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Crise internacional

por Cláudio Contador

Cláudio Contador é master of arts e Ph.D. em economia pela Universidade de Chicago, e professor titular aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da Escola Nacional de Seguros, membro do Consensus Forecasts de Londres e do Conselho Fiscal e do Conselho Universitário da Universidade Santa Úrsula do Rio de Janeiro.

Participa também do Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), do corpo permanente da Câmara FGV de Conciliação e Arbitragem, do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem e do Instituto Roncarati de Ciências do Seguro.

É ainda árbitro honorário da Câmara de Mediação e Arbitragem em Seguros do Espírito Santo, membro da Câmara Brasileira de Corretores de Seguros da CNC, observador da International Association of Insurance Supervisors, de Basileia, e membro do Conselho Fiscal da Companhia Caminho Aéreo Pão de Açúcar, do Rio de Janeiro.

Lançou mais de dez livros e tem mais de 200 artigos publicados em revistas técnicas especializadas no Brasil e no exterior. Entre várias condecorações e homenagens que recebeu, merecem destaque a Medalha do Mérito Marechal Cordeiro de Farias, da Escola Superior de Guerra, e a comenda Marechal Castello Branco, do Ceará, em 2009.

Esta palestra, com o tema “Desafios para o Desenvolvimento Brasileiro”, foi proferida em reunião do Conselho de Economia, Sociologia e Política da Fecomercio, Sesc e Senac de São Paulo no dia 15 de setembro de 2011.

 

O que vamos debater é uma interpretação da crise, dentre as muitas que estão surgindo, minha visão sobre ela. Devo dizer que fui um espectador, talvez desavisado, do que estava acontecendo. Quando estive na Universidade de Chicago, foi num período de algumas mudanças, que nós, estudantes, à primeira vista não conseguíamos entender, mas que ajudam muito a compreender o que está se passando hoje em termos de crise internacional. Uma das ideias foi engendrada no Departamento de Economia por Gary Becker, prêmio Nobel, que mostrou que pessoas podem ser irracionais, mas os mercados acabam sempre se comportando como se fossem racionais. Assim, mercados são eficientes e por isso não precisam de tanta intervenção ou supervisão. Essa foi mais ou menos a origem teórica de todo o desenvolvimento mais recente que gerou a crise.

Na Escola de Business, em que fiz parte de meu doutorado, surgiu uma discussão teórica sobre esse conhecimento gerado por Gary Becker e uma série de outros também no tocante aos mercados financeiros, com a vantagem de podermos fazer testes empíricos. Esses testes mostraram naquele momento que os mercados financeiros também eram eficientes e, portanto, não precisavam de tanta regulamentação. Em 1973, tivemos o primeiro choque do petróleo, quando surgiu a grande mudança em todo o sistema financeiro internacional.

Como funcionava o mundo até então? Quando um país tinha desequilíbrio na balança de pagamentos e recorria ao Fundo Monetário Internacional (FMI), este recomendava medidas para reduzir a demanda, controlar a liquidez e o crédito e deixar a moeda desvalorizar. Tudo então voltava à normalidade. O choque do petróleo, naquele ano, foi uma mudança importante. Todo o receituário do FMI deixou de funcionar, primeiro porque os valores eram muito grandes. O Brasil chegou a ter uma conta de petróleo de US$ 11 bilhões, nunca depois isso aconteceu. Os preceitos do Fundo não foram muito entendidos na época, mas ele se preocupou com a capacidade de aliviar os países que estivessem com problemas na balança de pagamentos.

Havia um problema adicional. Os países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), que tinham enormes superávits na balança comercial, estavam enviando recursos – os petrodólares – para os bancos privados. Assim, de um lado esses bancos tinham muitos recursos, e do outro o FMI e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) não os tinham. Alguém precisava fazer essa ponte. Foi quando surgiu a ideia brilhante, talvez induzida pelos próprios bancos privados, de ajudar os países em dificuldades a financiar seus déficits em conta corrente.

A banca privada assumiu, assim, a coordenação dessa ajuda, a fim de minorar os desequilíbrios em transações correntes, naturalmente trazendo para esse mercado todos os critérios de lucro, de liberdade de taxas de juros e gestão de risco, que até então não eram muito observados nas operações do FMI. O Fundo apenas recomendava uma série de medidas e fiscalizava, sem se preocupar muito com a gestão do risco.

