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A Natureza da Arte

O namoro entre arte e natureza acompanha a história da civilização, desde tempos imemoriais seduzida pela paisagem que passou a observar. Essa relação já tomou muitas formas, da representação fiel à abordagem política do meio ambiente, mas o fato é que esses laços acompanharam os desafios da existência no planeta até hoje.

Com o intuito de despertar os paulistanos para as principais questões socioambientais em debate pelo mundo atualmente, a mostra Meu Meio, uma realização conjunta do projeto Marco Universal e do Sesc São Paulo, será aberta ao público em outubro no Sesc Interlagos. Para o curador da mostra, Marcello Dantas, não se trata de fazer “arte ecológica”.

“A gente quer fazer arte que gere vínculos com essas coisas essenciais, mas não com uma causa.” O curador argumenta ainda que, quando a arte se coloca a serviço de uma bandeira, ela fica menor. “A grande essência da arte é a vida, não uma causa, um posicionamento específico”, diz. Sendo assim, seu papel junto à natureza hoje seria o de questionar os problemas existentes com nossas atuais paisagens. “E não tem que ter mensagem”, afirma Dantas.

“A melhor coisa em que a arte pode nos ajudar é a fazer perguntas, a pensar diferente.” A coordenadora geral do projeto Marco Universal, Marta Porto, atual Secretária de Cidadania Cultural, do Ministério da Cultura, acrescenta que a experiência estética como provocadora de emoção faz com que as pessoas se encontrem com o seu sentimento. “E, a partir dessa emoção, desse choque, há um deslocamento da naturalidade com a qual se pensa em algumas questões”, diz.

A exposição contará com três ambientações compostas por trabalhos em vídeo e instalações. A primeira, Sala Equilíbrio, é uma instalação receptiva com cinco plataformas móveis que demandarão, literalmente, equilíbrio dos visitantes. Na Sala Sistemas, as temáticas florestas, corpo, água e cidades foram trabalhadas por diversos artistas visuais na forma de vídeos.

“São quatro ambientes dentro de um”, comenta Dantas. Segundo ele, o desafio lançado aos artistas foi o de criar uma percepção artística para cada um dos quatro sistemas abordados. “Minha resposta veio totalmente de dentro”, diz Ângelo Venosa, autor do vídeo Ghaabah, sobre o tema florestas. O trabalho foi construído da captação de uma sequência de imagens, de um mesmo plano, da Floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro, das 7h30 às 17h40.

Para Carlos Nader, que tratou do tema corpo, a saída foi equacionar o natural e o sintético no vídeo Paraíso Artificial. “Acho no mínimo interessante que nessa época em que a gente vive haja, quase na mesma proporção, um elemento tão grande de tecnologia e virtualidade crescendo e de natureza sendo destruída”, explica.

Paralelamente à exposição, uma série de atividades educativas fará parte da abordagem dos assuntos. Meu Meio conta com o patrocínio da Petrobras, da Vale e da Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o desenvolvimento (Aecid). Acompanhe, nas próximas páginas, detalhes de trabalhos que estarão na mostra multimídia.


Livre para criar

Breve histórico da relação entre arte e natureza como suporte para experimentações

A história da paisagem nas artes do Ocidente está ligada ao próprio afastamento do homem da natureza. Mas não se trata do distanciamento do qual o ser humano vem sendo acusado e que resulta em aquecimento global ou o temido fim dos recursos naturais.

Na verdade, a paisagem passou a ser objeto de representação do artista quando este se viu fora dela, como sujeito, podendo assim tornar-se espectador da profusão de cores e formas que o rodeava. Segundo o artista plástico e professor de gravura e de desenho da paisagem no Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), Marco Buti, marco importante dessa trajetória são os pintores renascentistas da região de Flandres, ao norte da Bélgica, no século 16.

Lugar e época em que a natureza deixa de ser apenas cenário para “tramas” religiosas e/ou mitológicas e passa, pouco a pouco, a se tornar elemento principal das telas. “Na Idade Média, o que era interessante para o ser humano era a vida após a morte”, conta o professor. “Não a vida aqui e agora. Isso não contribuía para que houvesse uma apreciação da paisagem.”

Após esse momento inicial, a paisagem se afirma, a partir do século 17, na Holanda, como elemento autônomo de representação na produção pictórica europeia. Porém, a natureza só se vê alçada a tema de primeira grandeza nas artes com o passar das décadas do século 19. Fase que culmina com a paisagem se tornando “o principal vetor da pintura da época”, diz o professor da ECA. “Com artistas muito conhecidos, como William Turner [1775-1851] e os impressionistas.”

Ao longo dos anos de 1900, a paisagem deixa de ser tão cara aos artistas. A própria arte, na verdade, vê-se em meio a transformações e desdobramentos que vão colocando em xeque não só temáticas, mas também suportes e poéticas. “As questões são outras”, explica Buti. “Você começa a tentar organizar o espaço de uma maneira não baseada na perspectiva, por exemplo.”

É dessa mesma fissura que surgem outros movimentos, como o da chamada land art – arte da terra, em tradução livre do inglês. São obras que abandonaram ateliês, galerias e museus, nos anos de 1960, para ganhar o espaço natural: a montanha, o mar, o deserto, o campo, e até a cidade. Um dos exemplos mais radicais desse casamento de arte e natureza é Roden Crater, do artista norte-americano James Turrell.

A obra é um vulcão extinto, no estado do Arizona, comprado pelo artista, e cuja superfície foi remodelada, com a ajuda de cientistas, pesadas máquinas motoniveladoras e 30 anos de trabalho, para se tornar uma espécie de planetário natural. O objetivo é que uma pessoa, deitada no centro da cratera, tenha uma experiência do céu como uma abóboda de um azul unicamente intenso.

Com o avanço das experimentações, muito mais importante do que estar representada formalmente na arte, a natureza foi sendo incorporada a outros debates. “Autores mais recentes levantam a suspeita de que hoje em dia você não consegue mais ter um ponto de vista externo para admirar a paisagem justamente pelo envolvimento que nós temos, pela consciência crescente com as questões da ecologia e da ameaça ao meio ambiente”, informa o professor. “De alguma maneira, todo mundo faz parte disso e é difícil ter a paisagem como possibilidade de contemplação.”