Sesc SP

Matérias da edição

Postado em

De onde vem a inspiração?

por Ignácio de Loyola Brandão

Natural de Araraquara (SP), Ignácio de Loyola Brandão é jornalista, escritor, roteirista de televisão e cronista do jornal “O Estado de S. Paulo”. Foi redator-chefe das revistas “Claudia” e “Vogue”, entre outros periódicos. Escreveu importantes obras da literatura brasileira, entre elas Depois do Sol (contos, seu primeiro livro), Bebel Que a Cidade Comeu, Zero, Não Verás País Nenhum, O Verde Violentou o Muro, Cadeiras Proibidas, O Homem do Furo na Mão, O Menino Que Não Teve Medo do Medo, Veia Bailarina e O Segredo da Nuvem.

Recebeu em sua carreira inúmeras premiações, entre as quais o Prêmio Jabuti de 2008 na categoria infantil, por O Menino Que Vendia Palavras. É membro da Academia Paulista de Letras e coordenador dos debates da Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo (RS), desde 1988.

Esta palestra, com o tema “De Onde Nós, os Escritores, Tiramos a Inspiração?”, foi proferida em reunião do Conselho de Economia, Sociologia e Política da Fecomercio, Sesc e Senac de São Paulo no dia 20 de outubro de 2011.

 

Sou de Araraquara, filho de um ferroviário, um homem remediado, que na década de 1940 tinha uma biblioteca de mil volumes. Acho que ele tinha mais livros do que a biblioteca municipal. Era um apaixonado pela leitura, assinava “O Estado”, lia a notícia sobre um livro e ficava interessado. Economizava dinheiro e pedia para o chefe do trem ou o maquinista comprarem o livro em São Paulo. Foi assim que montou essa biblioteca, que era ampla e variada. Ele também escrevia coisas e me lembro que todo final de tarde, depois de picar lenha, tomava um banho, sentava e lia.

Eu me considerava uma pessoa muito esquisita – feio, tímido, introvertido –, e na escola nenhuma menina me olhava. Não tinha namoradas reais, mas tive uma virtual. Vi o filme de Branca de Neve e me apaixonei por ela.

Tive professores fantásticos. A primeira professora era jovem, Lourdes Prado, avançada no tempo. Aliás, está viva até hoje, em Araraquara. Conversar com uma pessoa de 75 anos que me ensinou a ler e escrever é uma coisa gratificante. Cada livro que publico eu levo para elas, depois pergunto se gostaram. Lourdes sempre diz: “Ah, gostei. Onde o menino inventa essas coisas, onde encontra isso?” Eu falo: “Foi você que me ensinou a encontrar”. “Pois é, eu gosto, mas o menino ainda comete uns errinhos.”

Uma vez por semana tínhamos redação, o melhor texto dona Lourdes separava e lia na classe e os alunos é que davam a nota. Com isso queria estimular nosso espírito crítico, nosso julgamento. E não adiantava você dar nota, tinha de justificar. Ela sempre dizia: “Vamos ler um livro clássico e vocês vão reescrever a história”. Reescrever uma história é parte do aprendizado para escrever. É como se vê nos museus da Europa, estudantes que ficam copiando pinturas, estão lá para aprender perspectiva, enquadramento, luz.

Num determinado dia, ela disse: “Vamos reescrever ‘Branca de Neve e os Sete Anões’?”. Reescrevemos todos e minha versão ela considerou a melhor e leu. No meu texto, a história terminava com os anões saindo, como faziam todas as manhãs, e dizendo a Branca: “Você hoje faça um creme de cogumelos, porque é a estação de cogumelos, faça uma sopa”. Eles saíram, ela saiu, escolheu, escolheu, escolheu, voltou e fez. Os anões chegaram, sentaram, comeram e caíram todos mortos sobre seus pratinhos. Branca de Neve tinha se vingado e eu também.

Literatura, para mim e acho que para a grande maioria, é uma forma de vingança. Vingança contra as injustiças da vida, contra as condições em que se vive, que não são satisfatórias nem nos levam à felicidade etc. Contra nossas amarguras, desilusões, decepções, nossos fracassos e conflitos interiores. Tudo isso é colocado para fora, transformado em literatura. No fundo é uma grande terapia, uma catarse, um divertimento e um grande prazer.

Quando a professora acabou de ler, a classe deu uma gargalhada e todos se voltaram para mim. Naquele momento, aconteceu o seguinte: não sou o mais bonito, nem o mais bem vestido, nem rico, mas dentro da minha cabeça tem alguma coisa que pode mexer com as pessoas e pode provocar. Naquele momento tracei o rumo de minha vida, nunca mais deixei de escrever, fiz disso minha profissão. É essa minha paixão e meu sonho.

