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Um gigante na rota dos alimentos

Entreposto de São Paulo é a maior central atacadista da América Latina

HENRIQUE OSTRONOFF


Vista aérea da unidade da Ceagesp na capital
Foto: Divulgação

Inúmeros temperos, como endro, alfavaca, variedades de manjericão, alecrim e orégano frescos. Frutas brasileiras como graviola, cajá, sapoti e seriguela, ou exóticas, como pera asiática, figo-da-índia, cerejas chilenas, mirtilo e nêspera. De melões, a variedade é enorme, assim como de cítricos, em especial laranjas e mexericas. Espécies em tamanhos reduzidos, próprias para conservas, como berinjelas, alcachofras, pepinos e diversas pimentas. Vegetais típicos japoneses, como nirá (cebolinha), gobô (raiz de bardana), broto de bambu, horenso (espinafre), komatsuna (mostarda) broto de bambu e kabu (pequenos nabos), ou raros, como a cambuquira (broto de abóbora). Produtos comuns de tamanhos e formatos variados – tomates cereja, pera, italiano, caqui e importados da França e Holanda; alfaces lisa, crespa, americana, romana, roxa e mimosa; abóboras japonesa, paulista e moranga. Veem-se ainda verduras lavadas, embaladas e cortadas e muitos hortifrutícolas orgânicos. E uma enorme variedade de tubérculos, como cará, inhame, rabanete, mandioca, mandioquinha e muitas espécies de batata.

Há pescados, com grande oferta de peixes marítimos e de água doce – das pequenas manjubas a enormes dourados; de espécies comuns e baratas como pescada e sardinha aos sofisticados linguado e atum, além de mexilhões, camarões, lagostas, ostras e polvos. Carnes bovina, suína e de aves também são oferecidas. Algumas poucas barracas vendem produtos industrializados, como artigos japoneses – tofu, temperos, arroz –, queijos, embutidos, pães, vinhos, suco de uva e ervas secas para temperos e chás, além de grãos a granel – feijões, fava, soja e outros. Uma pequena banca é especializada em cogumelos e os oferece em grande variedade de cores, formas e tamanhos. Flores, como rosas, lírios, do campo, begônias, gérberas e orquídeas fazem parte de uma grande exposição ao consumidor que inclui plantas decorativas, mudas de árvores frutíferas, arbustos de temperos e vasos dos mais diversos tipos.

Essa é apenas uma amostra básica dos produtos que são oferecidos nos chamados “varejões” da Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp). Só a lista da empresa que traz os itens mais comuns e as melhores épocas para as compras apresenta quase 170 tipos de frutas, legumes e verduras.

Os varejões acontecem duas vezes por semana – aos sábados e domingos –, no período da manhã, no Entreposto Terminal São Paulo (ETSP), a principal unidade da Ceagesp, localizada no bairro de Vila Leopoldina, na zona oeste da capital. São por dia, em média, 250 barracas no Mercado Livre do Produtor (MLP), um pavilhão coberto com quase meio quilômetro de comprimento por mais de 50 metros de largura. Dois setores dominam quase todo o espaço – de um lado, as frutas e, de outro, as verduras e legumes. Depois vêm as flores e plantas e, em áreas bem menores, as bancas dos outros produtos. Uma edição noturna menos exuberante é montada às quartas-feiras ao ar livre e reúne 76 barracas. E, às sextas-feiras pela manhã, um outro tipo de comércio, frequentado também por consumidores finais, se estabelece – a feira de flores, considerada a maior do país, com 1,1 mil produtores, além de 300 comerciantes de acessórios, que vendem no atacado e no varejo.

Nos varejões diurnos, as barracas começam a ser montadas a partir da madrugada. Joaquim Paulo, dono de uma pequena banca especializada em bananas, conta que chega à Ceagesp por volta das 3 e meia da manhã para montar seu tabuleiro. “A essa hora já há barracas prontas e gente comprando”, diz Paulo, que vende cerca de 4 toneladas da fruta por semana nos três dias de varejão.

