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Tecnologia
Tecnocultura
O seminário A Compreensão e o Prazer da Arte discutiu as conseqüências da utilização da tecnologia na produção cultural
Considerados como a última fronteira do conhecimento, os avanços tecnológicos são o marco de uma revolução. O mundo tal como o conhecemos hoje não pode mais prescindir do turbilhão de números, dados e informações proporcionados pela informática e adjacentes.
Em alguns ramos de atividade, essa interferência passa despercebida, já está plenamente incorporada ao cotidiano. No entanto, isso não acontece com a produção e o consumo cultural. Nesse segmento, a tecnologia é bem entendida apenas como instrumento mediador da obra artística com o público. Em contrapartida, não se costuma analisar qual a postura assumida pelo indivíduo diante de uma manifestação cultural mediada, produzida ou co-realizada por meio de um aparato tecnológico, que pode ser um computador, um videocassete ou um aspirador de pó.
Foi para debater esse novo padrão artístico que o Sesc Vila Mariana organizou o seminário A Compreensão e o Prazer da Arte, Além da Tecnologia. Em quatro módulos, foram apresentadas e discutidas as relações da música, da leitura visual de imagem digitalizada, da imagem móvel e do design com instrumentos de tecnologia. Para isso, foram convidados artistas, pesquisadores e estudiosos que se dividiram nos papéis do fazedor (apresentação artística), do leitor (análise estética e funcional das obras) e do contextualizador (contexto de aprendizagem e experiência). Organizado dessa forma, o simpósio teve o intuito de reforçar a consciência crítica do indivíduo diante da obra. Escreveu Ana Mae Barbosa, na apresentação do projeto: "A tecnologia não apenas transformou as práticas cotidianas, mas também os modos de produção intelectual e afetou, fundamental e positivamente, os limites entre Compreensão e Certeza". E, mais adiante: "Com a atenção que a Educação vem dando às novas tecnologias na sala de aula, torna-se necessário não só aprender a ensiná-las, inserindo-as na produção cultural dos alunos, mas também educar para a recepção, o entendimento e a construção de valores das artes ‘tecnologizadas’ formando um público consciente".
Novas linguagens
No primeiro módulo do projeto foram discutidas as relações entre tecnologia e música. O compositor norte-americano Neil Rolnick, participante do seminário, sintetizou o que viria a ser debatido: "Virtualmente, toda música gravada se tornou digital em algum momento do processo de gravação". Ou seja, em todas as etapas de um empreendimento musical está presente o elemento tecnológico: na composição, na performance, na gravação e na distribuição, o computador é instrumento fundamental.
Os participantes analisaram também a produção contemporânea, intimamente ligada às novas tecnologias. Essa expressão ainda causa muita relutância por parte do público. Nas rotulações mais habituais, a música contemporânea é tida como elitista, destinada a um círculo seleto de ouvintes. Na verdade, a dissolução da melodia, característica desse estilo, demanda muita dedicação para interpretar os sonidos. Muitas vezes, o experimentalismo é tão ousado, que o ouvinte desacostumado não acredita que aquele "barulho" é, de fato, música. Esclarecer essa questão foi o objetivo da exposição do compositor Silvio Ferraz. Durante o simpósio, o professor e coordenador do Centro de Linguagem Musical do Programa de Semiótica da PUC/SP, demonstrou a possibilidade de uma música livre, desprendida de conceitos herméticos. "Uma experiência que nos conduza para fora dos limites da cultura", escreveu.
No segundo módulo, foi averiguada a integração entre artes visuais e tecnologia.
Por meio das palestras, conclui-se que a tecnocultura desempenha um importante papel de vanguarda. Cada vez mais, as pesquisas em torno da interação entre homem e máquina evoluem. Em uma análise extremada, alguns artistas, como o performer australiano Sterlac, pregam a superação do corpo. O artista possui um braço robotizado conectado ao seu próprio braço que recebe estímulos próprios e externos. Tais estímulos podem provocar reações involuntárias nos músculos do australiano. Exagero? Pode ser. Mas o que se pretende é mostrar como a tecnologia está incorporada na essência do homem, transformando-nos em seres naturais e artificiais ao mesmo tempo. "A tecnologia é inseparável da cultura, que por sua vez, é inseparável do ser biológico." Dessa maneira, a artista performática Rosangella Leote justifica o conceito de Sterlac, de um "novo estatuto do corpo". Ela prossegue: "A relação entre o homem e a máquina é cada vez mais natural e harmônica. A tecnologia abre várias possibilidades de produção cultural. Outro aspecto importante é o conceito de co-criação entre o artista e o computador. Nessa relação, a máquina tem uma parcela de responsabilidade na criação da obra."
Os terceiro e quarto módulos trataram da arte e a tecnologia da imagem móvel e do computador intensificando a relação da arte e do design. Nesse aspecto, a televisão cumpre um papel fundamental, como atestou a pesquisa realizada pela professora Analice Dutra Pillar. O trabalho mostrou a crianças de três a seis anos, quadros consagrados e lhes pediu para comentá-los. Os resultados associaram elementos das imagens artísticas com o conhecimento prévio adquirido do hábito de assistir TV. Por exemplo: da obra "O Casal Arnolfini" (1434), do pintor flamengo Jan Van Eyck, uma das crianças entrevistadas comentou: "Parece a Bela e a Fera quando se casaram." De acordo com a pesquisa, "foi possível construir subsídios para os professores desempenharem um papel criativo em sua prática pedagógica com o uso de imagens", comenta Analice.
Inserido no processo tecnológico irreversível, está o observador, receptor do produto tecnocultural. Em qualquer caso, é imperioso forjar uma atitude crítica no público. E o discernimento necessário só nasce por meio da educação. Diante desse quadro, a escola e os institutos culturais devem estar prontos para preparar o cidadão para responder criticamente aos estímulos tecnológicos e culturais. Só assim, ele estará pronto para enfrentar um futuro, no mínimo, desafiador.