Outro professor fantástico, importantíssimo em minha vida, foi curiosamente um de matemática, a pior matéria pela qual já passei em toda a vida. Aos 16, comecei a fazer crítica de cinema no jornal “Folha Ferroviária”, de Araraquara. Adorava cinema, mas não tinha dinheiro para ir todo dia, como queria. Então descobri que o crítico não pagava, tinha a chamada “permanente”. Fui lá no jornal “Folha Ferroviária” e perguntei se tinham crítico. Não, nunca teve crítico em Araraquara. Como eu lia muito sobre cinema, fui para casa e fiz uma crítica e o jornal publicou. Levei uma segunda e uma terceira e o jornal publicou. E nunca mais paguei cinema na cidade e a minha cabeça se formou cinematograficamente. Meus livros são constituídos através de imagens, e a partir delas faço um texto, seja crônica, romance, conto, seja o que for.

Em novembro de 1956, terminei o científico. Todos os colegas de meu grupo já tinham ido embora, São Paulo era a meta. Araraquara tinha apenas uma faculdade, de odontologia e farmácia, e eu não queria fazer nenhuma das duas. Pensava em filosofia. Eu estava com a mala pronta, mas ainda dependia do exame de matemática. Fui para a prova, que era oral. O professor era Ulisses Ribeiro, que lia minhas críticas de cinema. Era severíssimo, bravo, mas também irônico e muito bem-humorado. Lia as críticas e às vezes corrigia erros, dizia que concordava ou não, era um diálogo.

O exame de matemática era feito numa sala imensa, 500 ou 600 alunos. Lembro até das lousas. Na minha vez, o professor me olhou, riu e perguntou: “Vai embora?” Ele sabia que eu queria ir, já que todos tinham partido. Respondi: “Acho que vou”. “Está preparado?” “Acho que estou.” “E precisa de muito?” “Não.” “Quanto?” “9,7.” E ele: “Eu vou propor uma coisa. Tudo ou nada, zero ou 10. Vou dar uma equação das mais fáceis, que dei na última aula, quando você estava com o caderno aberto, lendo um livro. Lembra disso?” Respondi: “Do livro eu lembro”. Lembro até hoje, era A Vida Trágica de Van Gogh, de Irving Stone. Ele olhou para a sala, me chamou lá num canto, junto à lousa, colocou a equação, e falou bem alto: “É uma das equações mais difíceis da matemática”. Não entendi e ele cochichou no meu ouvido: “Olha para trás”. Atrás de mim estava uma classe do normal, eram as meninas mais bonitas da cidade, com aqueles vestidos leves, decotadas, pernas cruzadas. Olhavam para mim e para a equação.

Eu não tinha a mínima ideia do que estava na lousa, mas pensei: posso fazer tudo, menos feio. Esperei um minuto e comecei a pôr na lousa todos os símbolos matemáticos que me vinham à cabeça, abri com uma raiz quadrada de x elevado à potência y, coloquei uma chave e então seno sobre cosseno. Abria chaves, parêntesis, e de repente me veio o pi, aí pus o infinito, que é um 8 deitado. Fiz uma reta, enchi a lousa. E pus lá um resultado qualquer, 640 CQD. Olhei para trás e vi as meninas fascinadas. Ulisses olhou para mim, olhou para a equação e perguntou: “O que é esse traço aqui?” Respondi: “A reta é a menor distância entre dois pontos”. “Muito bem.” E pôs a nota: 10.

Nunca contei essa história em Araraquara e espero que ninguém conte. Fui para a carteira, sentei e disse: “Professor, sei que só vale o lado direito da nota”. “Não, a nota inteira está lá, 10 pela loucura, 10 pela fantasia, 10 pela invenção e 10 pela imaginação. Vai embora, que o teu mundo é o da imaginação.” E vim embora. Esse foi um homem incrível. É isso o que gostaria que os professores fizessem, para descobrir o que cada um tem de melhor. O professor tem de atravessar com o olhar o coração ou a cabeça de cada um. Aquele professor de matemática me entendeu.

Oculto revelado

Dona Lourdes uma vez, no terceiro ano, deu para os alunos uma cadernetinha, dizendo: “A partir de amanhã, vocês vão para a rua e comecem a anotar tudo o que virem. Depois vão fazer uma redação sobre isso, criar uma história”. Quem for candidato a escritor aconselharia a ter uma cadernetinha e sair anotando as coisas. Nunca mais deixei de ter uma, ando com ela o tempo inteiro. Recentemente fiz uma reforma em casa e achei algumas atrás de uma estante, outras numa gaveta e resolvi juntar todas. Eram 5.912 até a semana passada, todas guardadas. Não sei se ponho fogo ou doo para Araraquara, para a Unesp, não sei. É andar e observar. Observação é inspiração, é olhar em torno, é pegar situações, é ouvir, é conversar.

Certa vez, como repórter, me mandaram fazer uma matéria sobre café. Alguma coisa estava acontecendo mas ninguém falava, os produtores estavam calados. A matéria seria a manchete do dia seguinte. Voltei para o jornal e o chefe de reportagem pergunta: “Cadê a manchete?” “Não tem manchete e não tem matéria, porque ninguém quer falar.” Nesse momento Samuel Wainer estava na redação e diz: “Você não percebeu que essa é a matéria? O jornalismo é aquele que traz o que está oculto, escondido, e revela isso para o público”. Aprendi mais tarde que não só o jornalismo como também a literatura nos revela o que está escondido, seja do ponto de vista humano, seja social ou político. Essa foi a grande lição.

