantir mais recursos do poder público – e da iniciativa privada – para turbinar a área de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) no Brasil.

Problemas Brasileiros – O IPT tem um arranjo institucional bastante singular. É vinculado ao governo do estado de São Paulo e recebe dele uma verba, mas ao mesmo tempo atua como empresa privada que vende projetos para pagar salários de pesquisadores. Quais são os principais desafios do IPT em termos de gestão?
Fernando José Gomes Landgraf – Quando observamos outros centros de pesquisa e de inovação no mundo, casos da rede alemã Fraunhofer, do TNO, um instituto holandês importante, ou ainda do SP Sweden, instituição sueca parecida com o IPT, vemos que em torno de 50% da dotação orçamentária de todos eles é bancada pelo Estado. Quando o governo coloca o desafio de gerarmos com receita própria quase 70% do nosso orçamento, somos levados ao exagero de vender projetos em detrimento do impacto do projeto. Vamos vender serviços quaisquer que sejam eles, já que o importante é “faturar”. Outros institutos do mundo conseguem se equilibrar melhor porque têm menos pressão para compor o orçamento.

PB – Atender à demanda do setor privado por inovação pode inibir a agenda própria do IPT? Em outras palavras, existe o risco de os pesquisadores deixarem de lado projetos estratégicos do instituto para atender ao mercado a fim de gerar a receita necessária para custear salários e instalações?
Landgraf – Se fosse para atender à demanda de inovação da iniciativa privada, estaria ótimo! A questão é que somos conduzidos a fazer outros tipos de serviços não ligados à inovação. Serviços de menor impacto agregado, digamos assim. Por exemplo: o IPT presta serviços para o Ministério Público e para o Ministério do Trabalho para avaliar se é razoável que uma empresa funcione 24 horas por dia. Fazer esse tipo de laudo não é algo sem importância, mas não é o foco do instituto. Fazemos esse tipo de coisa porque é necessário levantar recursos.

PB – Por ano, mais de 3.500 empresas encomendam testes e ensaios ao IPT. Esses procedimentos respondem por metade da receita do instituto. Nos últimos anos, as empresas têm buscado a ajuda do IPT ou é o instituto que aprendeu a vender projetos?
Landgraf – As duas coisas. Por conta da experiência e da fama do IPT no segmento chamado de metrologia (ensaios, análises e calibrações), que representa mais de 50% da nossa receita, o instituto é muito procurado. Já na área de P&D, ele faz um grande esforço de venda. E é por isso que está crescendo: organizamos eventos para chamar empresas e mostrar o que desenvolvemos. Fazemos visitas a elas. Ou então a empresa vem aqui por conta de um problema e aí oferecemos mais serviços, além daquele que a trouxe até aqui. Nos últimos três anos, o IPT criou um setor para ajudar os laboratórios a vender projetos.

PB – O senhor bate na tecla de que é necessário mensurar o impacto do IPT para a indústria e para a sociedade. O próprio governador Geraldo Alckmin já “cobrou” indicadores dessa natureza. Como fazer isso?
Landgraf – Esse é um dos nossos maiores desafios. Não é fácil medir esse impacto. Além disso, desenvolvemos um número muito grande de trabalhos. Em um instituto com orçamento anual de R$ 150 milhões, nosso maior projeto tem uma dotação em torno de R$ 5 milhões. Então, como é possível demonstrar o impacto de um trabalho que é pulverizado? São muitos projetos para um número muito grande de empresas. Não dá para reduzir o IPT apenas a um projeto. Nós resolvemos um monte de problemas pequenos. Veja a dificuldade que é transmitir para a sociedade o impacto do nosso trabalho. Senão vejamos: um dos maiores projetos do IPT é sobre energia solar. Para trabalhar com energia solar é preciso desenvolver placas fotovoltaicas. A placa fotovoltaica é feita de silício. O Brasil produz silício com 99% de pureza, que é até exportado. Mas, para fazer a célula fotovoltaica, é necessário um silício com pureza de 99,999%. Esse é o projeto do IPT: como desenvolver uma tecnologia mais barata de purificação do silício para concorrer com os chineses? Mesmo em um projeto tão interessante, ligado a um assunto com bastante visibilidade, fica difícil explicar para as pessoas o impacto do nosso trabalho. O interessante seria apresentar um número global.
O Massachusetts Institute of Technology (MIT), [renomado centro de pesquisa dos Estados Unidos], tem o mesmo problema que o IPT. Eles afirmam: “O impacto do MIT é da ordem de US$ 1 trilhão”. Como fazem isso? Eles calculam o faturamento anual de todas as empresas cujos donos fizeram cursos no MIT. Dá US$ 1 trilhão. Então, precisamos descobrir uma maneira de como fazer isso, de como contabilizar.

PB – É uma questão de marketing também?
Landgraf – Temos que gerar um número com indicadores confiáveis. Mas você tem toda razão: é preciso melhorar o marketing. A questão é saber como se faz o marketing de uma instituição como o IPT.