Contágio

Outro fato: em março de 1971, os Estados Unidos acabaram com a conversibilidade do dólar em ouro, o que gerou certo tumulto no mercado de moedas, que começaram a flutuar. De um lado havia a crença de que os mercados eram eficientes, mas, de outro, ocorreram fortes desequilíbrios. Em 1973 o alemão Herstatt Bank quebrou operando com moedas e isso gerou um problema sério, porque era até então uma instituição considerada extremamente sólida, um dos guardiões da ideia de que os mercados funcionavam bem. E as agências ficaram sem qualificação nenhuma para enfrentar principalmente o contágio que já se prenunciava muito forte.

Foi quando os bancos centrais e governos começaram a ser preocupar com o que poderia ser feito e com a busca de uma solução integrada. Criou-se o Banco de Compensações Internacionais (BIS, sigla de Bank for International Settlements), e o Comitê de Basileia assinou um acordo com o objetivo de evitar novas crises sistêmicas. Para isso se propunha a estabilidade e a solvência do sistema financeiro internacional e a regulamentação prudencial. Não era nenhum tipo de intervenção nos mercados, que afinal eram extremamente eficientes. E houve um tremendo crescimento do mercado de ativos financeiros no mundo, em 1960 em torno de US$ 720 bilhões. Em 1980, 20 anos depois, já eram US$ 12 trilhões, 110% do PIB mundial. O sistema financeiro internacional continuava extremamente frágil e nessa época surgiram alguns ativos que iam marcar a história mais recente, como é o caso do subprime. Apesar de todos os problemas, a crença nos mercados racionais continuou crescendo.

Nos anos 1980 tivemos o segundo choque do petróleo e a crise das dívidas externas, principalmente na América Latina. Uma série de defaults aconteceram. É interessante notar que toda negociação da dívida externa dos países problemáticos – Brasil, Argentina, México, para citar apenas os mais importantes da América Latina – era um desgaste político para esses bancos. Resolveram então concentrar a atenção não mais nas dívidas internacionais, mas em seus próprios mercados. Criaram assim um negócio muito moderninho, chamado O&D – Originate and Distribute. Era um modelo que separava a criação de um ativo financeiro de sua distribuição. A instituição que emitia um papel deixava de responder por sua distribuição posterior. E ao longo dessa cadeia de mercados secundários, a responsabilidade foi ficando cada vez mais fluida, mais reduzida, de tal maneira que quem está lá no final não tem absolutamente nenhuma responsabilidade sobre aquele papel.

Os controles internos das instituições financeiras eram falhos ou inexistentes. Afinal, não era preciso se preocupar com isso, porque os mercados eram eficientes. Lembro que estamos falando dos anos do liberalismo de Ronald Reagan nos Estados Unidos e de Margaret Thatcher na Inglaterra. Em 1988 esse modelo já não estava dando certo. Uma série de crises financeiras aconteceu nesse percurso, mas sempre tratadas de forma leviana. A grande inovação no final dessa década foi o Acordo de Basileia, destinado à regulamentação do risco de crédito, com exigência de maior capital, regras contábeis mais rígidas e transparência de informações. Assinado o documento, cada um saiu do encontro para fazer o que queria, e o acordo foi jogado no lixo.

Ainda na década de 1980, países emergentes – Argentina, México, Brasil – entraram em crise. O sistema financeiro internacional tentou transferir as perdas, que cresceram muito, cobertas em parte pela expansão de ativos financeiros, derivativos, subprime e securitização de dívidas. Os ativos financeiros, sem contar os derivativos, em 1980 eram 110% do PIB mundial, mas uma década depois já chegavam a duas vezes esse valor. Uma parte era financiada então por novos ativos e outra transferida para governos e famílias, compondo a chamada socialização das perdas.

Estouro da bolha

Nos anos mais recentes, de 1990 a 2005, tivemos um novo acordo de Basileia (em 2004), com mais supervisão, mais regulamentação prudencial e nenhuma atenção a instrumentos financeiros exóticos. E os governos resolveram entrar também na ciranda, lançando títulos da dívida pública. A ideia era criar ativos sem risco. Afinal, os mercados financeiros estavam precisando de um ativo sem risco a fim de diversificar as perdas e julgava-se que títulos da dívida pública tinham essa qualidade. Esses títulos financiaram então o aumento de gastos e a expansão das despesas militares americanas com as guerras do Afeganistão e do Iraque. Era também uma forma de fugir dos limites impostos pelo Acordo de Basileia, que vigiava muito mais o mercado privado.