E a inspiração? Inspiração é olhar. É evidente que eu imagino, que me divirto com isso, mas quase não preciso. Na Editora Abril, eu estava na revista “Realidade”, que estava em seus últimos dias, ninguém tinha trabalho. Um dia estou em minha mesa e começo a fazer um risco em minha mão com a caneta Bic. Nesse momento passa Jorge Andrade, e em vez de falar “que rabisco é esse?”, perguntou: “Por que esse furo em sua mão?” “Ah, Jorge, não sei. Vinha vindo para cá no táxi e começou a coçar. Entrei no elevador, a pele estava fina, eu empurrei e ficou esse furo.” Ele falou: “Toma cuidado, porque na Abril estão demitindo quem tem furo na mão”. Em casa minha mulher perguntou o que era aquilo na mão. “É um furo.” E contei a história. Ela disse: “Toma cuidado, porque aqui no prédio estão despejando quem tem furo na mão”. No dia seguinte, antes de ir trabalhar, comecei um conto de dez páginas, que acabou sendo “O Homem do Furo na Mão”. Publiquei primeiro na revista “Homem Vogue”.

O escritor não pode ter medo do absurdo. Se a gente tiver esse medo, primeiro não vive, porque a realidade hoje é mais absurda do que qualquer outra coisa. Se um autor no começo do século passado, em Praga, tivesse medo do absurdo, não teria escrito um livro que começa exatamente com estas palavras: “Naquela manhã, Gregório Samsa acordou transformado em um repulsivo inseto”. Se Kafka tivesse esse medo, não teria escrito A Metamorfose, um dos maiores romances da moderna literatura. Hoje em dia, quando se olha São Paulo, Rio e Brasília, descobre-se que o absurdo é constante. E a gente retrata isso nos textos.

Como funciona a memória? O personagem Sousa era casado com Adelaide, uma mulher muito simples, humilde, uma pianista que usava roupas fechadas até a canela. Um dia essa mulher desaparece, mas não explico por que ela desaparece. Por que não? Porque na vida real isso acontece. Conheci várias pessoas que desapareceram, não se sabe se morreram, para onde foram, se fugiram. Isso é comum, no jornal tem sempre notícias de pessoas desaparecidas. E depois que Adelaide some, Sousa parte em sua busca. Mas um dia abre um armário e encontra uma mala e dentro dela acha vestidos incríveis, fantasias como se fossem de dançarinas do oriente, com aberturas e decotes, as costas de fora, tanguinhas, paetês, miçangas, coisas brilhantes, ao contrário de tudo o que Adelaide tinha usado. Quem era Adelaide e quando usava aquelas roupas?

Outra coisa: a vida tem mistérios. A vida sem enigmas não interessa, é muito sem graça. Há coisas que tentamos entender e, como não entendemos, deixamos para trás. No fundo, a literatura é uma tentativa de entender o sentido da vida, o que a gente está fazendo aqui, para onde vamos. Balzac, Dostoiévski, Shakespeare, todos tentaram isso. Como não conseguimos, continuamos a escrever.

Na cadernetinha, anoto conversações, gírias, expressões. Coloco frases de rua, expressões, grafites. Hoje os grafites estão cada vez menos interessantes, estamos vendo uns grafites estranhos, nazistas, preconceituosos e complicados. Anoto também frases de outdoor. Publicitário tem uma mente incrível para síntese e eles formam frases maravilhosas.

Há também os para-choques de caminhão. Recentemente vi um assim: “Me criticar é fácil, eu quero ver é seu eu”. Isso é filosófico, pode ser o título de um livro. No livro Zero, que provocou muita polêmica, uso muita inscrição de banheiro. É uma forma de cultura popular, tem coisas muito interessantes, assim como besteiras. Uma dessas inscrições é clássica. Estava no banheiro do colégio, no do cinema em Araraquara, aqui em São Paulo nos banheiros de restaurantes e do próprio jornal. Alguns anos atrás, visitei o Teatro da Ópera recém-restaurado, estava lindo, e no banheiro vi a mesma frase, naturalmente escrita por um brasileiro: “Cagar é lei deste mundo, cagar é lei do universo, cagou dom Pedro II, cagou quem fez este verso”.

Na publicidade, há uma frase que nunca esqueço: “Eu sou você amanhã”, propaganda da Orloff. Mas há muitas outras. Quando escrevo um conto ou um romance, não tenho prazo para acabar, acabo quando quero. A crônica, não. Tenho de terminar num determinado dia, dentro de um espaço fixo. A que sai sexta-feira é entregue na terça-feira até o meio-dia, com 4 mil caracteres. Uma vez perguntaram ao Luis Fernando Verissimo o que é inspiração e ele deu a melhor resposta que conheço: “Inspiração é o prazo”.