PB – Entre 2008 e 2012, o governo do estado de São Paulo investiu R$ 150 milhões na modernização dos laboratórios do IPT. Foi suficiente?
Landgraf – Esse aporte permitiu que fosse estabelecido um conjunto de novos laboratórios. Mas, para trabalhar com o acervo de microrganismos que o IPT quer usar para pesquisar biotecnologia, por exemplo, as salas precisam de um sistema de proteção melhor do que o que foi concebido. Então, é preciso mais dinheiro. De qualquer maneira, esses recursos foram muito importantes para aumentar o espectro das nossas competências. Agora, precisamos vender mais projetos associados a esses novos laboratórios. Exemplificando: criamos um laboratório de micromanufatura que usa técnicas da microeletrônica para criar sensores e atuadores. Essa é uma área incipiente da indústria brasileira. Estamos na fase de procurar as empresas, mostrar as potencialidades e identificar oportunidades de trabalho com elas.

PB – A crise econômica que o país atravessa tem afetado novos projetos?
Landgraf – Com certeza. Entre 2013 e 2014, comercializamos 20 projetos. Mas em 2015 está difícil vender. Estamos negociando 15 projetos e até julho, infelizmente, não fechamos nenhum negócio. Há alguns em vias de ser sacramentados, mas ainda não foram concluídos. É preocupante. Mas várias empresas, apesar da crise, vão investir. Temos percebido que a hesitação maior foi no primeiro semestre. Estamos com cinco contratos com sinal verde: o investimento está decidido e estamos acertando a parte jurídica desses entendimentos. A impressão é que o pior passou. Vamos ver como a economia evolui.

PB – O senhor é um defensor do investimento público em P&D e afirma que nenhum centro de tecnologia de ponta sobrevive sem um considerável suporte financeiro do Estado. Além da óbvia escassez de dinheiro, por que o investimento público nessa área não decola no país?
Landgraf – O investimento do governo brasileiro em P&D, da ordem de 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB), é um bom número, se fizermos uma comparação internacional. O que precisamos é otimizar o uso desse recurso, aprender a aplicá-lo em projetos que gerem impacto na sociedade, se transformem em inovação de fato e cheguem até o mercado. É isso que está faltando. No caso do IPT, esse modelo 70-30, ou seja, como já foi dito, 70% de financiamento por venda de projetos e 30% por dotação do governo do estado de São Paulo, está se mostrando desafiante demais. Mas, se falarmos do Brasil como um todo, não estamos mal. O investimento privado em P&D é que está abaixo da média mundial e da média dos países avançados.

PB – No início do governo Dilma Rousseff, a União alimentava planos de transformar a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), empresa vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), em um banco de fomento da inovação, nos moldes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Está faltando um sistema robusto de âmbito nacional para financiamento de pesquisas e de inovação?
Landgraf – Esse projeto da Finep, chamado de Inova Empresa, lançado no primeiro mandado do atual governo, teve um lado positivo e um lado negativo. O positivo foi aumentar a oferta de recursos para financiamento das empresas que queriam investir em inovação. O negativo foi zerar o financiamento não reembolsável para os projetos em parceria. Qual era o modelo que o BNDES tinha e que a Finep pretendeu ter, mas acabou não realizando? O compartilhamento do risco. São projetos em que a empresa entra com parte do recurso e o governo com outra. Nos últimos três anos, isso foi zerado pelo BNDES e pela Finep. A Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) restou como única fonte de recurso federal para projetos desse tipo. No estado de São Paulo há um outro modelo bancado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que continua sendo bem-sucedido. Então, a interrupção desse modelo em que o Estado compartilha o risco de desenvolvimento de alguns projetos com a empresa foi muito negativa. Ele precisa ser melhorado.

PB – É uma das explicações para o baixo investimento privado?
Landgraf – Com certeza, esse é um componente importante, mas não é o único. Tem que haver investimento privado e ponto. Mas uma parte maior dos recursos governamentais deveria ser aplicada nesse tipo de modelo de risco compartilhado. Todavia, se aumentar o volume de recursos do governo, não será no dia seguinte que esse dinheiro vai ser usado. Pode até ser um financiamento não reembolsável da parte do Estado, só que a empresa também tem de pôr dinheiro. E quem é que está disposto a correr esse risco?

PB – Falta uma cultura de investimento em inovação ao setor privado?
Landgraf – Sem dúvida. Tempos atrás, o [economista] Delfim Netto escreveu um artigo que falava sobre a falta de “espírito animal” do empresário brasileiro. A expressão é antiga [foi cunhada pelo economista inglês John Maynard Keynes], mas o assunto ressuscitou. Temos explicações para isso: aparentemente, os riscos no Brasil são mais altos mesmo. Mas isto está atrapalhando: a falta de audácia dos empresários para investir, de maneira geral. É claro que há um conjunto de empresas – e são as de sempre – que correm esses riscos, mas o número delas precisa aumentar. Necessitamos multiplicar os exemplos de sucesso, de gente que investiu e deu certo.