O resultado foi que, de 2005 para cá, tivemos o chamado estouro da bolha, a crise do subprime dos anos 2008 a 2010, as fraudes e a impunidade que marcaram o noticiário. O caso Bernard Madoff foi sintomático, e não foi o único. Madoff ressuscitou a chamada pirâmide de Ponzi. Charles Ponzi é uma figura do século 19, um grande safado que deixou muitos seguidores aqui. Aliás, morreu no Brasil. Mas Madoff não foi o único, a todo momento temos notícias de fraudes.

Em 2009 nada aconteceu de relevante, em 2010 também não e chegamos a 2011, quando fomos surpreendidos com o aumento da dívida pública dos Estados Unidos. O valor previsto para 2011, uma estimativa, era simplesmente impraticável, porque superava o limite legal. Os Estados Unidos estão numa situação fiscal extremamente complicada, muito complicada mesmo, e não vemos saída se não houver um acerto de quem vai pagar a conta. Em 2006 o então senador Barack Obama fez um discurso famoso, em que se posicionou contra o aumento do teto da dívida para US$ 9 trilhões. Hoje os republicanos estão dando o troco. O teto foi aumentado, mas ainda não é suficiente.

Até os anos 1970, as crises, quando havia contágio, ocorriam via comércio. Hoje o contágio é muito mais rápido, porque acontece via sistemas financeiros, principalmente se os países não têm um marco regulatório mais forte. Os Estados Unidos não estão sozinhos no endividamento. O Japão, quem diria, tem mais de duas vezes seu PIB em títulos, a Grécia está em segundo lugar, a Itália depois e por aí vai. Esses países, tidos como responsáveis, demonstraram ao longo do tempo uma profunda irresponsabilidade. O Brasil tem uma dívida líquida hoje de cerca de 40% do PIB.

Chegamos enfim ao segundo semestre de 2011, e já não dá mais para esconder o sol com a peneira. A Grécia está próxima a entrar em colapso. De onde vem esse default? O governo grego fraudou a contabilidade pública, as contas nacionais. Os bancos do país, por sugestão do próprio banco central, fraudaram também suas contas. A Itália fez algo parecido, a Espanha idem, Portugal menos. O Reino Unido também está nesse grupo. O que fazer? Os alemães, muito preocupados, já falam em uma área do euro do norte, deixando o pessoal da franja do Mediterrâneo à parte. Os alemães estão propondo aos demais países da União que se faça uma espécie de lançamento de eurobonds, que são títulos. O problema é que esses papéis não têm credibilidade e, sendo vendidos para os próprios países, nada mais são do que mais uma ciranda.

Quem vai pagar a dívida? Alemanha e China, nenhum tem interesse. Os alemães não estão dispostos a assumir a conta do euro. Se a Grécia fizer um default, total ou parcial, os outros países entram também em moratória. É o caso de Espanha, Itália, Portugal menos, Irlanda sem dúvida alguma. Então estamos numa situação de impasse e é importante verificar que essa crise, que é financeira, começa a impactar o crescimento econômico, o lado real da economia. Projeções para o crescimento do PIB estão caindo nos Estados Unidos, no Reino Unido, na França. Grécia e Portugal devem aprofundar sua recessão.

A expectativa de inflação também está crescendo e mais uma vez podemos cair no pior dos mundos: baixo crescimento econômico ou recessão junto com inflação crescente. Nem os Estados Unidos nem a Europa até agora conseguiram lançar uma mensagem otimista, que dê confiança a suas populações. Isso porque todas as medidas adotadas tentaram apenas salvar os bancos e fizeram isso de uma forma muito falha, sem se preocupar com os trabalhadores. O sistema político e os governos foram absolutamente omissos, não criaram nenhuma esperança.

Na Europa surgiu uma geração chamada IPOD – Insecure, Pressured, Over-taxed e Debt-ridden [insegura, pressionada, sobretaxada e endividada], e nasceu a insurreição popular. As famílias continuam endividadas e pressionadas pelos bancos. Nos Estados Unidos, os bancos se recusam a dar valor às dívidas pelo valor de mercado. Na lógica americana, a renegociação da dívida é algo terceiro-mundista. A geração de empregos e investimentos fixos está em queda, o que joga um problema mais sério para o futuro.

