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Caem as vendas, cresce a inovação

Máquinas no campo otimizam trabalho / Foto: Divulgação
Máquinas no campo otimizam trabalho / Foto: Divulgação

Por: ROSA SYMANSKI

Os tempos duros amargados pela indústria de máquinas e implementos agrícolas nacionais contrastam com os saltos tecnológicos que a zona rural tem dado no campo da produtividade. Se por um lado o setor enfrenta uma ribanceira nos negócios com a queda na venda de máquinas de mais de 25%, somente no primeiro semestre de 2015, por outro, a busca desenfreada por avanços, no afã de facilitar cada vez mais a vida do ruralista, acena para um futuro no mínimo promissor para o agronegócio, hoje a locomotiva que traciona a economia nacional.

De tecnologias de pulverizadores capazes de medir a quantidade de fertilizante necessária, passando por máquinas agrícolas com grande ênfase em produtividade a GPS [Global Positioning System ou Sistema de Posicionamento Global] para análise do solo, são muitas as novidades que estão despontando na área. O GPS, por exemplo, possibilita uma análise completa de todas as exigências do solo, indicando os pontos nas lavouras deficientes em nutrientes. “As inovações podem reduzir os custos dos produtores com defensivos agrícolas em torno de 20%”, afirma Fernando Degobbi, diretor de marketing da Cooperativa de Produtores Rurais (Coopercitrus).

Nesse novo terreno, que visa simplificar cada vez mais os processos, não fica de fora nem a semeadura. Atualmente, as sementes são alvo de um sistema de precisão voltado ao plantio que, utilizando as coordenadas programadas previamente, impede sua sobreposição. Nessa corrida pela modernização, os pulverizadores contam agora com controle de sessão de barra, que aplica taxas variáveis de fertilizantes de acordo com a necessidade específica de cada área plantada. “Toda a tecnologia desenvolvida para agricultura de precisão visa distribuí-los de forma racional”, observa Degobbi.

E, no quesito novidade, as máquinas agrícolas também não poderiam ficar atrás. Um dos grandes players do setor, a New Holland desenvolveu duas novas colheitadeiras e plataformas de grãos com comandos simplificados e recursos que aumentam o desempenho no campo. A grande tacada, nesse caso, reside no fato de que o equipamento não exige a interrupção da colheita para as operações de descarga, porque seu tubo mede até 8,9 metros.

O modelo CR8090 ainda está munido com sistema de agricultura de precisão que inclui GPS, piloto automático e monitor que indica o rendimento e a umidade do grão colhido em tempo real, atendendo às necessidades cada vez maiores do produtor de máquinas grandes e com mais tecnologia, descreve a empresa.

Além de otimizar as atividades no campo, a mecanização agrícola é atualmente uma necessidade, tendo em vista o encolhimento do número de trabalhadores rurais, apontam dados da empresa de consultoria Céleres. O estudo da consultoria O Setor de Máquinas Agrícolas no Brasil: Evolução nos Últimos Anos e Perspectivas mostra que houve uma queda de 16% da mão de obra no campo, entre 2005 e 2011 (IBGE), ao mesmo tempo em que o aumento da população urbana e da renda per capita no país demandou uma maior produção de alimentos. “Com os investimentos nas últimas décadas, a frota de tratores no Brasil é a mais nova desde 1982. Em torno de 30% das máquinas têm menos de 5 anos de uso”, aponta Aline Fero, analista de negócios da consultoria e responsável pelo relatório.

Quarto maior mercado

O fenômeno da venda de máquinas no mercado tem por trás um poderoso estímulo: o alto preço que as commodities agrícolas alcançaram, segundo mostra a radiografia da Céleres. “A elevação dos preços – especialmente de grãos, o que possibilitou a expansão do cultivo – foi o principal fator que impulsionou as vendas de máquinas. Outras razões, como o crédito subsidiado a juros baixos, também ajudaram a alavancar o setor aqui e no mundo afora”, diz a analista.

O Brasil é o quarto maior mercado de tratores agrícolas do mundo, ficando atrás apenas da Índia, China e Estados Unidos. Em 2013, o setor experimentou um crescimento de vendas de 17% em comparação com 2012, de acordo com a Agrievolution Alliance, órgão global voltado para pesquisas no setor agrícola. No entanto, a média de 11 tratores por mil hectares de área produtiva (considerada a área arável e as culturas permanentes), apurada em 2012, apesar do crescimento acelerado dos últimos anos, ainda está muito abaixo do indicador verificado em países desenvolvidos, como os Estados Unidos (27 tratores por mil hectares em 2009) e a Alemanha (82 tratores por mil hectares em 2009), segundo estimativa da Céleres com base nos dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

E o que vinha se desenhando como um céu de brigadeiro nos últimos tempos começou a se desvanecer na esteira da desvalorização do preço dos grãos no mercado internacional, a partir da segunda metade de 2014. Segundo o estudo da Céleres, tendo em vista a tendência de super oferta, a reação para baixo das commodities, por questões óbvias, tem impactado diretamente nas vendas do setor de maquinário. Os produtores estão mais cautelosos e devem restringir investimentos na atividade, especialmente no segmento de máquinas agrícolas.

