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Nova opinião pública na era da internet
A internet e as redes sociais permitiram que pessoas externassem opiniões de forma contundente, sem o filtro dos meios de comunicação tradicionais. Muitos assuntos foram levantados, protestos foram organizados. A sociedade encontrou nas novas tecnologias uma forma de expressão direta.
Neste contexto, blogueiros ganharam importância – sendo inclusive incorporados pelos veículos de comunicação –, surgiram os net-ativistas e alguns especialistas indicam a formação de uma nova opinião pública. Um dos exemplos mais contundentes do impacto social da articulação de pessoas comuns por meio da internet é a Primavera Árabe, onda de protestos que começou na Tunísia no final de 2010 e se espalhou para o Oriente Médio e norte da África. Em artigos inéditos, o professor e escritor Paulo Nassar e o sociólogo Sergio Amadeu analisam o fenômeno.
Uma nova opinião pública. Será?
por Paulo Nassar
Todas as vezes que os injustiçados do mundo ganham espaço nas telinhas dos gadgets de última geração e nas correntes caudalosas de e-mails e o barulho digital é tanto que chega até aos veículos de comunicação tradicionais, muita gente destaca as boas qualidades do que chamam de uma nova opinião pública. Os mais entusiasmados com essa teia social se esquecem das aranhas privadas e governamentais que deslizam nelas e criam, na rabeira de Jürgen Habermas, o rótulo simpático da esfera pública digital.
Essa ideia de um mundo bom, cognitivo, integrado pela comunicação digital – seja idealizada na forma de uma “noosfera” (uma “camada pensante”, “além e acima da biosfera”), do padre jesuíta Pierre Teilhard de Chardin, da “aldeia global”, de Marshall McLuhan, da “ecologia cognitiva”, de Pierre Lévy, da “Terra-Pátria”, de Edgar Morin, e da “sociedade em rede”, de Manuel Castells, dentre outros pensadores otimistas dos campos da cognição, das ciências sociais, da filosofia e da comunicação – é constituída seletivamente de atributos positivos inerentes aos relacionamentos, dentre eles, destaco a possibilidade de formar pela conversação e colaboração abertas, em nível mundial, superando todo o tipo de diferença cultural, histórica, política e econômica, uma nova opinião pública, que produz ações conjugadas, agora em um ambiente sociotécnico, quase pós-humano, híbrido de humanidade, gadgets e redes telemáticas.
Miticamente mais eficaz, segundo os seus seguidores, do que a opinião pública tradicional – agendada pelos meios de comunicação tradicionais, controlados por interesses privados e pelas regulações e poderes estatais –, diferenciados pela sua abrangência, que é inclusiva, pela sua independência, velocidade e transparência, essa nova opinião pública tem, dentre os seus meios de comunicação, protagonistas descentralizados e móveis como smartphones e notebooks, em que se aninham as redes sociais.
Este belo retrato, geralmente desenhado pela maioria dos protagonistas dessa nova opinião pública, entre eles as grandes empresas de tecnologia de informação, blogueiros e net-ativistas, não mostra que, além de novas questões, essa nova esfera pública carrega os problemas da velha opinião pública, principalmente aqueles referentes à produção das informações em termos de quantidade e qualidade.
Um deles, a determinação da relevância daquilo que a produção global de mensagens, multiplicada de forma exponencial por mais autores, disponibiliza para cada um de nós, sem nenhuma cerimônia e quase sem barreiras. “Quem lê tanta notícia?”, perguntou, nos distantes anos 1960, Caetano Veloso, em sua canção “Alegria, Alegria”. A pergunta cresceu em importância, porque a internet nos traz, junto com a produção jornalística, pilar fundamental para a consolidação da opinião pública na segunda parte do século XIX, a concorrência de todo o tipo de conteúdo, entre eles, o entretenimento e as informações de perfis referencial e conversacional.
Na atualidade, qualquer ser humano nascido nessa nova ordem digital pode simplesmente não se interessar por uma narrativa que não seja a ficcional, durante toda a sua vida. O contrário, também, é verdadeiro, as notícias jornalísticas produzidas torrencialmente geram, além de medo do próximo e daquilo que é coletivo e social, uma tirania do presente.
