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Série Trágica de Flávio de Carvalho




O motivo



Composta por nove desenhos com 69,4 cm x 50,4 cm, a série produzida em 1947 retrata os últimos dias de vida de Ophelia Crissiuma de Carvalho, mãe do artista fluminense Flávio de Carvalho – nascido no município de Barra Mansa em 1899 e morto em Valinhos, interior de São Paulo, em 1973. Em cada peça, Carvalho – considerado um dos grandes nomes da geração modernista brasileira – registra, em carvão sobre papel, um instante dos agonizantes momentos pelos quais a figura materna passou no leito de morte. “Esses trabalhos carregam a força e o fracasso de quem tenta deter uma avalanche com as próprias mãos”, informa a curadora e crítica de arte Gabriela Motta, em texto produzido para o Museu de Arte Contemporânea (MAC) da Universidade de São Paulo (USP), de cujo acervo a obra faz parte. Atualmente, os trabalhos se encontram em exposição no MAC Ibirapuera.



Conjunto da obra



A Série Trágica, esclarece a especialista, surge entre a Experiência nº 2, em que Flávio empreende uma caminhada no sentido contrário a uma procissão de Corpus Christi (trabalho de 1931), e a Experiência nº 3 (de 1956), em que o artista passeou pelas ruas de São Paulo usando sua famosa minissaia para homens. “Se essas experiências 2 e 3 estão mais ligadas a um comportamento efusivo e polemista, os desenhos [da Série Trágica] imprimem gravidade ao seu percurso de embates e o alinham aos artistas que não viraram o rosto diante da morte em si”, finaliza Gabriela.



Detalhes do trabalho



Construídos com “linhas borradas, rápidas, insistentes” – como descreve a especialista –, os retratos foram expostos pela primeira vez no Museu de Arte de São Paulo (Masp), em 1948, causando comoção na imprensa e repúdio na sociedade, atônita diante dos traços que enquadravam os ombros de uma já cadavérica dona Ophelia, “um resto de corpo amalgamado ao próprio leito”, sintetiza Gabriela. Os olhos sempre fechados, a boca entreaberta, as narinas e as orelhas aparecem como “buracos enegrecidos pelo fim que se avizinha”, segue o texto. Nos cinco primeiros desenhos vê-se a face esquerda da mulher, enquanto os demais retratam o perfil direito. Já o conjunto desperta no espectador um quadro perturbador: um filho sentado ao lado da mãe morrendo, encarando o inexorável, como um observador impotente. “A frase ‘minha mãe morrendo’, presente em alguns dos desenhos, parece um mantra repetido com o intuito de convencer o próprio artista do que seus olhos estão vendo”, analisa Gabriela, que explica também que, além das qualidades expressivas do trabalho, a série reafirma o “posicionamento estético” do artista, famoso por encarar temas tabus em sua trajetória.