Um dia estou no ônibus e ouço duas mulheres conversando: “Você que é a inteligente do bairro me diz o que é poblema e o que é pobrema”. A outra falou: “Ah, como você é burra, poblema é um poblema que você tem com seu marido, com seu filho, com seu vizinho, com a polícia. Pobrema são as conta da escola”. Anotei e escrevi uma crônica. A palavra “problema” é abstrata, é muito distante, e por isso o povo vai criando palavras para determinadas situações.

O escritor vai na linguagem popular, nas expressões, na maneira como as pessoas falam, capta isso e transcreve literariamente, porque no fundo a linguagem popular poderá até ser dicionarizada. Não duvido que qualquer dia o “menas” apareça num dicionário, cada vez mais se fala “menas”. O cronista faz um retrato do momento presente. No futuro, o historiador que pesquisar o cotidiano destes dias vai ler as crônicas. Sabemos muito da vida no Rio de Janeiro no começo do século por Machado de Assis, Olavo Bilac, João do Rio, Lima Barreto.

Certa vez, caminhando na Avenida Brasil, uma mulher me perguntou: “Moço, pode me dizer a que horas a Rua Hungria passa por aqui?” Eu falei: “O ônibus para a Rua Hungria?” “Não, como paulista é burro, a Rua Hungria, eu preciso ir na Rua Hungria. O senhor não sabe que as ruas passam umas por dentro das outras? Então me disseram que ela passa aqui. O senhor sabe a hora?” Nesse momento, ou você diz que ela é uma louca e vai embora ou entra no mesmo comprimento de onda. Aí eu falei: “Olha, minha senhora, a Rua Hungria já passou às sete da manhã, vai passar às duas da tarde e a última é às nove da noite. Ali tem um ponto de ônibus, senta e espera”. Quando voltei mais tarde, ela não estava lá, a rua passou. É claro que escrevi uma crônica. Isso é o quê? Cada pessoa tem dentro de si uma fantasia, um imaginário, uma loucura qualquer. Alguns põem para fora, outros não põem, nós, escritores, colocamos tudo para fora.

Crônica em casa

Uma coisa fundamental. Dentro das cadernetinhas, eu e a maioria dos escritores colocamos nomes. As pessoas não têm ideia da dificuldade de batizar um personagem. Ele é um personagem perfeito, bem estruturado, social e psicologicamente, e tem de ser nomeado. Se der o nome errado, o destrói. O nome é dado de acordo com categoria social, idade, tudo isso. Por exemplo, em minha época se colocava o nome do santo do dia e pronto, Ignácio de Loyola, 31 de julho. Depois a televisão influenciou os pais. Existem vários dicionários de nomes, esses livrinhos de banca etc. Comecei a prestar muita atenção nos nomes usados no nordeste. Ariano Suassuna contou que um dia estava fazendo uma noite de autógrafos em algum lugar do nordeste e veio o primeiro: “Seu nome, meu filho”. “Vascrinsonscris.” “Como? Soletra, por favor.” Soletrou. Veio o segundo: “Cranscrinosois.” “Soletra, por favor.” O Ariano conta que o terceiro comentou com alguém: “Chegando lá, soletra seu nome, porque o homem é analfabeto”. O sujeito chegou já soletrando: “Hugo, H U G O”. Pronto.

A crônica, às vezes, está dentro de nossa casa. Uma vez, minha mulher, minha filha e eu almoçamos e saímos, a empregada nos viu sair. Só que, já no térreo, minha filha lembrou de alguma coisa e voltou. Apanhou o objeto, entrou no banheiro e, quando tentou sair, a fechadura não abriu. Forçou, não abriu, bateu, bateu, bateu. E começou a chamar a empregada Alzeni, uma baiana que está conosco há 16 anos. Nada. Olhou pela janela, o prédio é em L, conseguiu ver o zelador na área de serviço do vizinho e o chamou para resolver o problema. Quando saiu, a empregada: “Fia, o que houve?” “Fiquei presa aí dentro. Você não viu?” “Não, não vi, estava na cozinha.” “Mas você não me ouviu te chamar?” Ela falou: “Mas eu estava aí sozinha, não achei que alguém ia me chamar”. “Mas eu chamei: ‘Alzeni, Alzeni’”. E ela: “Olha, eu ouvi. Mas é que você não sabe que, quando você está sozinha num lugar e ouve seu nome chamado muitas vezes, é a morte chamando?” Ela abaixava a cabeça e dizia: “Sai morte, que eu sou mais forte”. Se respondesse, levava.

É claro que eu tinha uma história. Era a ligação com a raiz, a crendice, a religiosidade, as manias, superstições, tudo o que foi colocado nela na infância e que fica para sempre. Não se podia fazer barba depois do almoço, olhando para o espelho, que entortava a boca. Durante anos não fiz barba depois do almoço. Melancia com pinga dá nó na tripa. Nunca nenhum médico explicou. Leite com manga corta o sangue. Publiquei a crônica, foi uma das que tiveram mais repercussão.