O Brasil e a crise

E nós, no Brasil, onde vamos ser afetados? Principalmente no comércio. Enquanto o preço das commodities se sustentar, estaremos um pouco protegidos. Deve ocorrer uma mudança no fluxo de capitais externos. O efeito disso é dúbio, pois de uma parte os recursos disponíveis devem diminuir, mas, de outra, como as economias que competem com o Brasil por esses recursos estão em crise, é possível que haja uma transferência desses países para cá. A composição de nossa reserva internacional em títulos externos já está batendo em US$ 190 bilhões. A presidente já deu instruções para que o Banco Central comece a reduzir essa exposição. Não sei como isso vai ser feito, mas pelo menos alguém foi alertado.

O crédito externo deve também sofrer queda. Algumas oportunidades no Brasil estão atraindo capital e valorizando o real, o que é outro problema que temos. As commodities, apesar de todas as dificuldades, continuam em nível alto. Segundo as projeções de agosto passado, o crescimento do PIB deve bater em 2,9% em 2011 e em 4% em 2012.

A crise é insolúvel enquanto não surgirem propostas de políticas que sejam convincentes. Tanto o governo dos Estados Unidos como os da Europa não conseguem sinalizar isso, o que está gerando desespero na população e nos investidores. Os movimentos sociais devem se alastrar. As pessoas estão assustadas. O Brasil ainda está protegido, mas tem forte fragilidade nos gastos públicos, baixos investimentos, produtividade reduzida etc.

Um ponto para o qual a revista “The Economist” chamou a atenção é o receio da niponização nos Estados Unidos. O Japão, nas últimas duas décadas, ficou andando de lado, e existe o receio de que, devido aos ativos podres semelhantes aos do Japão, aconteça a mesma coisa nos Estados Unidos. Não tenho a menor dúvida de que a próxima década será diferente de tudo o que vimos anteriormente.

Debate

ROBERT APPY – As raízes da crise estão realmente na criação daquele mecanismo financeiro audacioso, que contradiz tudo o que era previsto. Sobre a situação do Brasil, estou também preocupado, porque vivemos uma euforia que pode nos levar a um despertar muito ruim. Estamos dependendo muito do capital estrangeiro. Outro problema que considero gravíssimo é o incentivo ao consumo. O Brasil defende e estimula o consumidor, enquanto a indústria produz cada vez menos, contando com as importações a baixo preço. Gostaria de saber se vamos modificar a política interna.

NEY FIGUEIREDO – Está ocorrendo um problema no Brasil, que é uma mudança da política econômica, com novos personagens. Em 2008 tínhamos o Banco Central (BC) independente, com Henrique Meirelles e um presidente popular. Hoje temos a presidente Dilma Rousseff, que elege como principal personagem de seu governo o ministro Guido Mantega, um desenvolvimentista, que sempre pregou que uma taxa de inflação razoável seria suportável, desde que viesse acompanhada de desenvolvimento. O novo presidente do BC, Alexandre Tombini, passou a despachar com o ministro Mantega no Ministério da Fazenda, coisa que Meirelles nunca fez. Essa foi a mudança na política econômica. Pergunto se o desejo de suportar uma inflação maior não pode, neste momento trágico da economia mundial, nos trazer sérios problemas.

ROBERTO MAGALHÃES – Estou lendo o livro O Mito do Progresso, de Gilberto Dupas, que leva ao pessimismo, desmistificando a ideia do progresso. A tese é que ele nem sempre leva à melhoria da humanidade. Na Itália, no início do século passado, um pensador já dizia que a humanidade ora tem ciclos de progresso, ora de retração.

Sua palestra vem ao encontro de tudo o que, até por intuição, penso. Destaco três de suas afirmações. A primeira é que podemos cair no pior dos mundos. A outra é que todas as medidas até agora adotadas só pretendem salvar os bancos, sem preocupação com os operários. A terceira é que poderão ocorrer novos movimentos sociais como aquele em Paris que, para ser domado, precisou da intervenção de Charles de Gaulle, presidente da República. E pergunto como seria possível a países como Grécia, Portugal, Turquia, Espanha e Itália deixar a área do euro. Qual o mecanismo para tornar isso factível? Quem vai pagar a dívida? Vão voltar para a moeda antiga?