PB – A “desindustrialização” do país é um dos temas mais candentes no debate econômico nacional. A baixa capacidade de inovação das indústrias brasileiras é apontada como uma das causas importantes desse processo. Essa avaliação procede?
Landgraf – Em primeiro lugar, é preciso relativizar essa questão. Existe, sim, um fenômeno mundial que é o crescimento da importância do setor de serviços. Então, quando se mostram os números de diminuição da participação da indústria no PIB, isso acontece porque a participação dos serviços aumentou. Essa é uma verdade da qual o Brasil não escapa. Além disso, aconteceu uma desindustrialização pelo movimento da indústria em direção à Ásia. Nós não escapamos desse processo também. Agora, se a participação da nossa indústria no PIB encolheu, isso se deve, em parte, à baixa competitividade. E, com certeza, a inovação é um dos pilares da competitividade. O Brasil está mal colocado nesse ranking em escala planetária. Nas avaliações mais importantes, ficamos abaixo do 60º lugar em inovação.

PB – O senhor já afirmou que o Brasil viveu “nos últimos 30 anos a onda da qualidade. E que o desafio agora é inovar”. Podia ser mais claro?
Landgraf – O Brasil entrou fortemente na onda da qualidade, mas ainda não é o suficiente. O número de empresas brasileiras que têm ISO 9000 [conjunto de normas técnicas aceitas internacionalmente e que atestam qualidade a produtos e serviços] ainda é baixo. Nesse indicador de qualidade, por exemplo, estamos em 40
º lugar em número de empresas com ISO 9000 por bilhão de dólares de PIB. Nós estamos em 40º em qualidade e em 60º em inovação. Precisamos avançar mais. Por isso, é muito importante que o Estado dirija parte do seu investimento em P&D para o risco compartilhado. O Estado tem que alocar mais recursos para tal, só que, na mesma direção, mais empresas têm que estar dispostas a correr riscos.

PB – Muito se fala do baixo número de patentes registrado no Brasil. Mas produzir uma elevada quantidade de patentes é necessariamente sinônimo de qualidade em inovação?
Landgraf – No mundo inteiro, a relação entre o número de patentes licenciadas e o número total de patentes é muito baixo. Ou seja, do universo total de patentes, poucas são licenciadas e de fato usadas. Se houver poucas patentes registradas, vai haver muito poucas patentes licenciadas. O desafio que nós temos neste momento passa por aumentar o número de patentes, sim. O indicador “número de patentes” é importantíssimo porque nós temos que aprender a fazer patentes. Nossa comunidade [científica] não está treinada para isso. E não é uma coisa simples. É um jeito diferente de pensar. É pensar na inovação, em como escapar daquilo que está protegido e enxergar o que não está protegido, colocando uma ideia nova. Patentear é sair dessa postura de apenas copiar o que está sendo feito – o que, de certa maneira, é um modelo muito usado. A nossa produção científica é assim: vamos seguir a moda. Mas patentear é ir além da moda.

PB – Instituições públicas precisam ser mais capacitadas?
Landgraf – Sem dúvida. Esse é um outro problema: o prazo para a concessão da patente demora dez anos. Está faltando servidor no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi)? É preciso colocar mais gente lá.

PB – Quando uma empresa apresenta um “problema” para o IPT resolver, como fica a questão da patente do processo industrial inovador?
Landgraf – Depende do caso. Se a empresa paga 100% do custo do projeto, então a inovação surgida será de propriedade da empresa. Mas, se o custo do projeto é compartilhado de alguma maneira, então a patente é compartilhada.

PB – Que patentes desenvolvidas no IPT o senhor destacaria?
Landgraf – Uma das mais importantes é o processo de purificação do ferronióbio por uma tecnologia ambientalmente mais adequada. Esse foi um dos projetos mais interessantes que já fizemos, pelo tamanho do impacto. Com base na pesquisa desenvolvida aqui, a empresa implantou essa tecnologia e até levou um pesquisador treinado no IPT para conduzir o processo de sua implementação. Mas isso faz parte do jogo. Esse processo foi desenvolvido a pedido de uma empresa brasileira que tem uma postura diferenciada em relação à inovação, a Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM). Esse é um exemplo importante. Outro caso recente, e que ainda está em maturação, é o da empresa Angelus, no tocante ao desenvolvimento de um novo cimento odontológico. É uma inovação de nicho, mas superimportante. Mostra como podemos usar nanomateriais em inovações para empresas brasileiras arrojadas.

PB – O IPT promove cursos de pós-graduação. Como a área de ensino dialoga com a de pesquisa e inovação?
Landgraf – É um mestrado profissional, ligado a atividades aplicadas. A maior parte das pesquisas está relacionada às necessidades das empresas a que os alunos estão ligados e incentivamos que seja assim. Mas, nos casos em que o aluno se interessa por um dos temas que nós conduzimos aqui, no IPT, isso se torna muito importante para o instituto. Ter mais gente trabalhando em ideias novas e desvinculadas de um financiador nos dá um pouco mais de liberdade. O IPT valoriza muito a pesquisa feita com financiador industrial, mas é importante ter a pesquisa feita sem o financiador porque nos permite criar o novo que vamos oferecer no futuro.