Quero terminar com uma pequena história. Todos falamos que São Paulo é uma cidade violenta, amedrontante, congestionada, poluída, difícil. Mas digo que a cidade tem momentos de poesia, muitos. Pode ser determinada luz do sol, pode ser o perfume de alguém que passa, um vestido balouçando ao vento, uma figura numa janela. Um dia vi uma pitangueira na Alameda Jaú, com os frutos vermelhinhos, aquilo me trouxe um monte de lembranças da infância. Outro dia me aconteceu uma situação que todo mundo já deve ter enfrentado. Você para diante de uma pessoa, ela para, você vem para cá, ela vem, você vai para lá, ela vai, você vem, ela vem, você vai, ela vai. Numa manhã, me vi diante de uma senhora, devia ter 60 e poucos anos, muito bem vestida, o cabelo muito bem tratado, branco, tão bonito que até brilhava. Aí paramos, eu vim, ela veio, eu vim, ela veio, eu vim, ela veio. Ela me olhou, sorriu e disse: “Muito obrigada, meu senhor, por ter dançado comigo nesta manhã”. Essa é também a poesia de São Paulo.

Debate

NEY FIGUEIREDO – Você escreveu um livro sobre Olavo Setúbal. Fui amigo dele, e nos últimos 15 anos visitava-o pelo menos uma vez por mês. Ele gostava muito de política, que era seu hobby, e tinha um pensamento muito solidificado sobre o Brasil. A ideia de justiça social, de divisão de renda, tudo isso ele pregava, e penso até que influenciou Tancredo Neves. No livro que você escreveu senti falta desse discurso político de Setúbal. Não sei se não era sua intenção abranger esse ponto ou se ele não quis entrar no assunto. Por que razão esse discurso político não está no livro?

LOYOLA – Em parte, porque ele nunca falou nada. Jorge Okubaro, que fez comigo o livro, duas ou três vezes o interrogou e ele passou um pouco por cima. E acabamos fazendo o trabalho de forma rápida, porque, quando ficou doente, os filhos começaram a nos apressar. Faltaram várias coisas. Mas uma obra dessas, principalmente depois que ele morreu, está em aberto, podemos numa terceira ou quarta edição ir acrescentando coisas. Tínhamos mais de 300 pessoas para entrevistar, uma loucura, não havia mais tempo. Mas foi interessante você dizer isso, porque parece que querem fazer nova edição.

CLÁUDIO CONTADOR – Duas perguntas: além da Branca de Neve e dos invejados sete anões, tem alguma incursão sua na literatura infantil? A segunda: e na política, que não é tão imaginária assim?

LOYOLA – Na área infantil tenho. Um livro de que gosto muito é O Menino Que Vendia Palavras. Esse imaginário sou eu na infância. A professora nos dava semanalmente listas de palavras para levarmos os sinônimos. Como meu pai tinha a velha enciclopédia Jackson, eu tinha a maior facilidade. Um dia, dois colegas me pediram ajuda, depois outros e um bando deles. Um deles, era até muito inteligente, dizia assim: “Não faz tudo igual, senão a professora vai desconfiar, no meu ponha uns erros”. E um dia pedi em troca, para o filho do dono da sorveteria, um sorvete, para o do dono do bar, um chiclete, e assim passei a vender palavras. Mais tarde me lembrei dessa história, escrevi um conto que foi transformado em livro.

Outro livro, que acabou de sair, é O Menino que Perguntava, e tenho mais um pronto que se chama Os Olhos Loucos dos Cavalos Cegos. É uma história infantil para eu pedir perdão ao meu avô. Terminei a segunda versão dela, então posso contar. Se eu conto antes de escrever, ela vai embora.

Meu avô era um marceneiro muito bom. Um dia ele viu numa revista americana uma foto de um carrossel. Encantado, tentou construir um cavalo. Na décima tentativa conseguiu e, num período de um ano e tanto, fez oito ou nove cavalos, montou uma plataforma e construiu um carrossel. Ele teve problemas para fazer os olhos dos cavalos, então comprou bolinhas de gude.

Uma noite, na cidade de Dobrada, uma criança com um estilingue quebrou o lampião de querosene que iluminava o carrossel, um cavalo pegou fogo, e logo o carrossel inteiro. Minha avó dizia que meu avô, desesperado, passou a noite olhando as cinzas e recolheu todas as bolinhas de vidro, que guardou numa caixa muito bonita, vermelha e envernizada.

Um dia achei essa caixa na oficina, tirei duas bolinhas e fui jogar. Fui jogando e perdendo até acabar com elas. Passou um tempo, meu avô descobriu a caixa vazia. “Algum moleque pulou o muro, entrou e roubou as bolinhas da caixa. Ele não acha que foi algum neto”, dizia minha avó. No Natal, ele fazia um brinquedo para cada neto, para as meninas eram bonecas de madeira. Quando chegou a minha vez, me deu a caixa vermelha, dizendo: “É para você guardar as coisas importantes de sua vida”. Ele sabia. Carreguei a culpa por 60 anos ou mais e estou escrevendo esse livro, vou reescrever até ficar bom, como um pedido de perdão.