O ambiente barulhento e agitado dos varejões lembra o das feiras livres de qualquer cidade brasileira. A multidão de compradores percorre com avidez os corredores – às vezes estreitos – entre as barracas e provoca lentidão e congestionamentos com suas sacolas e carrinhos de feira abarrotados. Os vendedores disputam a freguesia, principalmente os de frutas, que oferecem pedaços dos produtos como demonstração de sua qualidade – o que nem sempre vem a se confirmar quando o consumidor chega em casa e prova o que comprou.

Há, porém, uma diferença entre o varejão e as feiras livres: os preços são controlados. Nílson Melo de Jesus, gerente de uma banca com 30 tipos de frutas, entre nacionais e importadas, mostra a tabela que a própria Ceagesp distribui para os comerciantes. Nela estão os preços máximos de parte dos produtos oferecidos. Como há possibilidade de multa, ele acredita que os comerciantes do pavilhão não cobrem acima do teto estabelecido.

Mesmo considerando o valor do aluguel que os proprietários das barracas desembolsam pelo espaço, participar do varejão vale a pena. A banca gerenciada por Nílson, que faz parte de uma rede de 30, sete das quais no ETSP e as outras montadas em feiras livres da cidade, paga por volta de R$ 500 por dia. Mas ele garante: “Aqui se vende mais”.

Os varejões da Ceagesp visitados pelos moradores da cidade para as compras do dia a dia, porém, são apenas a face mais visível da empresa. O consumidor final não imagina que boa parte dos produtos hortícolas adquiridos em outras feiras, mercados e supermercados, assim como dos ingredientes dos pedidos feitos em restaurantes e lanchonetes, provém de armazéns da Ceagesp.

Números grandiosos

O Entreposto Terminal São Paulo ocupa 700 mil metros quadrados, área correspondente a 70 quarteirões de uma cidade ou a 100 campos de futebol. Todos os dias recebe 10 mil toneladas de frutas, verduras, legumes, pescados e flores. Produtores de 1,5 mil municípios de 25 estados brasileiros e de 18 países já transacionaram na central de abastecimento.

Em 2008, o entreposto da capital, responsável por 81,5% do volume total da Ceagesp, comercializou 3,1 milhões de toneladas de produtos, um aumento de 2,7% sobre o ano anterior, e estabeleceu um novo recorde, superando a marca que já durava duas décadas. Neste ano, até junho, foram transacionadas por meio da central 115,2 mil toneladas de verduras, 408,1 mil toneladas de legumes, 871,3 mil toneladas de frutas, 22,4 mil toneladas de pescados e 22,7 mil toneladas de flores. Esses volumes indicam uma provável superação dos índices do ano passado.

No total, foram movimentados R$ 3,9 bilhões em 2008 no ETSP. O estado de São Paulo teve a maior participação nas transações, com R$ 1,8 bilhão (47%). Em seguida, aparecem Minas Gerais, com R$ 316 milhões (8,1%), e Bahia, com R$ 221 milhões (5,7%). Os produtos brasileiros representaram 89,7%, seguidos pelos provenientes da Argentina, que participam com 3,5%, e Chile, com 0,5%. Apesar de inexpressivas em termos de volume, importações são feitas da China, da Turquia, da Índia e da Nova Zelândia, entre outros países.

O ETSP é a unidade principal da Ceagesp, que conta ainda com outros 12 entrepostos atacadistas localizados no interior de São Paulo. O de Ribeirão Preto aparece na segunda colocação, com 221,5 mil toneladas comercializadas anualmente, o que representa 5,7% do total da central, seguido de São José do Rio Preto, com 86,7 mil toneladas, Sorocaba, com 81,5 mil toneladas, e São José dos Campos, com 77,3 mil toneladas. Atualmente, apenas Sorocaba mantém um varejão semelhante ao da capital.