O novo panorama chamou a atenção do presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Carlos Pastoriza. “Apesar do forte crescimento nas vendas de máquinas e implementos agrícolas, registrado nos últimos dez anos, há ainda um potencial expressivo de aumento em decorrência da constante necessidade de modernização da frota”, avalia. Segundo diz, a maior parte dos equipamentos está defasada, com uma idade média de 15 a 20 anos, resultando em menos eficiência e prejuízo para a produtividade. “Acreditamos que com a modernização dos equipamentos teríamos um incremento de 10% na produtividade geral do agronegócio”, afirma Pastoriza. Para que o produtor invista em máquinas mais modernas, segundo o executivo, são necessárias algumas medidas. “A principal é a capitalização do homem do campo, exatamente como está se dando agora, considerando que a queda dos preços das principais commodities foi compensada pela valorização do dólar.”

Nas contas do presidente da Abimaq, é preciso melhorar as condições de financiamento, com linhas de longo prazo, bom volume e juros condizentes; ampliação do seguro rural, hoje muito limitado; melhoria na logística geral de transportes para facilitar o escoamento da safra até os pontos de distribuição e dos próprios portos. A definição de uma política setorial de médio ou longo prazos e o Plano Safra também foram citados por Pastoriza. Lançado em junho deste ano, o Plano Safra prevê a liberação de R$ 28,9 bilhões de crédito para a agricultura familiar de 2015 a 2016. Pastoriza, no entanto, defende outro formato para garantir mais eficiência ao programa. “O plano precisa ser plurianual, no mínimo de cinco anos, de forma que o produtor rural consiga ter um horizonte maior para o seu planejamento”, conclui.

Segundo dados da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), somando todos os modelos – implementos agrícolas e rodoviários – a queda nas vendas de máquinas agrícolas chegou a 25,1% no primeiro semestre deste ano. No segmento agrícola, segundo a entidade, a maior baixa ocorreu com os chamados cultivadores motorizados, como os pulverizadores, e também com as plantadeiras com motor próprio. Segundo dados da entidade, foram entregues aos agricultores 455 unidades entre janeiro e junho deste ano, uma baixa de 36,3% em relação às 714 máquinas do primeiro semestre de 2014.

Reação positiva

A comercialização de colheitadeiras caiu 32,2% no período, com negociação de 1.969 unidades este ano ante as 2.905 anotadas no ano passado. A maior queda foi da Valtra (-43,3%), seguida da John Deere (-37,9%), Massey Ferguson (-31,3%), Case (-30,4%) e New Holland (-21,8%), os principais fabricantes do ramo. Em números absolutos, quem mais conseguiu fazer negócios foi a John Deere, com a entrega de 815 ceifas ao consumidor final. Já na linha de tratores de pneus, usados na lavoura para puxar grades, pulverizadores, plantadeiras e carretões, a redução nas vendas foi de 22,4%. Foram comercializadas 20,8 mil unidades entre janeiro e junho de 2015 diante das 26,8 mil do primeiro semestre do ano passado.

Mesmo com o acentuado recuo nos seis primeiros meses do ano, a Anfavea destaca a reação positiva do mercado em junho em comparação com o movimento de maio. No período, a venda de pulverizadores motorizados aumentou 52%, de colheitadeiras, 14%, e de tratores de pneus, 6,6%. A venda de retroescavadeiras e tratores de esteiras, por sua vez, mais usados em obras, tiveram as maiores quedas no semestre, de 41% e 49,6%, respectivamente.

O travamento dos negócios no setor atingiu em cheio o quadro funcional das empresas, especialmente nos estados do sul, que abrigam as maiores indústrias voltadas para a fabricação desse tipo de produto. Grandes companhias anunciaram demissões este ano: só a Massey Ferguson demitiu 153 funcionários em sua fábrica de colheitadeiras no município gaúcho de Santa Rosa. A AGCO, dona da marca Massey Ferguson, por sua vez, divulgou nota informando que, diante da queda de vendas de todo o setor de máquinas e equipamentos, precisou ajustar a demanda em relação ao mercado. A John Deere não se manteve indiferente à situação, tendo dispensado 230 funcionários na cidade de Horizontina, também no Rio Grande do Sul. Neste caso, a empresa afirmou, em nota, que foi uma ação necessária para a adequação de sustentabilidade dos negócios e em razão da acentuada insegurança do mercado argentino, para onde exporta colheitadeiras e plantadeiras.