HERNÂNI DONATO – Todos nós, todos e todas, somos escritores, um pouco mais, um pouco menos, especialistas ou não, e vivemos dando passos agora numa fronteira. Tudo o que você disse é referente ao passado. E o que vem à frente? Será que nosso estilo será lido? Será que nosso vocabulário será usado? Essa dúvida não sugere crônicas, contos, não sugere um trabalho? Como é que você sente o amanhã para o escritor?

LOYOLA – Em primeiro lugar, as pessoas estão muito preocupadas com as novas tecnologias. Eu não estou. A literatura não morre, ela tem milênios, vai continuar, pois é uma necessidade de expressão do ser humano. Não importa o suporte, se é livro (que vai continuar) ou se é iPad. É até interessante ler nos tablets.

Quanto à linguagem, devemos estar atentos à que está sendo usada ou seremos ultrapassados. Essa é uma preocupação que devemos ter. Não é só a linguagem popular, é a erudita, é a técnica, é a do jornal, as várias linguagens. Sempre tentei evitar gírias nos livros, porque são passageiras. Tento colocar sempre a palavra usada no momento e a maneira como se fala, porque isso é importante.

Será que temos de ficar preocupados com como vai ser a linguagem no futuro? Não sei como será o futuro, não tenho a mínima ideia, ninguém tem. As coisas mudam muito rapidamente. Temos de continuar a fazer como fazemos, com muita atenção, observação e preocupação com a linguagem. Ela é a base de tudo, é igual ao Código Civil para o advogado, à anatomia para o médico.

JANICE THEODORO – Quais as palavras que hoje estariam presentes na organização do universo? Fala-se tanto em crise do paradigma, uma expressão feia, pesada, rocambolesca. Mas o que haveria de novo? Você sente alguma diferença, alguma ruptura, quando capta esse universo sensível em seu cotidiano?

LOYOLA – Você falou algo que me faz pensar. Tem uma coisa que sinto lá no fundo e que vem aparecendo, que é um processo de desaceleração. Já existe gente preocupada com a rapidez, com a velocidade. Há um livro que se chama Devagar, que sugere aplicar certa lentidão nisso tudo. Está tão rápido que não conseguimos acompanhar. A última fase desse processo de desaceleração é, na Europa, o slow food. O fast food é universal, acabou com tudo. O slow food é dar um tempo para comer lentamente. E há outra coisa muito importante para mim, o slow reading. Numa universidade americana se descobriu que ninguém mais lê as coisas para fazer as teses, é tudo uma página aqui, outra ali, muito superficial. É o plágio eletrônico.

E, agora, o que eles estão tentando? A leitura atenta de cada página, cada linha, cada palavra. É um movimento muito pequeno, muito sutil, mas acredito nisso e para mim essa é a grande coisa do mundo neste momento. Fico abismado com a aceleração. Por exemplo, recebo um e-mail, daqui a meia hora outro da mesma pessoa, perguntando se recebi o anterior e pedindo uma resposta. No fim do dia são cinco ou seis mensagens de uma pessoa que me mandou alguma coisa. Para quê? Respondo quando quero, quando posso, e às vezes não tenho resposta. Não é que tenhamos de voltar à antiga carta, que era interessante porque se tinha tempo para pensar, para pesquisar e responder coisas sérias. O que são os motoqueiros senão um produto dessa aceleração? Todo mundo xinga o motoqueiro, mas nós o inventamos.

Fico também espantado com o celular. Outro dia na sala de embarque do aeroporto havia 118 passageiros e 97 no celular, falando até fechar a porta do avião. Para quê? Estão todos loucos? Quando não existia celular, como resolviam os problemas? E quando só havia orelhão? Computador e celular foram feitos para a gente trabalhar mais e mais velozmente. Gostaria de trabalhar menos e mais devagar.

REGINA HELENA DE PAIVA RAMOS – Hoje já existe a Slow Trip, uma agência que faz viagens para apenas dois ou três lugares na Europa, para ficar bastante tempo em cada um, visitar os museus, não se levantar de madrugada, não ter horário para sair. Agora minha pergunta: tem algum livro seu de que você goste mais do que os outros?

LOYOLA – Gosto de todos, mas tem um de que gosto mais. É o menos falado, o menos criticado e o meu maior fracasso de venda. Chama-se Dentes ao Sol. Queria falar de minha geração e comecei a escrever. Esse livro na verdade é a história de um amigo que nunca teve coragem de se atirar para realizar um sonho. Todos viemos embora de Araraquara, como falei, menos ele. Ele escrevia contos incríveis e as pessoas nem entendiam suas histórias, porque ele estava à frente de todo mundo.

