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Essa tal de MPB

Circuitos alternativos, como bares ou pequenas casas de shows, revelam artistas que dão novo fôlego a MPB, numa contrapartida à grande mídia que, às vezes, impõe as regras do jogo no campo musical, impondo modismos, orientando
as tendências e massificando os gostos

A música brasileira sempre foi um bastião de resistência à "invasão" de bens culturais estrangeiros, notadamente de origem norte-americana. Os brasileiros sempre foram muito adeptos à música da terra. No entanto, a já alardeada era da massificação criou sucessos rápidos e modismos que, por sua vez, monopolizaram o gosto geral, principalmente aquele orientado pela grande mídia. Em meio a esse cenário, a velha e boa MPB, música popular brasileira, encontrou uma única via de sobrevivência: pegou seu banquinho, e seu violãozinho, e saiu de mansinho. "Quando o assunto é música brasileira, mais cedo ou mais tarde alguém vai acabar fazendo um comentário nostálgico sobre a altíssima qualidade da MPB produzida no final dos anos 60", comenta Carlos Calado, crítico musical. "Sem dúvida, a superdotada geração de Chico Buarque, Gilberto Gil, Edu Lobo e Caetano Veloso foi responsável por um dos períodos mais ricos de nossa produção musical."

Calado é responsável pela seleção dos artistas participantes do terceiro ano do projeto Prata da Casa, realizado pelo Sesc Pompéia e que tem como principal objetivo tentar provar que os artistas de hoje, a chamada nova safra da MPB, têm tudo para conseguir repercussão idêntica aos mestres que fizeram de nossa música uma das melhores do mundo. "O cenário atual da música popular brasileira é, obviamente, menos brilhante. Mas seria injusto atribuir essa situação à falta de criatividade dos artistas", retoma o crítico. "O que mudou de modo radical, nas últimas décadas, foi a mentalidade dos responsáveis pelo mercado musical, incluindo gravadoras, TVs, rádios e casas de espetáculo." Calado analisa que o imediatismo da indústria musical passou a privilegiar o lucro fácil. "A idéia de se investir num jovem artista de talento, que possa desenvolver uma obra de qualidade a médio ou longo prazo, caiu em desuso. Não é à toa que, nas últimas décadas, as paradas de sucesso vivem exibindo artistas descartáveis, que, após um ou dois sucessos instantâneos, desaparecem para sempre da cena musical."

Porém, um movimento de resistência já começa a apresentar os primeiros sinais de mudança nesse mercado de enlatados. Novos nomes, alguns nem tão novos e já com alguma experiência, começaram a galgar patamares mais visíveis ao público, criando uma espécie de universo paralelo ao criado pelo binômio TV-FM.
Apoiados pelos meios digitais que permitem que as pessoas possam gravar seus próprios CD's em sua casa e divulgá-los através de sites igualmente domésticos e tudo com qualidade profissional -, a "nova geração" tem como principal batalha a sobrevivência longe da mídia.

Longe da TV

"A crise na música no Brasil com certeza não é de criatividade e sim de mercado", analisa Kléber Albuquerque, músico e compositor que já lançou dois CDs, brilhou nos palcos do Prata da Casa, do Sesc Pompéia e, mesmo sem despertar arroubos de fãs, já tem público e bagagem. Com quatro anos de carreira profissional e vivendo somente da sua arte, Kléber conta que no início até pensou em atingir a Fama, assim, com efe maiúsculo. Com o passar do tempo, no entanto, começou a perceber que do chão de terra batida ao pódio do estrelato sobe muita poeira. "Todo mundo pensa que quando se chega lá a batalha está ganha, mas isso não é verdade. Tudo o que estou fazendo agora já faz parte da minha carreira e se um dia eu me tornar famoso não poderei me esquecer do que já fiz."

Kléber é um bom representante do que se convencionou chamar de nova safra da MPB. Em sua música, ele mistura tudo o que ouviu e tudo o que gosta. Eclético, vai dos sons eletrônicos a Milionário e José Rico. "Ao contrário do que acontece com alguns outros artistas, o meu grande barato é o estúdio", explica. Experimentalismos como esses estão mudando a cara da MPB e produzindo um som sob influência de várias tendências que reflete o estado atual das coisas: informação chegando aos borbotões e originária de todos os meios.

A cantora Olívia também é representante do que ela mesma chama de "momento da miscelânea" na música brasileira. "A identidade do Brasil é a mistura", começa Olívia, que participou do projeto Seis Intérpretes à Procura de um Autor, realizado pelo Centro Experimental de Música (CEM), do Sesc Consolação. "Minha música, por exemplo, tem um elemento moderno-eletrônico. A gente tem muita facilidade hoje em dia para criar batidas e sons diferentes. Eu fui pegando gosto pelo eletrônico. No meu caso, as ambiências eletrônicas lembram um pouco os mantras. Tem gente que fala que é trip hop. Mas eu acho que é uma mistura, um pop", conclui a cantora.


Divertir divertindo-se
A irreverência do Quasímodo

Essa máxima é o grande lema de uma banda paulistana cuja música revela a nova tendência de revisitar a MPB. Com influências que vão de Sidney Magal à disco music, a banda é composta por oito músicos que se apresentam vestidos de maneira no mínimo exótica: usam perucas afro de várias cores, calças boca-de-sino, óculos gigantescos e agem como se a vida fosse uma festa. Seu universo musical e "estilístico" abriga ficção científica, Tim Maia e música para dançar.
Júnior, vocalista e fundador da banda, explica que "num belo dia" teve a idéia de montar um grupo que tivesse "um visual despojado, uma postura anárquica e que, no palco, tocasse coisas que o público jamais esperasse ouvir". Hoje, oito anos depois, o Quasímodo intercala covers com composições próprias e suas apresentações já criaram uma identidade junto ao público. "A nossa anarquia é a de brincar muito com a platéia, chamar o público para dançar...", esclarece Tico d'Godoy, saxofonista e vocalista. "Às vezes, a gente vê alguém na platéia que está dançando de um jeito esquisito", conta Vans Moraes, vocalista e única mulher do grupo, "e a gente chama o cara para o palco para ensinar a dança dele para todo mundo".