CONTADOR – Appy, tenho muito receio quando um membro do governo ou de partidos de apoio fala que temos fundamentos econômicos fortes. Porque todos esses países tinham fundamentos fortes, com a ideia da liberdade e de pouca intervenção, e deu no que deu. Ney Figueiredo também falou disso, mas minha preocupação se refere à inflação que está voltando. Há um trabalho desenvolvido na Ordem dos Economistas do Brasil que mostra que o principal fator que ajudou a tirar 40 milhões de pessoas da miséria foi a queda da inflação. Se ela volta, uma boa parcela dessa nova classe pode cair de novo, e isso é muito complicado, já aconteceu nos Estados Unidos.

Por que não sentimos nas ruas o ambiente de atrito, de desconfiança? Porque o Brasil conseguiu fazer a inclusão social. Isso não aconteceu em outros países, os Estados Unidos concentraram renda desde os anos 1980, a Europa idem. Se a inflação volta, pode levar uma boa faixa dessa população que emergiu, e que já está na classe D+ e C, de novo para o pior dos mundos. Concordo, Appy, que a questão do estímulo ao consumo tem de ser olhada com cuidado. A fragilidade financeira das famílias pode aumentar, gerando problemas muito difíceis de contornar por meio de política econômica. É preocupante.

Quanto à questão da inflação, ela pode ser um grande calcanhar de Aquiles. E em relação ao pessimismo, citado por Roberto Magalhães, às vezes os economistas passam uma mensagem que pode ser muito cinzenta ou negra e por isso se diz que a economia é uma ciência do desânimo. Mas, apesar de ter dito que o ambiente é muito desfavorável, acredito que o Brasil sai dessa com muito mais facilidade que outros países. O mundo está numa crise seriíssima. Vamos sofrer, mas temos algumas coisas, que não têm nada a ver com o governo Lula, temos fundamentos estruturais muito mais fortes que os outros países.

O senhor mencionou Charles de Gaulle, mas não vamos compará-lo, bem como aos líderes daquela época, com Silvio Berlusconi, Giscard d’Estaing ou Nicolas Sarkozy. Na Europa hoje a melhor é Angela Merkel. Os Estados Unidos também não têm liderança, provavelmente Barack Obama vai perder as próximas eleições.

Em relação à crise do euro, o caso da Grécia é a grande preocupação, os gregos ficariam devendo em euro e com receita em dracma. Não há saída. Não existe colateral para os países da Europa que estão em dificuldades. A Grécia tem o turismo como fonte de receita, mas essa atividade nos próximos anos estará em queda. O país não tem nada a oferecer.

ISAAC JARDANOVSKI – Você não vê indícios de bolha em pelo menos dois setores da economia brasileira, automobilístico e imobiliário?

CONTADOR – No imobiliário, sim, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, com a grande valorização de imóveis. É muito semelhante ao que aconteceu nos Estados Unidos, todo mundo julgava que tinha patrimônio e não tinha. A indústria automobilística vai ter de se adaptar, caminhar mais para pesados, porque as cidades já não sustentam tantos carros e o crédito já não está tão fácil.

ANDRÉ MUSSALÉM – A economia nunca fornece uma resposta muito certa, mas oferece bons panoramas, foi isso o que aprendi com meu pai. A propósito, quero anunciar que no segundo semestre deste ano estaremos criando o Instituto Josué Mussalém de Pesquisa, que terá como objetivo principal a continuidade de seu pensamento econômico através da publicação de obras inacabadas, que estamos reunindo em forma de artigos, e vai também fomentar debates e palestras sobre economia e meio ambiente.

EDUARDO SILVA – Como engenheiro, alguém que trabalha na área física, penso que o Brasil tem uma missão muito importante, que é avançar em infraestrutura – em saneamento, transporte e até saúde. Os bancos utilizam a informática, a negociação ficou superveloz, e em poucos segundos muitos milhões são negociados, mas de repente acontece uma zebra, porque aquilo não tem solidez, não estamos falando de nada físico. Será que vamos ter a grande sorte de que a atividade de infraestrutura seja realmente uma meta nos próximos anos? Se não temos mais os problemas financeiros que enfrentamos logo depois do regime militar, agora quem sabe conseguiremos consertar a estrutura das cidades. Acho que essa deve ser a visão dos que nos governam e dos que trabalham.