Eu sempre voltava para a cidade, como faço até hoje, e nos encontrávamos na mesa do bar para uma conversa, mas um dia ele sumiu. Depois nos reencontramos e ele disse: “Eu não tenho mais conversa, vocês têm tantas coisas novas a contar. Tudo o que tenho a dizer são as coisinhas da cidade”. Tempos depois tentou se matar, pulando de um viaduto, mas caiu sobre um vagão cheio de algodão, sem se machucar. Finalmente ficou louco, internado num hospício, catatônico. Provavelmente, foi para fugir da não coragem de enfrentar o que tinha dentro de si, aquele talento. Dentes ao Sol é a história desse sujeito.

EDUARDO SILVA – Queria destacar sua origem de pai ferroviário. Trabalho nessa área e a ferrovia tem uma característica de unir as pessoas. Depois que começamos a fazer automóveis no Brasil, as vias férreas foram deixadas de lado e ninguém protestava, não eram bons de comunicação. Estamos vendo agora que a única solução é a ferrovia. Ela tem de renascer, mas com essa característica de comunicação e de união entre as pessoas.

LOYOLA – Vou publicar um livro, que já está pronto, que se chama A Morena da Estação. A editora viu algumas crônicas sobre ferrovias e ferroviários e me fez a encomenda. São histórias de como se viajava, o glamour das ferrovias, o restaurante do trem. Na verdade, quem começou a derrocada da ferrovia foi Juscelino Kubitschek. Vieram os empreiteiros e construíram estradas ao lado das ferrovias, uma burrice. Havia o lobby das transportadoras, das fábricas de veículos e de pneus e das multinacionais do petróleo. Foi um conjunto de interesses mal pensados que destruiu as ferrovias.

ISABEL ALEXANDRE – Já que você falou em cinema e na importância das imagens na literatura, quero saber se existe alguma cena – ou várias – de algum filme que o persegue e você ainda não colocou num livro. Quanto de cinema tem anotado em suas cadernetinhas? Há um filme argentino chamado Um Conto Chinês, lindíssimo, com um personagem que coleciona recortes de jornal sobre notícias absurdas que acontecem no mundo inteiro.

LOYOLA – Antes de responder, há uma notícia que usei no “Não Verás País Nenhum” que me impressionou muito: “Nevou no deserto do Saara”. Está lá nos meus recortes, era impossível, mas caiu neve no Saara. Aí descobri que podia fazer o que quisesse dentro do livro. Tenho 5 mil imagens. A primeira que me persegue, que já usei em A Altura e a Largura do Nada, é de Rita Hayworth em Sangue e Areia. Num vestido vermelho, ela atravessa o saguão de sua casa, e fiquei fascinado com aquele chão de Hollywood, brilhante, branco, puro, que refletia a atriz caminhando. Aquilo era a coisa mais deslumbrante do mundo. Em Gilda há outro momento que me marcou: ela está fugindo do marido e vai para uma boate de Montevidéu. É quando canta a famosa Amado Mio. Aquilo era maravilhoso. Sem falar no Put the Blame on Mame, em que ela faz o famoso striptease em que não tira nada. Quando criança, fui proibido de ver esse filme por causa do striptease. Quando assisti o filme, cadê o striptease?

Outra imagem muito importante para mim é a da Saraghina, em Oito e Meio, de Fellini. O roteiro é a história de um diretor com bloqueio, que não consegue fazer um filme. A estrutura de Oito e Meio influenciou meu Zero, com seus vários planos: o idealizado, o de sonhos, o da memória, o da fantasia. Certo momento o menino vai para a praia e vê aquela mulher gorda, imensa, que põe um disco com uma rumba, dança e deixa o garoto excitadíssimo. Aí vem um padre e agarra ele pela orelha. Isso era muito minha infância. Saíamos do catecismo no fim da tarde de sábado e havia uma menina que, se a gente lhe desse uma moeda, mostrava as pernas no matinho. Acho que todo mundo teve uma Saraghina na vida.

OSCAR COLUCCI – Você nunca pensou em escrever para televisão e cinema?

LOYOLA – Nunca fiz roteiro de televisão. Em 1968 fui coautor do roteiro de Bebel, Garota Propaganda, de Maurice Capovilla. No ano seguinte também fui coautor do roteiro de Anuska, Manequim e Mulher, que era um conto de meu primeiro livro, a história de uma manequim. Foi fracasso absoluto, o primeiro filme do Francisco Cuoco.

LUIZ GORNSTEIN – Você poderia fazer uma comparação entre a Academia Brasileira de Letras [ABL] no século passado e o papel dela hoje? Funciona bem para a literatura?

LOYOLA – Penso que, enquanto a Academia Paulista de Letras está se abrindo, a Brasileira está se fechando. No fundo, a ABL não está preocupada com a língua, com o dicionário, com a ortografia, com essas coisas. A nova ortografia em minha cabeça é uma bobagem, obedeceu a alguns interesses que não são os da língua nem no Brasil nem em Portugal. Talvez favoreça as editoras, que podem vender os mesmos livros nos vários países. Isso está dando um grande problema e penso que não é por aí. Mas a Academia Paulista de Letras está indo para as escolas, atraindo os jovens, discutindo coisas, o que não vejo na Brasileira.