A Ceagesp é tida como a maior central de abastecimento atacadista da América Latina e uma das três mais importantes do mundo. Rivaliza com o Rungis Market, o principal mercado francês, que ocupa uma área de 1 milhão de metros quadrados nos arredores de Paris, e com o Hunts Point, no Bronx, em Nova York, com 1,33 milhão de metros quadrados. A central brasileira é responsável por cerca de 60% das mercadorias alimentícias consumidas no estado de São Paulo, uma vez que abriga atacadistas e mantém instalações de armazenagem de grãos e outros produtos agrícolas e industrializados.

Em suas unidades estão 7.899 boxes, ocupados por 4.077 permissionários. E é da locação dos armazéns que a Ceagesp obtém o grosso de sua receita. Cada permissionário paga entre R$ 5,67 e R$ 50 ao mês por metro quadrado utilizado, dependendo do tipo de uso, localização e tamanho, sem contar o valor do rateio das contas de luz, água e IPTU, além de limpeza, fiscalização, segurança e administração geral, serviços que são geridos diretamente pela Ceagesp ou terceirizados pela empresa. Para ter um boxe na central de abastecimento é preciso participar de um processo de licitação ou obter a transferência de alguém que já detenha o direito de uso.

Conseguir um boxe para comercialização, porém, não é das tarefas mais fáceis, uma vez que se estabelecer no entreposto é uma oportunidade para fazer negócios em grande escala. Osvaldo Koga está há 27 anos no entreposto paulistano, e sua família atua na Ceagesp desde 1969. Ele comercializa legumes, que produz com a ajuda de 200 empregados no município de Santa Juliana, no Triângulo Mineiro, a cerca de 600 quilômetros de São Paulo, o que corresponde a mais ou menos dez horas de viagem de caminhão. Com uma rotina diária de trabalho das 6 às 20 horas, Koga vende 50 toneladas de cenoura por dia, mais 20 toneladas de outros legumes. José Sanches, que está no ETSP desde 1962, comercializa 250 toneladas de abóbora por mês. Em um dos maiores boxes da Ceagesp, Mario Benassi está na central desde sua criação, com o nome de Centro Estadual de Abastecimento (Ceasa). Em seu amplo escritório com ar condicionado, ele afirma ter mais de mil funcionários registrados. Em julho deste ano vendeu 10 mil toneladas de legumes e frutas, dos quais oferece 280 tipos. Entre seus compradores está a rede de supermercados Pão de Açúcar. No outro extremo, Valdemar Makoto Aoki ocupa um dos menores armazéns e é especializado em frutos raros, como sapoti, macadâmia e noni, espécie asiática da moda que alguns consideram ter propriedades contra o câncer. Do conjunto dos 30 itens que oferece, vende cerca de 25 mil caixas por mês.

Um dado curioso sobre a Ceagesp é que, durante toda a sua trajetória, a presença de descendentes de japoneses, etnia reconhecidamente dedicada à agricultura no Brasil, e especialmente em São Paulo, foi bastante forte. De acordo com o site do projeto Japão 100, comemorativo do centenário da imigração nipônica no país, em 2008 cerca de 30% dos permissionários da empresa eram de origem japonesa. Na época da inauguração da central esse índice era ainda mais expressivo: 80%.

Silos e graneleiros

Na área de armazenagem, a Ceagesp conta com 19 unidades, com capacidade para estocar mais de 1,2 milhão de toneladas de produtos agrícolas em silos e graneleiros ou em armazéns. Entre as principais mercadorias estão milho, soja, trigo e açúcar.