CONTADOR – Sou da época do olho no olho. O problema da transação eletrônica é que você se distancia dela. Quanto à questão da infraestrutura, concordo plenamente. Nós ficamos olhando para o curto prazo, muito para a árvore sem ver a floresta. Estive no Porto de Suape, e vale a pena conhecer aquele complexo. É algo absolutamente louco, algo chinês que está sendo implantado no nordeste. Vai mudar aquela região e exigir muitas obras de infraestrutura. As restrições que foram colocadas e o impulso às necessidades da demanda vão resolver esse problema de alguma forma. A explosão agrícola no interior revelou brutais fragilidades, os governos estaduais estão correndo para tapar buracos. Como somos latinos, acredito que vamos levar umas pancadas e aí começaremos a andar para a frente.

FABIO PINA – Voltando ao euro, o resultado do que pode ocorrer na Europa é a pedra angular no que pode acontecer com o mundo. Particularmente nunca fui um entusiasta do euro, por dois motivos. Um é quase uma anedota: alemão fazendo negócio com latino e com grego nunca termina muito bem, os alemães perdem sempre. Fora a anedota, a parte séria disso é que houve um enorme estímulo para que os países que têm poucos checks and balances e pouco enforcement de controles, que são os latinos, fizessem o que fizeram. Vários tesouros, como em Portugal, na Itália e na Grécia, foram estimulados a gastar demais. O pepino ficou para a Alemanha resolver ou mesmo para a China. Só que nada se soluciona sem custo, que será enorme para a Alemanha e, se a China resolver, enorme para a própria Europa, porque os chineses não farão isso de graça. Qual é, em sua visão, a probabilidade de termos algo como um Plano Brady para a Europa?

CONTADOR – Um Plano Brady nesse caso é insuficiente. E quem o faria? É totalmente impossível, mas a Europa vai ter de achar uma saída. É uma questão de compromisso, vão ter de gerar credibilidade. O problema é que não vejo em nenhum desses líderes europeus credibilidade suficiente. Angela Merkel é a menos ruim.

Quanto ao Brasil, não podemos ser pessimistas. A Europa tem mais ou menos sol, mas não tem mais solo agricultável, nem água doce nem recursos naturais. E tem catástrofes de porte médio. A África não tem nada. Os Estados Unidos são o segundo país com condições semelhantes ao Brasil. A China não tem nem solo nem água e seus recursos naturais, muito grandes, estão sendo destruídos.

O Brasil tem terra cultivada e agricultável. Os Estados Unidos ainda têm um pedaço. A Índia enfrenta problemas seriíssimos. A China tem muito menos terra agricultável do que nós. Enfim, esse quadro mostra um ponto interessante. Tenho tido contato com um indiano e ele me disse que não consegue entender por que a Índia faz parte dos Bric. Ele afirmou também que quando vê os problemas do Brasil fica com inveja, seriam os menores na Índia.

Mais: no tocante ao capital socioinstitucional, temos um único idioma, não há conflitos internos nem problemas de tensão em fronteiras, contamos com democracia, liberdade, mobilidade social e a distribuição de renda está melhorando. Nos demais países, a distribuição de renda está piorando. Os que têm muitas etnias sofrem conflitos internos, tensão e ameaça à democracia. Por isso tudo tenho um otimismo muito grande em relação ao Brasil no longo prazo, apesar de todos os problemas.

JOSÉ ROBERTO FARIA LIMA – A idade da pedra não acabou por falta de pedra. Não vai acontecer nada em 2012 no Brasil por falta de infraestrutura, o mundo pelo menos não vai acabar. Lembro que a Grécia patrocinou as Olimpíadas em 2004, então nem elas nem a Copa do Mundo vão nos salvar.

Minha pergunta tem a ver com o conceito entre público e privado. Quando a soberania das nações começou a desaparecer, fruto da capacidade humana e da nova era do conhecimento, que teve como marco a ida do Yuri Gagarin ao espaço, a infraestrutura se transformou em instantânea e quem mais se aproveitou disso foram exatamente os bancos. A globalização foi financeira. Mas ao desaparecer a soberania das nações, surgiu nas empresas um poder muito grande. As multinacionais gigantescas provocaram fenômenos fantásticos e transformaram a China numa barriga de aluguel.

