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Corpo em diálogo

O coreógrafo Ismael Ivo transita entre culturas desde que saiu do Brasil, na década de 1970, para seguir carreira internacional a convite de Alvin Ailey para estudar em Nova York. É diretor da Bienal de Dança de Veneza e está à frente do ImPulsTanz, em Viena, um dos principais festivais de dança contemporânea do mundo.

Em junho, esteve no Brasil para a apresentação do espetáculo Babilônia – O Terceiro Paraíso, fruto do projeto Arsenale Della Danza em parceria com o ImPulsTanz e o Sesc São Paulo. A coreografia aborda questões como o multiculturalismo e a possibilidade de criação de uma sociedade por meio do confronto com as diferenças – expostas no palco com a presença de bailarinos de diversas nacionalidades.

Em depoimento à Revista E, o coreógrafo reafirma sua intensa ligação com as raízes brasileiras. “Nossa capacidade de invenção é inerente ao nosso sangue. Somos filhos do Realismo Mágico”, diz. Há trinta anos vivendo no exterior, mantém uma postura crítica frente aos problemas enfrentados pelos europeus. “Todas as raízes dos problemas sociais surgem pela falta de compreensão das diferenças, sejam elas étnicas ou regionais.” A seguir, os melhores trechos.


A linguagem dos trópicos


Acredito que os países da América Latina serão futuros celeiros da renovação da linguagem do corpo. Depois de toda a revolução da dança moderna de Marta Graham, do experimentalismo de Merce Cunningham, do minimalismo, da dança-teatro de Pina Bausch, a grande virada ocorrerá com a energia e a paixão vinda de povos como o brasileiro.

Com toda a experiência internacional que tenho, olho para mim e digo: para todo o sempre Macunaíma! Brasileiro não fica de braços cruzados, ele parte para a ação. Bailarinos do Brasil possuem o corpo mais criativo do mundo. Nossa capacidade de invenção é inerente ao nosso sangue. Somos filhos do Realismo Mágico.

Para os europeus, lidar com assuntos como o misticismo e a intuição é praticamente impossível. E nossa realidade é multifacetada. O Brasil é um caldeirão cultural com a feliz mistura de etnias e influências. Temos o pé na criatividade. Dê um tema para um bailarino brasileiro e veja como ele exercita o corpo! Temos a herança da antropofagia.

Não existe uma estética específica da dança brasileira, mas há estímulos no nosso corpo que não vejo em bailarinos de outras nacionalidades. Por mais técnica que tenham, falta a eles o parâmetro de uma cultura plural na qual o brasileiro está inserido.


O encontro com o público


A dificuldade de encontrar um público cativo para a dança contemporânea ocorre porque a dança torna-se, muitas vezes, abstrata demais. Quando há a preocupação de copiarem estéticas preconcebidas, formam-se guetos, e o espetáculo perde sua autenticidade.

A dança contemporânea precisa extrair experiências de cunho social para que haja correspondência com o público. E esse mesmo público está se renovando. Vivemos na velocidade da comunicação por meio da internet. A dança contemporânea não só exercita uma linguagem estética, mas permite indagar quais tipos de vozes operam e quais transformações ocorrem no mundo.


Torre de Babel


O espetáculo Babilônia – O Terceiro Paraíso é fruto da colaboração da Bienal de Veneza com o Sesc São Paulo com o intuito de dar oportunidade a jovens bailarinos de criar uma identidade artística. Babilônia está relacionada com o mito bíblico da Torre de Babel, em que há a confusão de línguas.

Para nós, esse tema é muito caro, pois os bailarinos vieram de várias partes do mundo. A proposta era que, justamente na confusão dos corpos e das identidades, fosse possível criar uma maneira de se comunicar. Por meio do diálogo, do confronto, surgisse uma outra sociedade. Veja o que ocorre na Europa: todas as raízes dos problemas sociais surgem pela falta de compreensão das diferenças, sejam elas étnicas ou regionais. E Babilônia vem discutir esses temas e tenta traçar um novo caminho para a trajetória do corpo físico e social.



“A dança contemporânea não só exercita uma linguagem estética, mas permite indagar quais tipos de vozes operam e quais transformações ocorrem no mundo”