Quando ela rejeita um autor como Antônio Torres para dar lugar a um jornalista da Editora Globo que nunca publicou nada a não ser um livro de reportagens, alguma coisa está esquisita. Uma academia que tem Ivo Pitanguy, que tem Paulo Coelho... É meu amigo, é escritor e escreve o que quiser, mas não sei se é um autor de academia. Dizem inclusive que se candidatou para se vingar, porque um dia ofereceu um jantar e nenhum membro da ABL apareceu.

ÁLVARO MORTARI – Uma pergunta: está havendo uma alteração violenta do modo de escrever, do modo de se expressar nas redes sociais, como Facebook e Twitter. Isso vai ficar ou é modismo? Outra questão é sobre a palavra “gente”. Ouço constantemente “a gente fez”, “a gente foi”, e para mim soa desagradável. É certo usar essa expressão? Não é mais fácil dizer “nós fomos” ou “nós iremos”?

LOYOLA – É claro que o modismo das redes sociais não deve ficar. Agora, “a gente” você pode usar na conversa coloquial, como aqui entre nós. Na escrita penso que não. Mas isso está tão entranhado, como vamos tirar? Recentemente houve uma grande polêmica em torno de um livro que dizia que devíamos aceitar todos esses erros. Não é por aí. O que se deve fazer é defender a língua correta, que nos identifica como pessoas, sociedade, civilização, gente.

ÁLVARO – E o aportuguesamento de palavras na área de informática, como você considera isso? É algo que vai ficar?

LOYOLA – Vou deletar o texto, vou printar... Isso acho que vai ficar. São neologismos. Quanto à questão do Twitter e do Facebook, é o resultado da educação que não temos no país, um sistema de ensino fracassado, derrotado, que começou já na ditadura. Esse sistema é uma porcaria, uma droga, um sistema ainda analógico, quando precisávamos estar no digital. Os professores não são preparados e preparam mal os alunos. Para onde vamos? Isso é uma bola de neve.

PAULO NATHANAEL PEREIRA DE SOUZA – Há línguas e línguas. A língua matriz, vernácula, é preservada, é ela que deve ser ensinada, que vai continuar a caracterizar a literatura das nacionalidades etc. Em todos os tempos, porém, houve línguas de ocasião, setoriais, nascidas de tribos, de profissões, de situações, de grupos. São as grandes fornecedoras do enriquecimento do vernáculo, deixam contribuições com que ele vai se renovando. O que pesa é que são passageiras, não chegam a substituir a língua matriz.
Existem discussões acadêmicas sobre a importância delas, mas esse debate não pode aposentar o vernáculo ou recomendar a substituição da língua permanente. Mesmo nas universidades há um pouco de equívoco quando se enfrenta essa questão, talvez por razões de preferências ideológicas etc. Mas não vem ao caso, porque no fundo o que vai permanecer é a língua de sempre.

JOÃO TOMAS DO AMARAL – Sua história sobre a matemática me chamou muito a atenção, pois tenho me dedicado a pesquisar a ciência, especificamente a matemática, como elemento da cultura geral. Isso difere um pouquinho da matemática como técnica operatória, que você tanto abominava e que fez com que seu exame oral fosse tão criativo. O autor português Bento Caraça escreveu um livro maravilhoso, chamado Conceitos Fundamentais da Matemática, em que procura popularizar essa matéria e introduz em alguns temas leis que estão na dialética de Hegel. Gostaria de saber, por curiosidade, se depois daquele exame você reencontrou o professor.

LOYOLA – Reencontrei muitas vezes e ele manifestou muito orgulho de mim num determinado momento, quando minha carreira começou a dar certo. Certa vez falei sobre aquele dia, como foi fundamental para mim. Tivemos amizade até o fim da vida dele. É engraçado como ainda não consegui colocar isso em uma crônica, uma coisa tão minha, que contei três ou quatro vezes apenas na vida. Mas ele soube da importância que teve.

Lembro também do professor Jurandir, de português, que dizia assim: “Cuidado com o ‘lhe’, que destrói qualquer frase”. É verdade, e desde então tento evitar o “lhe, apesar de ser correto. O professor de química, que também ensinava português, dizia: “Cuidado com o adjetivo, porque com ele você mela, você destrói. Em vez de dizer que é bom, mostre que é bom”. Foram aulas de redação ao longo da vida.

A professora de história, Cidinha Valério, ainda viva, dizia: “Se o fim de uma história for surpreendente, ela vai ficar na cabeça do leitor, que vai pensar nela, e aí é uma história bem-sucedida”. Nunca mais esqueci isso e toda vez que termino uma história me pergunto se vai provocar uma surpresa ou ser intrigante. Quantas novelas assistimos com um final decepcionante, por ser convencional, óbvio?