Sesc SP

Matérias do mês

Postado em

Dos limites entre Argentina, Brasil e Paraguai nasce o Concerto de Fronteira

Foto: Rais Reis
Foto: Rais Reis

Orquestra do Estado de Mato Grosso e Yamandu Costa lançam trabalho no Teatro Paulo Autran; leia depoimento do maestro Leandro Carvalho sobre o concerto

No plano político, uma fronteira é uma linha geográfica que rasga um mapa dividindo nacionalidades, moedas, oportunidades, interesses. No plano das tradições culturais, porém, muitas vezes uma fronteira deixa de ser fonte de conflitos para testemunhar a convergência entre povos, costumes, hábitos e paisagens.

É neste último terreno que se encontra o “Concerto de Fronteira”, CD que a Orquestra do Estado de Mato Grosso (OEMT) e o violonista Yamandu Costa lançam na quinta e na sexta-feira (5 e 6 de fevereiro) no Teatro Paulo Autran, do Sesc Pinheiros.

Pautado pela união entre a música erudita, os gêneros musicais das fronteiras entre Brasil, Argentina e Paraguai e o violão popular, esse encontro musical é explicado a seguir nas palavras do maestro Leandro Carvalho, diretor artístico da OEMT:

*

Hermínio Gimenez e José Asunción Flores foram dois dos mais importantes compositores latino-americanos de todos os tempos. Criaram uma linguagem própria, embasada na cultura popular da região central da América do Sul. Tiveram suas orquestras e nela incluíram instrumentos de cordas dedilhadas dando início ao conceito de ‘orquestra típica’. Navegaram pela música popular e erudita com igual competência e terminaram por criar uma ‘zona criativa’ de difícil classificação. Ambos serviram na Guerra do Chaco e sofreram com os regimes totalitários que assolaram o continente, desde os anos 1930 com o Coronel Rafael Franco. Gimenez chegou a viver no Brasil e fez inúmeras gravações em São Paulo com o seu famoso conjunto Ponta Porã.

As peças desses compositores que a Orquestra do Estado de Mato Grosso apresenta neste trabalho são obras de destaque desse universo. El canto de mi selva foi gestada por Gimenez nas picadas do monte Chiriguelo, na região de Concepción, no Paraguai, quando servia como soldado na Guerra do Chaco. Nela, somos surpreendidos pelos cantos dos pássaros ‘campana’ e ‘chiricote’. Em Mburikao (nome de um arroio na região da Recoleta em Buenos Aires), José Asunción Flores contou a seu amigo Victor Montórfano que inspirou-se numa “anunciação” que teve durante um sonho. Depois de uma noite de boemia junto a seu violino, diz o compositor, “me deitei sobre a areia clara. Meus pés tocavam a água cristalina. Ouvi o canto dos pássaros como se estivesse no paraíso. Diante dos meus olhos, dançavam as ondas da água. Em meio ao silêncio, escutei a voz do riacho. Adormeci e sonhei que estava em meio a um bosque onde as plantas, os animais e o homem viviam em harmonia”.

Seguindo esta viagem pelo universo da música de fronteira, a Orquestra do Estado de Mato Grosso encomendou ao grande artista Yamandu Costa uma nova obra que dialogasse com esta tradição. Assim nasceu o Concerto de Fronteira, em três movimentos, apresentado ao público e gravado pela primeira vez em março de 2014 em Cuiabá, Mato Grosso. A peça foi magistralmente orquestrada pela violonista Elodie Bouny, que acompanhou todas as gravações e deu uma importante contribuição para o resultado final. Fazem parte ainda deste disco as peças Decarissimo, de Astor Piazzolla, Bachbaridade, Sarará e Os Segredos da Vivência, do próprio Yamandu, todas com novas adaptações feitas pelo talentoso arranjador e compositor Paulo Aragão, especialmente para este trabalho.

É uma honra para todos nós da OEMT trabalhar com Yamandu, um músico que vai além do virtuosismo instrumental para criar uma linguagem própria, rica e diversa. O resultado disso é uma música profundamente conectada com a cultura do nosso povo e, por isso mesmo, cada vez mais universal.