O que existe na China basicamente é a transladação de uma infraestrutura tecnológica dessas multinacionais, otimizando os fatores de produção, como o fator trabalho, que naquele país, por ser escravo, não pesa muito nos custos. A Argentina se desindustrializou. Os Estados Unidos se desindustrializaram, não conseguem absorver mão de obra, porque a indústria hoje é toda automatizada e está na China, em consequência, inclusive, da questão ambiental. Isso até destruiu a ideologia.

O que você acha que vai acontecer? Vamos nos juntar ao Paraguai, à Bolívia, quem sabe até à Venezuela, e nos transformar nos Estados Unidos da América Latina? A saída mais lógica seria, através do pensamento próprio da nação brasileira, de pessoas capazes como você, buscarmos soluções de modificação qualitativa para a nova realidade, para usufruir de todas essas vantagens.

Você falou de capital natural, áreas cultiváveis, mas não colocou o capital humano, que é lamentável, porque o Brasil simplesmente teve uma explosão demográfica de gordura, não criou músculos, estamos gerando mononeurônicos. O que você espera que vá acontecer?

FRANCISCO BARBOSA – Entendo que até o fim de um quadro recessivo existe uma série de fases. A primeira é um quadro de iliquidez geral, que começa com quebradeira bancária. As empresas e os consumidores estão ilíquidos, os bancos se alavancam para conceder essa expansão, começa uma crise bancária. Na segunda fase, os bancos cortam o crédito, as empresas têm problemas. Elas então se desativam para recuperar a liquidez e, com isso, geram desemprego. A terceira fase é um problema dos consumidores, o desemprego aumenta. A quarta fase é a crise dos governos, porque eles sofrem queda de arrecadação, de um lado, e aumento de despesa, de outro.

Lá fora, a crise financeira dos governos é a última etapa da crise que começou em 2008. Tanto é assim que a liquidez dos Estados Unidos hoje é fantástica. A relação do M2 com o PIB americano está num nível muito baixo, mas até já cresce, passou a fase aguda. O governo americano colocou títulos à venda, de dois, cinco, dez, 30 anos. Os títulos de dois anos saíram a menos que 0,3% ao ano e a aceitação foi seis vezes o volume oferecido. Os outros vencimentos também tiveram ofertas incríveis. O quadro já é de liquidez excessiva de fim de crise. As pessoas estão imaginando que haverá um processo de desativação forte, quando na verdade esse é um sinal de fim de crise, tanto que as empresas americanas estão com lucros crescentes. O mercado de commodities com preços altos significa recuperação em andamento.

Quando analiso a evolução econômica, vejo dois tipos de motivos para ela acontecer. O primeiro são os fundamentos, as condições econômico-financeiras dos agentes, empresas, consumidores, bancos, governo, e o segundo, as expectativas dominantes. Hoje vejo cada vez mais que estas últimas estão pesando demais. Aliás, expectativa negativa sempre foi uma grande razão para o processo de recuperação ser lento, pois todo mundo fica com o freio de mão puxado. Existe um pessimismo muito grande, mas estamos no fim da crise, não no começo. E não há recaída de crise, porque os outros agentes – empresas, consumidores, bancos – estão relativamente líquidos. Não estão líquidos os bancos muito carregados em títulos de governo, que ficaram com medo e caíram no colo errado.

O processo de recuperação lá fora está relativamente adiantado, não vai piorar, vai melhorar. Existe uma grande confusão, e é aqui que o problema é sério, por causa do câmbio. Você começa a transferir a produção para fora. Para reverter o processo, muda-se o câmbio, mas está todo mundo encomendando lá fora há um ano.

A situação é complicada. Não será um desastre nem motivo para suicídio, é uma dificuldade transitória provocada pelo câmbio. Aliás, é um problema velho nosso desde os anos 1970, a economia nacional flutua demais. Nos últimos 31 anos ela cresceu a uma média de 2,5%, no período Lula a 4%. Nos próximos anos, voltaremos para os 3%, enquanto a China, com toda a atração que fez, cresceu nos últimos 20 anos a uma média de 9%. Então os erros são os mesmos e já comentei a razão deles: as empresas são muito mais sensíveis à taxa de juros que os consumidores. Quando se eleva a taxa de juros, o que cai é a oferta, não a demanda. A demanda põe mais dinheiro no bolso e depois volta mais depressa que a recomposição da oferta. Com isso a inflação retorna. Estamos entrando num processo de desativação que vai terminar numa nova expansão da inflação.

