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Celso Furtado, sempre atual

Obra comemorativa revive trabalho pioneiro de um de nossos maiores economistas

HERBERT CARVALHO

Entre os livros seminais que resistem ao passar dos anos na tarefa de explicar nosso país a partir de uma perspectiva histórica, Formação Econômica do Brasil, de Celso Furtado (1920-2004), diferencia-se das obras de Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior e Raymundo Faoro por sua original combinação de investigação histórica com análise econômica, somada a uma característica peculiar do autor: mais do que entender a realidade que buscava retratar, sua intenção era transformá-la, por meio da ação política e social.

Publicado pela primeira vez em 1959, traduzido em nove línguas (incluindo romeno, chinês e japonês) e reeditado dezenas de vezes sem nenhuma modificação, o texto deste paraibano que iniciou a vida intelectual como bacharel em direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1944), antes de doutorar-se em economia pela Sorbonne de Paris (1948), rapidamente se transformou em um dos pilares – o outro seriam os escritos do economista argentino Raúl Prebisch – da escola estruturalista que se desenvolveria a partir da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), criada pelas Nações Unidas em 1948. Do estruturalismo surgiu o modelo da substituição de importações, adotado como política para a industrialização da região.

Mais conhecido e conceituado economista brasileiro em todo o mundo, não tanto pelos cargos que ocupou no Brasil – onde sua vida pública seria drasticamente interrompida pelo golpe militar de 1964 – e no exterior, mas principalmente pelo interesse despertado por seus trabalhos científicos e técnicos relacionados com o planejamento e o desenvolvimento econômico, Celso Furtado está sendo homenageado, no ano do cinquentenário da publicação de Formação Econômica do Brasil, pela edição de um outro livro, este de caráter comemorativo.

A iniciativa coube à Ordem dos Economistas do Brasil (OEB), que após o êxito da coletânea Ensaios de História do Pensamento Econômico no Brasil Contemporâneo, publicada pela Editora Atlas, decidiu lançar, pela mesma editora, um conjunto de 16 textos encabeçados por um prefácio do sociólogo e ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso, sobre a vida e a principal obra de Furtado. Escritos por economistas brasileiros – como o ex-ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira – e professores estrangeiros, como o francês Alain Alcouffe, da Universidade de Toulouse, e o argentino Aldo Ferrer, da Universidade de Buenos Aires, os capítulos da obra se agrupam em três partes temáticas. A primeira, “Fontes e Antecedentes”, procura identificar as matrizes de pensamento que influenciaram este escritor que ocupou a cadeira número 11 da Academia Brasileira de Letras. A segunda, “História Econômica”, busca interpretar os temas recorrentes em Formação Econômica, como o desenvolvimento desigual do Brasil em decorrência dos ciclos econômicos mais voltados para a exportação do que para o mercado interno. E na terceira, “Desdobramentos”, o foco recai sobre as políticas para o desenvolvimento regional e sobre as possibilidades atuais de desenvolvimento, no mundo globalizado, dos países situados na periferia do capitalismo.

O resultado, intitulado Celso Furtado e a Formação Econômica do Brasil – Edição Comemorativa dos 50 Anos de Publicação (1959-2009), além de não deixar sequer um ângulo da obra original sem ser esquadrinhado, como afirma Fernando Henrique logo no início do prefácio, está contido em um belo volume de capa dura com 260 páginas, ilustrado por João Câmara Filho. Natural da Paraíba como Furtado, esse artista plástico, consagrado desde os anos 1960 por trabalhos de cunho histórico, elaborou especialmente para a ocasião um painel tríptico, Tributo a Celso Furtado, que tem ao centro uma adaptação do quadro dedicado por Tarsila do Amaral aos operários paulistanos. À esquerda estão as figuras que simbolizam os ciclos econômicos agrícolas e extrativistas e à direita aquelas que representam a industrialização, como a caldeira, o tear e a bigorna.

Organizada por Francisco da Silva Coelho, presidente da OEB, e por Rui Guilherme Granziera, doutor em ciências pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – autor de um dos ensaios, “Os Estados Unidos na Formação Econômica do Brasil” –, a obra é dedicada à memória do professor Tamás Szmrecsányi. Também doutor pela Unicamp e fundador da Associação Brasileira de Pesquisadores em História Econômica, com trabalhos sobre a obra de Celso Furtado publicados no Brasil e no exterior, Szmrecsányi faleceu no início deste ano, sem poder concluir o capítulo que estava preparando para a edição comemorativa. Por essa razão, os organizadores incluíram no livro o texto “As Raízes, a Estrutura e o Conteúdo da Formação Econômica do Brasil”, versão em papel de uma palestra proferida por ele em 2008, no Centro Celso Furtado do Rio de Janeiro.

No primeiro capítulo, sob o título “Celso Furtado: Brasileiro, Servidor Público e Economista”, o consultor da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Paulo (Fapesp) e professor da Unicamp Wilson Cano traça inicialmente um perfil biográfico do homenageado, destacando seu papel na criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e do Ministério do Planejamento, dois órgãos dos quais teve a primazia de ser titular. Cassado e exilado após o golpe, retornaria à vida pública nacional no governo Sarney, primeiro como embaixador do Brasil na Comunidade Econômica Europeia (1985-86) e depois como ministro da Cultura (1986-88). Sobre o conjunto de sua obra, Cano avalia que ele foi “um dos primeiros construtores da Teoria do Desenvolvimento Econômico” e um “precursor” da compreensão de que o processo de industrialização engendra uma transformação geral na sociedade, que vai além dos aspectos produtivos e técnicos, atingindo também as esferas política, cultural e social. “Celso Furtado nos ensinou, de forma inequívoca, que o subdesenvolvimento não constitui uma ‘etapa’ e sim um processo originado pela penetração capitalista em áreas atrasadas e pré-capitalistas”, escreve Cano.

Nos três capítulos seguintes, Alcouffe, Szmrecsányi e Bresser-Pereira tratam, respectivamente, das influências que exerceram sobre Furtado os economistas franceses, os escritores brasileiros Roberto Simonsen e Caio Prado Júnior e os grandes teóricos e críticos do capitalismo liberal, Karl Marx e John Maynard Keynes. Analisando esses capítulos no prefácio, Fernando Henrique não acredita que o “historicismo” ou o estruturalismo de Furtado tenham origem no autor de O Capital. “Ele sofreu, é certo, além do impacto da bibliografia francesa e das elucubrações cepalinas, o impacto de Keynes, que fora grande também em Prebisch, mas se houve influência de Marx ela foi posterior às suas obras fundamentais sobre a formação da economia brasileira”, considera o ex-presidente, que conviveu com Furtado quando ambos eram exilados políticos no Chile.

No capítulo que fecha o livro, o professor Aldo Ferrer, ex-ministro da Economia e de Finanças da Argentina, avalia que a crise financeira global “não transformou a distribuição do poder no sistema mundial”, e que por isso, “como ensinaram Prebisch e Furtado, os requisitos do desenvolvimento dos países da periferia seguem sendo incompatíveis com o pensamento hegemônico dos países centrais”.

Internamente em nosso país, onde Formação Econômica do Brasil continua lido e adotado nas universidades, que a partir dessa obra criaram uma disciplina homônima presente nos cursos de economia e de ciências sociais, Celso Furtado mantém uma atualidade ressaltada pelo empresário Abram Szajman, presidente da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio), em texto estampado na contracapa do livro comemorativo: “Para ele, tão importante quanto desenvolver o Brasil era evitar ‘que os benefícios desse desenvolvimento se concentrem nas mãos de poucos’. Uma questão crucial para um país ainda tão desigual”.

 

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