Essa paralisia social provocada pela quantidade exorbitante de informações de todo o tipo foi profetizada por Marshall McLuhan, em seu livro Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem (Understanding Media), de 1964. Em nosso cotidiano, estamos com as caixas de e-mail abarrotadas de informações invasoras. Raro é o dia em que o nosso celular não é tocado por uma conversa mercadológica não autorizada. É difícil não nos confrontarmos com as novas formas que a sociedade utiliza para se inteirar, integrar-se, persuadir, manipular, controlar, aprender, fazer-se ver e ser visto, conversar e fofocar. Isso porque, o tempo todo, as multidões estão opinando, capturando imagens em quantidade descomunal e as disponibilizando facilmente para audiências abrangentes.
No ambiente da sociedade industrial, a produção de informação verticalizada construiu na cabeça de escritores como George Orwell a ideia de um Big Brother (1984), observador e repressor de comportamentos que se diferenciavam na massa humana homogênea e obediente, metáfora de governos totalitários à esquerda e à direita. Em nossa sociedade está ocorrendo rapidamente a massificação da produção de informação, agora vertical, horizontal e transversal, vinda de todas as direções, e da vigilância, na forma de Big e de Small Brothers, esses pequenos irmãos contaminados pela ideologia da espetacularização de qualquer coisa, do assassinato da pequena formiguinha até a Luiza que está no Canadá. Pior, quando esses olhos estão munidos de bíblias do politicamente e do viver corretos.
Essa produção mediática da multidão, muitas vezes formatada sem preocupações técnicas, éticas e estéticas, com certeza não contribui para a consolidação de uma conversação democrática, que respeite a alteridade, dê tempo ao contraditório e à comunicação. Essa nova opinião pública é rápida em linchamentos simbólicos, em expressar preconceitos homofóbicos, xenofóbicos, racistas e antifemininos em blogs, ?redes sociais e mensagens rapidinhas, de 140 caracteres.
Em seu âmbito, os limites entre o público e o privado praticamente não existem. A casa e a rua, o silêncio e o barulho, o nu e o vestido estão nesse inferno embaralhados e prontos para o espetáculo do bullying das torcidas organizadas digitais. Nesse emaranhado de fibras óticas, as práticas de jornalismo cidadão e a convivência cidadã são manifestações exóticas. Exemplos não faltam para demonstrar que, na atualidade, a significação da informação – tradicionalmente ligada às experiências vivenciadas no cotidiano, tais como os momentos de comensalidade, conversação, de buscar consenso ou simplesmente conviver – foi substituída pelo consumo da informação.
Um consumo rápido em escala exorbitante, que não se transforma em sabedoria, fim em si mesmo, que nos leva a habitar uma bolha inconsequente do presente, separada do passado e do futuro. Diante disso, é estranho que ainda não surgiram movimentos políticos que lembrem os luddistas ingleses, do século XIX, com o objetivo de quebrar computadores, parar a internet, destruir hardwares e softwares produtores de informação e de uma sociedade global sem significado.
“Essa produção mediática da multidão, muitas vezes, formatada sem preocupações técnicas, éticas e estéticas, com certeza não contribui para a consolidação de uma conversação democrática (...). Esta nova opinião pública é rápida em linchamentos simbólicos, em expressar preconceitos (...) em blogs, redes sociais e mensagens rapidinhas, de 140 caracteres”
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A nova opinião pública e as redes digitais
por Sergio Amadeu
Existe uma nova esfera pública? Essa questão tem motivado inúmeras pesquisas e debates acalorados entre acadêmicos, pesquisadores e ativistas. O ponto central da polêmica está em saber se a internet alterou o ecossistema comunicacional a ponto de criar novas possibilidades para a opinião pública. A resposta não é simples, mas sua comprovação é empírica.
O pesquisador Yochai Benkler tem afirmado que em um cenário dominado pelos meios de comunicação de massas, a saber pelo rádio, jornais e televisão, o poder comunicacional dos indivíduos era bem menor do que no existente com a expansão da internet. Os indivíduos podem fazer mais por eles mesmos com a expansão da interatividade nas redes digitais. As pessoas podem desde buscar informações e obter serviços on-line até disputar com a grande imprensa a transformação de um relato em uma notícia capaz de atingir milhões de pessoas.
