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Um outro olhar sobre São Paulo

Estanislau da Silva Salles







O senso comum teima em rascunhar hábitos e comportamentos sobre o jeito como cada um se relaciona com sua cidade. É reluzente o amor do carioca pelo Rio, transborda a paixão do baiano por cada ladeira de praia de Salvador e por aí vai. Aos paulistanos, entretanto, o senso comum não é tão simpático assim. A idéia corrente é a de que o último a sair apague a luz e feche a porta.

Mas, a olhos isentos e bem-intencionados é difícil rotular a forma de relacionamento do paulistano com sua cidade. Até porque, obviamente, os paulistanos são muitos, e as paulistanias infinitas. Existem inúmeras São Paulos sobrepostas que se desvelam conforme a paixão ou o desterro de cada um.

Estereótipos e preconceitos estão a serviço das mentes mais preguiçosas e mal-intencionadas para facilitar uma malfadada visão do mundo. E estereótipos e preconceitos generalizam demais. Transformam particularidade em totalidade. Assim, é mais simples reduzir toda a maravilhosa complexidade que glorifica São Paulo como uma metrópole única no mundo, a um punhado de três ou quatro coisas geralmente nada lisonjeiras.

Realmente existem aqueles que não suportam a cidade, talvez até mesmo porque não a percebem direito e preferem passar os feriados nas filas de pedágio, ou trancafiados em suas fortalezas neomedievais se correspondendo virtualmente com o mundo. Mas, certamente, também existem aqueles, e acredito, a maioria, que encontram muita motivação para aproveitar o que a cidade consegue oferecer ou, na pior das hipóteses, saber superar a adversidade e os problemas típicos de uma metrópole do terceiro mundo.

Se a questão é o lazer, a despeito de carências graves, vale a criatividade do paulistano, que consegue, a cada final de semana, transformar a cidade num grande belvedere. Áreas verdes como o Horto Florestal, o Parque Ecológico do Tietê, as represas de Guarapiranga ou Billings, ou ainda o tradicional Parque do Ibirapuera são tomados pela população. Os campos de várzea desapareceram, mas despontam aqui e acolá as quadras de futebol society. As ruas da periferia, nas tardes ensolaradas de domingo, ficam tomadas por crianças, adolescentes e adultos que se entregam ao bom papo esticados nas calçadas. O que dizer, então, das grandes festas como as italianas São Vito, Achiropita, São Genaro ou a Tanabata japonesa? São momentos aguardados ansiosamente para o encontro festivo de milhares de kawamuras, severinos e Giggios. Ou ainda o carnaval de rua em São Paulo (que estranhamente ocorre antes do Carnaval), com blocos festivos surgindo em cada canto da cidade, desde os mais pasteurizados e sincopados, até aqueles capazes de espelhar com magnitude toda a diversidade paulistana.

Uma caminhada descompromissada pelo centro revela uma população diferente daquela habitualmente mostrada nos clichês imagéticos da cidade: pais passeando com crianças, religiosos pregando, senhoras e senhores passeando com seus cachorros, gente paquerando em praça pública, jovens jogando futebol (ou qualquer coisa que se assemelhe a isso) entre os vãos dos prédios.

Se a questão é mobilização e interesse em participação, a cidade é o palco de grandes manifestações. Seja lá qual for a justificativa, é capaz de reunir 400 mil fiéis num ritual carismático ou mais de um milhão de pessoas formando uma única voz clamando por mudanças políticas. E se a referência é solidariedade, quem nunca ouviu falar dos mutirões realizados pelas populações mais pobres para construírem suas casas tijolo a tijolo a cada final de semana.

É claro que não pretendo mascarar os problemas da cidade sublinhando que as coisas não são tão ruins quanto normalmente se coloca. A idéia é justamente quebrar o ciclo vicioso de observações e rotulações parciais sobre São Paulo e o paulistano. E este texto talvez seja muito pequeno para isso. Afinal, para uma cidade tão grande, com tantas pessoas e realidades culturais, tudo o que se possa falar será sempre um pequeno recorte.

Estanislau da Silva Salles é gerente de programas socioeducativos do Sesc