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Cultura de vanguarda

Antônio Bivar integra o movimento dos dramaturgos do fim dos anos 60. É autor das peças Cordélia Brasil (1967), Abre a Janela e Deixa Entrar o Ar Puro e o Sol da Manhã (1968), pelas quais recebeu o prêmio Molière, As Raposas do Café (1990), em coautoria com Celso Luiz Paulini, entre outras. Em suas viagens para Londres e Nova York, familiariza-se com os movimentos de contracultura, as comunidades hippies e a música pop.

Escreveu O Que É Punk (Brasiliense, 1982), Bivar na Corte de Bloomsbury (A Girafa, 2005) e Jack Kerouac: o Rei dos Beatniks (Brasiliense, 2005). Bivar foi curador do evento O Fim do Mundo, Enfim…, que aconteceu no Sesc Pompeia, em março, em comemoração aos 30 anos do festival punk Começo do Fim do Mundo.

Em depoimento à Revista E, ele fala sobre o trabalho como dramaturgo nos anos 1960, o exílio em Londres e a proximidade com os movimentos contraculturais. “Quem fez acontecer [o punk] foi o Malcolm McLaren com os Sex Pistols e o jubileu da Rainha Elizabeth, aquilo teve uma repercussão internacional e todo mundo tomou conhecimento, porque antes era uma coisa underground”, afirma.  

Início da carreira

Em 1967, no Rio de Janeiro, eu escrevi uma peça, de brincadeira, Simone de Beauvoir Pare de Fumar, Siga o Exemplo de Gildinha Saraiva e Comece a Trabalhar. Saiu em todos os jornais a peça, por causa do título. Então, da noite para o dia, eu fiquei conhecido por causa de um título. As pessoas achavam que a peça era uma coisa revolucionária e não era nada, era uma pecinha muito engraçada.

Naquela época, eu já estava escrevendo Cordélia Brasil, que foi proibida pela censura. A Norma Bengell era a atriz da peça, que vinha de um sucesso do cinema europeu. A peça era considerada de uma amoralidade sem precedentes na dramaturgia brasileira e tinha 45 palavrões que eu nem tinha contado, mas a censura contou. Então o ministro pediu para tirar os palavrões. A peça, influenciada pelo teatro americano e inglês, seguia a linha do teatro pobre, com três personagens.

Essa peça é um casal absurdo, ele é um sonhador que quer virar um grande quadrinista e ela sustenta a casa, fazendo programas, inclusive. Tem um fim trágico. A trilha era bem pop, o que o pessoal achava uma alienação na época. Mas estava em consonância com o que estava sendo feito fora do Brasil. Aquela sacralização do teatro me incomodava, eu queria fazer um teatro para passar coisas fortes para o público, mas para divertir também, brincar.

Exílio

Eu sofria perseguição da censura, estava explodindo como autor em 1968, 1969. Ganhei o prêmio Molière em 68. A barra ficou pesada aqui, então fui para a Europa. Todo mundo estava saindo do Brasil, meu exílio foi voluntário, eu escolhi a Inglaterra porque lá estavam acontecendo coisas com as quais eu tinha mais afinidade. O pessoal da música estava lá, o Caetano, o Gil, do teatro a Leilah Assumpção, das artes plásticas o Antônio Peticov, do cinema o Rogério Sganzerla, o Júlio Bressane.

Toda essa turma com a qual eu me identificava mais estava em Londres. Eu, o Gil e o Caetano fazíamos muita coisa juntos em Londres. Havia tão poucos brasileiros na Inglaterra, que formamos uma espécie de comunidade interessada, ligada ao rock, à música pop, acompanhávamos as vanguardas que estavam acontecendo. Fiquei um ano participando da vida como eu sempre sonhei, eu estava com 30 anos, foi uma coisa meio beatnik, você aprendia na vida, na rua.

Antes de eu escolher teatro eu já tinha notícias do Kerouac, do William Burroughs, da cultura beat, via revistas. Já tinha interesse por essa cultura, primeiro o rock, quando eu tinha 15 anos, Bill Haley, os filmes do rock, o Sementes de Violência, o rock foi uma influência forte. Já gostava de Sartre. Comecei como autor teatral, mas sempre me identifiquei com várias outras coisas. Eu diria que aquele ano foi o mais feliz da minha vida depois da infância, pois eu tive uma infância muito feliz até os 14 anos, morando no campo, na roça. Eu nasci aqui em São Paulo, mas fui com dois anos para o interior. Cresci acostumado com cinema, livros, música.

Virginia Woolf

Sempre fui autodidata, esse meu autodidatismo me levou a Virginia Woolf. Uma vez eu dirigi um show da Maria Betânia, em 1973, depois fui convidado para dirigir o primeiro show solo da Rita Lee, também em 1973. Eu morava no Rio, nessa época, vim para São Paulo e fiquei em um apartamento alugado que tinha As Ondas, da Virginia Woolf.

Aí eu li e foi uma coisa fisgada que não parou mais até hoje. Li tudo o que saía dela e cada vez gostava mais. Inclusive do grupo Bloomsbury que foram os modernistas da Inglaterra, em 1910, desde o economista John Keynes até os pintores. Uma vez eu tava em Londres, em 1993, e fui conhecer a casa da Virginia Woolf, onde ela se matou, em um vilarejo no interior. E na casa da irmã dela, que era na mesma fazenda, tinha um grupo de estudos para acadêmicos, eu me intrometi e fui aceito. Voltei durante 12 anos para escrever o livro, fui até o centenário do grupo de Bloomsbury, em 2005, e me convidaram para fazer parte da sociedade Virginia Woolf, fui um dos cem primeiros.

Punk

Londres tem uma coisa muito forte em mim como escritor, aprendi muito lá, lendo, a imprensa local era ótima. Para mim não precisava de mais nada fora os jornais alternativos. Eu estava em Londres antes do punk explodir. Em Londres que explodiu, mas na verdade, antes, em Detroit, já tinha o MC5, o Iggy Pop, em Nova York tinha o Velvet Underground, que é considerado o avó do pop, o William Burroughs, os próprios beats são considerados uma ligação.

Mas quem fez acontecer foi o Malcolm McLaren com os Sex Pistols e o jubileu da Rainha Elizabeth, aquilo teve uma repercussão internacional e todo mundo tomou conhecimento, porque antes era uma coisa underground. O punk começou com uma loja de discos importados, depois teve a lojinha do Malcolm McLaren e a Vivienne Westwood. Eu vi as coisas acontecendo naquele bairro. É um pouco difícil fazer uma avaliação do punk hoje. Em 2001, fui a um festival punk no norte da Inglaterra, em uma cidade decadente. Até 2001, tinha skinheads e punks em um convívio maravilhoso.

Os punks são uma espécie de elite, não têm muitos. Aqui, em 2001 a gente fez o festival dos 25 anos do punk com 62 bandas, bandas ótimas. Descobri que no Hangar 110 tem o Esquema 110 com bandas punk novas e eu não acreditava na qualidade dessas bandas, na evolução, na fidelidade à raiz, mas brincando com outras coisas. O movimento punk marcou São Paulo. E o punk influenciou muito, nunca vi tanta gente tatuada, com piercing, o Neymar com moicano e, antes dele, o David Beckham.


“Toda essa turma com a qual eu me identificava mais estava em Londres. Eu, o Gil e o Caetano fazíamos muita coisa juntos. (...) Formamos uma espécie de comunidade interessada, ligada ao rock, à música pop, acompanhávamos as vanguardas que estavam acontecendo”

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