O sociólogo Manuel Castells denominou este fenômeno de autocomunicação de massas. Além disso, ações coletivas em rede, como a construção colaborativa da Wikipédia, somam-se a milhares de pequenas comunidades que desenvolvem programas de computadores livres, muitas vezes reunindo pessoas de mais de um continente. Tais expressões da inteligência coletiva seriam dificilmente realizadas sem a existência da comunicação em redes digitais distribuídas.
A chamada Primavera Árabe, a enorme onda de protestos democratizantes que varreram ditaduras no norte da África, em 2011, foi convocada por pessoas comuns nas redes sociais. Isso não quer dizer que as pessoas se convenceram pelo Facebook ou pelo Twitter que deveriam ir para as praças enfrentar a repressão. Mas significa que sem as redes sociais as pessoas comuns não poderiam falar de maneira tão ampla para tantos outros que pensavam como elas.
A internet inverteu o ecossistema comunicacional. O difícil não é falar. Agora, o grande problema é ser ouvido. Todavia, quando alguém fala algo que todos queriam ouvir, uma onda imediatamente se forma no oceano informacional e pode gerar ações concretas nas ruas, nos mercados, nas bolsas de valores. Exemplos não faltam. Do movimento Democracya Real Ya, na Espanha, ao Churrasco da Gente Diferenciada, no Brasil, passando pela pressão em rede contra o AI-5 Digital e pela intensa reprovação do comportamento sexista agressivo no BBB, obrigando a Rede Globo tomar providências imediatas requeridas pelo seu público.
As atividades de intermediação e controle da opinião foram e estão sendo profundamente afetadas nas redes informacionais. As grandes corporações e agências internacionais de comunicação mantêm um grande poder de disseminar sua versão dos fatos e até de conformar a pauta discutida nas redes de relacionamento social. Entretanto, esses grupos poderosos são incapazes de bloquear as ondas de comentários e a interação dos viventes nas redes cibernéticas.
Por isso, a poderosa indústria de copyright, as associações dos estúdios de Holywood e das gravadoras norte-americanas, apoiadas pelas empresas de Keith Rupert Murdoch, não conseguiram impedir o protesto, no dia 18 de janeiro de 2012, contra os projetos de lei de censura na internet Stop Online Piracy Act (SOPA) e Protect IP Act (PIPA). As empresas de broadcasting tiveram que cobrir o blackout dos sites da internet mesmo contra as propostas legislativas do seu máximo interesse, pois qualquer outra postura levaria a um desgaste muito maior do que o ?ocorrido. Além disso, se a News Corporation não realizassem a cobertura de imprensa da manifestação planetária do dia 18 de janeiro, isso não faria a menor diferença.
Sem dúvida, as redes informacionais em si não mudam a consciência dos seus usuários. Ela os aproxima e permite uma troca de opiniões em velocidade extrema, inexistente no cenário pré-internet. A rede é um articulador coletivo de diversas causas. Não podemos ter a ilusão que somente ideias democratizantes e ligadas à nobre causa da defesa ambiental é que geram adeptos.
Uma análise mais aprofundada das ações e do ativismo em rede permite observar que cada vez mais se formam redes de opinião distintas e muitas vezes opostas. Articulações em rede cada vez mais enfrentarão outras redes de expressão ou ação. Tal como a tecnologia, as redes de relacionamento são ambivalentes, podem ser de esquerda e de direita, internacionalista ou xenófoba, democratizantes ou autoritárias.
Por fim, também é preciso notar que a internet é uma rede de arquitetura distribuída. Por isso, sua natureza é mais propícia às ações democratizadoras, livres e favoráveis ao compartilhamento do que as posturas que visam simplesmente à dominação, ao controle autoritário e ao impedimento da troca de arquivos digitais. A nova opinião pública não terá uma única coloração ideológica, mas será formada de modo mais livre do que em um mundo dominado por poucas corporações de conteúdo comunicacional.
“A internet inverteu o ecossistema comunicacional. O difícil não é falar. Agora o grande problema é ser ouvido. Todavia, quando alguém fala algo que todos queriam ouvir, uma onda imediatamente se forma no oceano informacional e pode gerar ações ?concretas nas ruas, nos mercados, nas bolsas de valores”