O ETSP teve início no começo dos anos 1960, quando já se discutia a necessidade de uma central de abastecimento para a cidade de São Paulo, devido ao acelerado crescimento urbano. Em 1966, o Mercado Municipal, localizado no centro da capital e para onde convergiu o comércio de hortaliças da cidade desde 1933, foi atingido por uma enchente. O incidente provocou a mudança precipitada para o terreno da Vila Leopoldina, próximo ao rio Pinheiros. As obras do que viria a ser o Ceasa ainda estavam em andamento, mas o governador do estado, Adhemar de Barros, determinou a transferência. A feira de flores que funcionava na Praça Charles Miller, em frente ao Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, o Pacaembu, também foi para o novo local, na mesma época.

Em 1969, com a fusão do Ceasa com a Companhia de Armazéns Gerais do Estado de São Paulo – voltada exclusivamente para as atividades de armazenamento –, ambos na esfera do governo estadual, foi criada a Ceagesp. A partir de 1997, a nova empresa foi federalizada, passando a ser vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

O objetivo da Ceagesp, segundo Rubens Costa Boffino, presidente da empresa desde 2008, é “facilitar o escoamento, principalmente dos pequenos e médios produtores, que representam 58% da atuação da Ceagesp, para que não haja concentração de produção, permitindo um preço justo para quem vende e quem compra”.

Ainda de acordo com Boffino, apesar de estar baseada em “diversidade e qualidade”, a central não está imune a problemas. Ao assumir a direção da empresa, ele detectou danos próprios de uma estrutura com 40 anos de uso, com equipamentos envelhecidos, funcionários desmotivados e questões trabalhistas por resolver. Por isso, consta de seus planos a modernização dos equipamentos, para a qual estão previstos R$ 60 milhões em investimentos. Entre as obras planejadas estão a troca de pavimentação para melhor absorção da água da chuva, instalação de câmaras de segurança, climatização de alguns boxes para melhorar a conservação dos produtos e reforma das plataformas de acesso aos boxes dos permissionários.

Outra questão que a Ceagesp tem enfrentado é a prostituição infantil. A prática – exposta no artigo “Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes: Um Estudo com Caminhoneiros Brasileiros”, baseado em levantamento feito por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no qual se afirma que cerca de 40% dos entrevistados se relacionam com adolescentes – se reproduz na central de abastecimento. Para combatê-la, algumas medidas foram adotadas pela empresa. Quem chega ao ETSP vê nas entradas inúmeras faixas advertindo os motoristas de que a prostituição infantil é crime e percebe seguranças revistando veículos de carga. Alguns portões da central foram fechados para aumentar o controle de acesso e proibiu-se a circulação de menores de idade desacompanhados.

O enorme volume de produtos alimentícios movimentado dentro do ETSP e sua localização também criaram uma condição paradoxal. Em uma região onde existem bolsões de populações de baixa renda, o entreposto era frequentado constantemente por pessoas que catavam restos nos depósitos de alimentos descartados. Ao mesmo tempo, entidades assistenciais procuravam diretamente os permissionários em busca de doações. Para amenizar a situação, em 2003 a empresa criou o Banco Ceagesp de Alimentos.

Das 10 mil toneladas de produtos movimentados por dia, 1% é descartado. Parte daqueles que estão fora de padrão ou amassados, mas em condições de consumo, são doados ao banco de alimentos. Os inadequados para a alimentação são levados para uma usina de compostagem e transformados em adubo orgânico.

De acordo com a empresa, no ano passado, em parceria com bancos municipais de alimentos e organizações não governamentais, 1,3 mil toneladas de produtos foram distribuídas para 130 entidades cadastradas. Da iniciativa participam o ETSP e outros dez entrepostos. Além disso, a Ceagesp é uma das mantenedoras da Associação de Apoio à Infância e Adolescência Nossa Turma, que há mais de dez anos oferece lazer educativo a mais de 200 crianças e adolescentes moradores do entorno do entreposto da capital.

Na área ambiental, para diminuir o impacto provocado pela empresa, as embalagens dos produtos também têm sido aproveitadas. Mensalmente, são recicladas, em média, 1,6 mil toneladas de papelão, palha, madeira, papel e material orgânico.

 

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