A prática de ceifar empregos quando a crise econômica bate à porta também obrigou a CNH Industrial (New Holland e Case IH) a demitir 240 funcionários de sua fábrica em Curitiba. E no interior de São Paulo a Pedertractor, sediada em Pederneiras e dedicada à fabricação de peças e componentes para máquinas agrícolas e da construção civil, começou a dispensar no mês de junho um total de 400 funcionários.

Quem pode e o mercado assim permite trata de direcionar seus negócios, ou parte deles, para outros setores mais promissores e onde a crise fez menos estrago. É o caso da Tuper, processadora de aço. “Fornecemos uma grande gama de tubos de aço, chapas e perfis para as grandes montadoras de tratores, colheitadeiras, plantadeiras e pulverizadores. Além disso, também disponibilizamos soluções e sistemas mais elaborados e complexos para toda a cadeia agrícola. Se o setor está em crise, nós, como fornecedores, também nos ressentimos. Mas, para enfrentar os reveses da economia, nos amparamos no que temos de melhor: a qualidade e a diversificação dos nossos produtos e serviços”, esclarece Valmir Linzmeyer, diretor comercial corporativo da empresa.

Empréstimo mais caro

A empresa, que também atende aos setores automotivo, de óleo e gás, construção civil e infraestrutura, industrial e máquinas e implementos rodoviários, está com a expectativa de queda de 10% nas vendas este ano em relação a 2014, quando faturou R$ 1,446 bilhão. “Nosso histórico mostra que temos capacidade para administrar e superar períodos críticos. Durante mais de dez anos, conseguimos manter nossa média de crescimento anual na casa de 22%”, relata Linzmeyer.

Outro fator que está contribuindo para o efeito dominó nos negócios são as perspectivas negativas com instrumentos de financiamento tradicionalmente utilizados por produtores de todo o país. Em fevereiro deste ano, o governo mudou as regras do Programa de Sustentação do Investimento (PSI), sistema muito utilizado pelo setor e que oferecia até então as melhores linhas de crédito para a aquisição de máquinas. Como os recursos diminuíram, os juros, que giravam ao redor de 4% a 8% ao ano, subiram para até 11%, dependendo do tipo de equipamento financiado.

Outro programa que também teve os juros aumentados foi o Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos Associados e Colheitadeiras (Moderfrota), cujas taxas foram elevadas de 4,5% para 7,5% ao ano para empresas com receita operacional de até R$ 90 milhões anuais. Acima desse teto, o financiamento de equipamentos agrícolas subiu de 6% para 9% ao ano. A medida foi tomada no mês de março diante da necessidade de reforçar o ajuste fiscal para arrumar as contas públicas.

Nem tudo, no entanto, são pedras no caminho das empresas do ramo. Em junho passado, a ministra da Agricultura, Kátia Abreu, lançou o Plano Agrícola e Pecuário 2015/2016, que planeja injetar R$ 187,7 bilhões no setor. O programa baseia-se no apoio aos médios produtores, garantia de elevado padrão tecnológico, fortalecimento do segmento de florestas plantadas, da pecuária leiteira e de corte, melhoria do seguro rural e sustentação de preços aos produtores por meio da Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM). Para o financiamento de custeio a juros controlados estão programados R$ 94,5 bilhões, 7,5% a mais em comparação com o período anterior (R$ 87,9 bilhões), montante que reflete o crescimento dos custos de produção. Já para investimentos o valor é de R$ 33,3 bilhões.

O agricultor poderá contar também com um volume maior de recursos a taxas de juros livres de mercado para a próxima safra. Na modalidade custeio houve um incremento de 130%, passando de R$ 23 bilhões para R$ 53 bilhões, valores provenientes da aplicação dos recursos da Letra de Crédito do Agronegócio (LCA). Para incentivar uma maior prosperidade do setor também estão valendo medidas locais, como o anúncio recente do governador Geraldo Alckmin na Agrishow 2015, maior feira do setor, que foi realizada em abril deste ano, no município paulista de Ribeirão Preto. Ele prometeu recursos da ordem de R$ 207 milhões para investimentos na agricultura paulista. O Programa Pró-Trator, citado pelo governador na ocasião, alcançou a marca de 5 mil tratores financiados no início de maio deste ano e será ampliado. Serão liberados R$ 85 milhões para novos financiamentos e R$ 35 milhões para o Pró-Implemento. “O prazo de financiamento passará de seis para oito anos, com carência de até três anos, juro zero e correção monetária zero para pequenos e médios produtores”, garantiu.

Relatório da consultoria Céleres aponta que o setor de máquinas nacional atravessa uma fase de transformação da agropecuária brasileira, que tende a demandar cada vez mais equipamentos de maior porte e com nível mais elevado de tecnologia, dado o crescimento da agricultura de precisão, com máquinas capazes de proporcionar um melhor aproveitamento da segunda safra. Tende a acontecer, de forma cada vez mais acentuada, segundo o relatório, uma substituição de máquinas por um menor número de tratores ou colhedoras, mas com melhor desempenho e agilidade.