JOÃO TOMAS DO AMARAL – Como observador, já que não sou economista, estou vendo alguns movimentos que não sei se passam despercebidos ou são pouco noticiados, mas vêm acontecendo e causam certa perplexidade. Uma questão que chama a atenção é para onde foram os bancos estatais brasileiros, Banerj, Banespa, Banepar. E as teles estaduais, como Telesp e Telerj, que também desapareceram. Isso nos dá certa base para entender o que aconteceu nas negociações entre a Vivo, a Telefônica e a Portugal Telecom. Há indícios de que algumas empresas espanholas estão comprando firmas brasileiras, o que chama a atenção.

CONTADOR – No que respeita à questão da Copa e das Olimpíadas, quero lembrar que a Grécia emitiu títulos que foram comprados pelos bancos alemães e estão sem valor. Concordo que esses eventos não vão gerar grande crescimento econômico. Quanto ao capital humano, sou otimista – pelo menos observei ao longo dos anos que quando o problema era grave o país resolvia. Tivemos nos anos 1970 crises de balança de pagamentos, câmbio, depois dívida externa, inflação elevada, tudo isso em algum momento foi resolvido. Então acredito que o próximo presidente vai olhar para essa questão do capital humano com muito mais atenção.

No Rio de Janeiro estamos importando mão de obra angolana (não sei no que eles podem ajudar), além de espanhóis, bolivianos, colombianos, que estão tomando a construção civil no Rio de Janeiro. É óbvio que esse pessoal não é qualificado, mas não tenho a menor dúvida de que o apagão de mão de obra mais qualificada em algum momento será enfrentado.

Francisco Barbosa, a liquidez nos Estados Unidos está empoçada, os bancos não emprestam. Expandiram centenas de vezes a base monetária, a liquidez aumentou e está tudo na mão dos bancos, que não querem emprestar. Emprestar para quem? Precisam de uma avaliação de risco muito melhor. Essa é a minha preocupação, penso que num dado momento essas lagoas ou se comunicam ou transbordam, e então os Estados Unidos terão inflação. Aliás, inflação é uma solução fantástica para todos os problemas que estão se anunciando, porque ela deprime o valor dos títulos, não tem correção monetária, zera tudo. Fizemos isso muitas vezes no Brasil.

Não concordo no tocante à recaída, acho que podemos vir a enfrentá-la, é o chamado ciclo em W. Pode ser que não seja nem W, mas uma série de Vs, porém essa é uma questão que podemos abordar em outro momento e observar o que vai acontecer. Continuo mais otimista em relação ao Brasil do que aos outros países.

Quanto às perguntas de João Tomas, não tenho a menor ideia de como respondê-las, não sei onde estão esses bancos estatais, devem estar loteados.

FARIA LIMA – Foram privatizados. Um dos últimos foi o do Ceará. Aliás, o controle fiscal do governo foi viabilizado exatamente com as privatizações e incorporações.

CONTADOR – Foram incorporados por outros bancos. Por exemplo, o Itaú comprou o Banerj, o Santander comprou o Banespa.

ROBERTO MAGALHÃES – Pernambuco tinha o Bandepe. Aliás, foi a primeira tentativa de um banco estadual no Brasil, em 1939. Era Caixa de Crédito Imobiliário, virou Bandepe. Tinha os defeitos dos organismos estatais; a cada quatro anos, quando mudava o governador, trocava-se a diretoria, a filosofia etc. Acabou nas mãos de um banco espanhol.

Quero aproveitar para comentar uma observação que se fez aqui em relação ao desaparecimento das teles. Foi uma bênção. Pernambuco tinha uma das piores empresas de telecomunicações do Brasil, porque havia cinco diretores indicados pelos deputados da bancada. Era péssima, pois colocavam lá pessoas de confiança para fazer politicagem e outras coisas.

NEY PRADO – É por isso que, de tudo o que foi discutido aqui, a única coisa que causa apreensão é censurar a economia de mercado como se fosse a causadora de tudo o que está acontecendo. Economia de mercado é diferente de capitalismo. Capitalismo é uma doutrina que possibilita o egoísmo, a predação etc. Economia de mercado é uma instituição, é um conjunto de regras que provaram ao longo do tempo que são eficientes. Porém, como a economia de mercado só pode funcionar através de pessoas e estas são mais capitalistas do que ligadas ao método, temos essas distorções. O meu receio é que, como forma definitiva de resolver essa crise, haja um aumento do poder do Estado na economia.