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Espaços de intervenção

Quando pensou a posição do Monumento às Bandeiras, uma homenagem aos sertanistas dos séculos 17 e 18, entregue a São Paulo em 1953, o escultor italiano radicalizado no Brasil Victor Brecheret fez uma única exigência: a cabeça da escultura principal da obra deveria estar voltada para o Pico do Jaraguá. O ponto mais alto da cidade era o primeiro que os bandeirantes vindos pelo rio Tietê avistavam quando retornavam de missões pelo interior do Brasil.

Antes mesmo de ser criado o termo site-specific, que define obras de arte pensadas para um lugar específico, em geral com grande circulação, dialogando com o espaço, o monumento de Brecheret, localizado no Ibirapuera, zona sul da metrópole, já podia ser classificado como tal, ou como arte pública. “As pessoas se identificam tanto com aquela escultura que a abraçam, tiram foto, andam ao redor, quase que fazem escaladas”, explica o professor do curso de pós-graduação em arte pública da Escola de Comunicações e Artes (ECA), da Universidade de São Paulo (USP) João Spinelli.

O site-specific surge no final da década de 1960 e início da de 1970 na esteira do minimalismo, que ressalta formas elementares de cortes geométricos. Ele se insere num momento em que a contracultura ganha força, valores artísticos são colocados em xeque, a pop art desponta e os meios de comunicação de massa se tornam cada dia mais presentes na vida das pessoas. Inicia-se a era da profusão de imagens efêmeras, intensificada nos últimos 20 anos com a internet.

É a arte feita e mostrada fora dos espaços tradicionalmente dedicados a ela – museus e galerias –, mudando radicalmente a paisagem e seu entorno. “Assim como precisamos de muitos hospitais, escolas, melhorias urbanísticas, precisamos de melhorias paisagísticas e também desse diálogo dos cidadãos com os artistas. Eles vivificam a cidade”, acrescenta o professor da ECA.

Essa comunicação com o público, no entanto, em alguns casos, como o do escultor norte-americano Richard Serra, é feita por meio do conflito. Considerado um dos mais importantes artistas contemporâneos, Serra colocou, em 1981, um extenso arco de aço no meio da Federal Plaza, em Nova York. A intervenção gerou indignação de alguns moradores, que a entendiam como um obstáculo no caminho e não como um convite à reflexão sobre o contexto político, cultural, social daquele momento, materializado no trabalho de Serra.

Se por um lado a arte pública provoca embates, por outro pode mudar a vida de uma comunidade inteira. Um exemplo disso é a intervenção de Ruy Ohtake em Heliópolis, região que tem cerca de 120 mil habitantes, localizada na zona sul de São Paulo. O arquiteto paulistano projetou e construiu no local um conjunto de edifícios circulares onde funcionam apartamentos residenciais, biblioteca, creches, escolas técnicas, em um terreno de 35 mil metros quadrados.

A relação de Ohtake com a comunidade de Heliópolis começou em 2003 quando ele foi convidado a mudar a fachada de casas da região. O projeto A Cor em Heliópolis, que contou com o trabalho de oito pintores locais, deu início então a esse processo de revitalização e embelezamento.

Também em São Paulo, intervenções da artista ítalo-brasileira Maria Bonomi mudam a paisagem urbana, criando diálogos com os transeuntes, como é o caso de Epopeia Paulista, construído em 2004 e instalado na Estação da Luz.  “Acredito piamente que a arte é um item essencial para a vida das pessoas; aliás, mais do que isso ela é um direito à sensibilização e ao conhecimento de todo ser em sua vida tanto quanto a higiene, a alimentação etc. A arte forma, informa e dá sentido à energia do mundo”,  ressalta Maria Bonomi.

No Brasil, outros artistas como Carmela Gross, José Rezende, Grupo Tupinão Dá, Osgemeos, Binho Ribeiro, Alex Vallauri, Carlos Fajardo e Regina Silveira se inserem nesse grupo, com instalações, painéis, grafite em viadutos, laterais e fachada de prédios, arte em muros, praças, estações de trem.


Degraus iluminados

Vão de 17 metros no Sesc Belenzinho recebe intervenção de artista paulistana

“No primeiro momento foi assustador”, revela Carmela Gross sobre a primeira impressão do átrio da torre principal do Sesc Belenzinho, local onde desenvolveu a obra Escadas. Envidraçado do teto ao chão, que revela a piscina coberta da unidade, o vão tem 17 metros de altura. “As plataformas de vidro possibilitam a visão de muitos ângulos diferentes e a incidência de luz. É como se o trabalho fosse um personagem”, acrescenta.

O local está recebendo a intervenção da artista paulistana, a primeira de uma série que compõe o Projeto Vão, que terá, ainda este ano, obras de Carlos Fajardo e José Rezende. A ideia do projeto é convidar artistas cujo trabalho se desenvolveu a partir de certa poética dos espaços, de uma experiência dos espaços.

Os três artistas já tiveram obras de grande porte expostas quando a unidade ainda era provisória, antes do restauro do prédio. Eu sou Dolores (2002), de Carmela Gross, marca a poética do canteiro de obras, elementos expostos para que todo mundo reconheça. “É análogo ‘à honestidade do pintor que não escondia a pincelada’”, explica o técnico em artes visuais Alcimar Frazão, responsável pelo setor de exposições do Sesc Belenzinho.

“O trabalho da Carmela está sempre em um processo, como algo que está em estado de produção e maturação.” Escadas é composta de 18 escadas industriais de madeira cobertas com 700 lâmpadas tubulares fluorescentes dispostas lado a lado. A montagem começou no dia 26 de abril e levou 20 dias para ser concluída. “A obra une a ideia da precariedade do símbolo da escada com uma desmistificação da racionalidade desse objeto”, ressalta Alcimar. “Poucos espaços em São Paulo podem abrigar esse tipo de experiência, têm essa dimensão generosa, esse pé direito. O trabalho surge como pesquisa efetivamente.”

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