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Máquinas da paz e de mobilidade

Ilustração: Marcos Garuti
Ilustração: Marcos Garuti

Máquinas da paz e de mobilidade

Embora ainda haja pouca infraestrutura ¿para os ciclistas na cidade, cada vez ¿mais paulistanos elegem a magrela ¿como meio de transporte


Antonio Prata, em uma de suas crônicas, disse que “as bicicletas são indício de civilização”. Vinicius de Moraes foi além, e as chamou de “máquinas da paz”. Definições literárias à parte, trata-se também de um meio eficiente para ir e vir numa cidade como São Paulo, conhecida pelos megacongestionamentos. De acordo com dados do Detran, em janeiro de 2014, o número de veículos de passeio na capital paulista era de 5.458.439. Considerando uma média de 4 metros de comprimento por automóvel, se os dispusermos todos em linha reta, eles se estenderiam por quase 22 mil km. Só para dar uma ideia do que isso significa, a distância entre Manaus e Porto Alegre é de 4.500 km. E essa escala de milhões só aumenta. Adicionando demais transportes motorizados como ônibus, caminhões, caminhonetes e motocicletas, esse número sobe para 7.598.955.
Um estudo feito pela empresa Tom Tom, voltada à tecnologia de transporte, analisou o trânsito de 169 cidades pelo mundo. Por meio de dados de usuários, a empresa criou uma métrica chamada “nível de trânsito”, que aponta para 50% do tráfego do Rio como congestionado, e 39% no caso de São Paulo. Os cariocas têm o terceiro pior trânsito do mundo, enquanto os paulistanos ficaram com a sétima colocação. As duas primeiras são Moscou e Istambul. A TomTom consultou apenas cidades onde existem usuários de seus equipamentos, deixando de fora tráfegos notoriamente caóticos como a da capital mexicana. Ainda assim, são números nada elogiosos para Rio e São Paulo. Seguindo a lógica de Antonio Prata, podemos dizer que a capital paulista é pouco civilizada. Estão faltando máquinas da paz.
A arquiteta Camila Romano, de 33 anos, diz que passou a usar bicicleta como meio de locomoção em Londres. “Para mim foi natural porque todos os meus amigos usavam e lá a estrutura é muito boa”, explica. Quando voltou para o Brasil, trouxe as duas rodas na bagagem, mas sem a pretensão de usá-las: “Eu tinha medo de sofrer algum acidente, ou ser assaltada, e ainda existia a dificuldade das ladeiras”. Camila diz que não é fácil disputar o espaço nas ruas: “Falta respeito por parte dos motoristas e a qualidade do asfalto também é ruim, tem muito buraco”. Aos poucos ela foi se acostumando, organizou a vida para que não precisasse usar carro, e não imagina ter outra rotina. “De vez em quando, quando é preciso tomar ônibus ou pegar um táxi, me sinto até pior”, acrescenta. Para a moradora do bairro de Pinheiros, a localização de sua casa e do trabalho facilita o uso da bicicleta. As distâncias percorridas são curtas, e existe supermercado, cinema, tudo muito perto.
Percorrendo diariamente 12 km para chegar ao trabalho, Antonio Carlos Bicarato, de 35 anos, não tem a mesma preocupação. Todos os dias o publicitário deixa a filha de 9 anos na escola antes de encarar a minimaratona. A menina acompanha o pai com a própria bicicleta. Ele explica que sempre foi ciclista, desde os tempos em que morava em Guaratinguetá, e que utiliza alguns macetes para facilitar sua vida. “É complicado porque no meu emprego não existe vestiário adequado para tomar banho, então eu levo lenços umedecidos para limpar o suor e procuro não usar mochila porque ela acaba esquentando ainda mais”, informa. Recentemente Bicarato vendeu um dos carros da família por perceber que se tratava de algo supérfluo. Ele só tira o carro que restou na garagem para ir ao cinema ou jantar fora com a família reunida.
Desde que começou a fazer uso da magrela, ele já perdeu 12 kg, e sem mudança de dieta. A rotina diferente foi saudável não só fisicamente, mas também na economia de tempo. Bicarato diz que não imagina mudar seu meio de transporte, mas admite que ainda existem algumas dificuldades para o ciclista. “A infraestrutura está longe de ser ideal, a bicicleta tem que criar o espaço dela”.

Condições pouco favoráveis
Segundo dados da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), no Município de São Paulo existem atualmente 259,11 km de infraestrutura cicloviária. Entretanto, essas vias são distribuídas entre ciclovias, ciclorrotas, calçadas compartilhadas, ciclofaixas definitivas e ciclofaixas operacionais de lazer. Ou seja, parte dessa estrutura não está disponível diariamente para a população. Além disso, essa distribuição não atende a todos os pontos da cidade. A prefeitura ainda tem convênios para a implementação de estações de bicicletas públicas. Já são 158 estações, com mais de mil e quinhentas bicicletas.
Mas, se o número de estações públicas está crescendo a cada dia, quem usa a própria bicicleta tem poucas opções para estacioná-la. A estudante de jornalismo Luisa Coelho, de 23 anos, explica que tinha muito medo de deixar sua bike em qualquer lugar, então acabava fazendo menos programas com ela. “Hoje faço praticamente tudo na minha rotina. Vou para a [Faculdade] Cásper Líbero, para a Editora Abril, onde trabalho, para dança, yoga, ver peças”, afirma.
Tudo começou com a vontade de mudar a rotina. Com a mudança vieram novos amigos, viagens para Santos, e uma nova maneira de encarar as coisas ao seu redor. “Pegar ônibus, metrô ou um carro parece um pouco mecânico, com a bike eu faço um caminho diferente todo dia, vejo a cidade com outros olhos.”

Vou de bike

Encontros incentivam as pessoas a deixar o carro na garagem e pedalar para evitar o trânsito

O Sesc Pinheiros organiza bimestralmente o “Pedala Cidadão”. Segundo o monitor de esportes da unidade, Edson de Almeida Martins, o evento está na programação há quatro anos e tem como objetivo estimular a população a utilizar a bicicleta não só para passeio, mas também como meio de locomoção no dia a dia, apresentando um meio de transporte não poluente e mobilizando os interessados para um estilo de vida mais saudável.
O projeto, que foi criado por iniciativa dos instrutores, tem 40 vagas que geralmente são preenchidas pelos ciclistas que querem fazer passeios durante os fins de semana. Eles percorrem em média 30 km evitando avenidas e vias principais, na medida do possível, e contam com uma van de apoio para eventuais emergências. Os encontros são feitos aos domingos logo pela manhã.
Para se inscrever é preciso ter bicicleta e equipamento adequado, e ser maior de idade. Edson diz que outras unidades do Sesc têm projetos semelhantes e que os passeios variam, tendo inclusive algumas trilhas especiais semestralmente. Oficinas, eventualmente, são oferecidas para alertar os usuários sobre os cuidados com segurança, e também para ensinar a fazer pequenos reparos na bike. Há ainda clubes do pedal nas unidades de Sorocaba e Ipiranga. Além disso, unidades como Santo Amaro, Osasco, Bom Retiro, Belenzinho, Santana, Santo André, Vila Mariana, Araraquara, Bauru e São José dos Campos, contam com bicicletários.